Por Reinaldo Azevedo
Estivessem um político ou um empresário quaisquer no lugar de Sergio Moro, e a imprensa estaria fazendo um escarcéu danado, particularmente aquela turminha especializada em cantar as suas glórias do ex-juiz por amor, amizade ou interesse. Mas se trata do nosso Macunaíma branco e bem sucedido.
Nas redes sociais, o doutor tentou explicar a sua nova condição de sócio diretor de uma gigante americana que se diz especializada em compliance, que conduz a recuperação judicial da Odebrecht e da OAS e que se orgulha de ter em seus quadros ex-servidores do governo americano que se dedicavam ao combate à corrupção.
Converse com qualquer pessoa que conhece esse assunto nos EUA. Hoje, um dos debates em curso naquele país aborda uma forma muito particular e própria de corrupção: funcionários de organismos encarregados de combater o malfeito servem por alguns anos como algozes das empresas, desligam-se do ente público e vão trabalhar, indiretamente, justamente para aquelas que eram, antes, as suas caças. E por salários sempre milionários.
Convenham: a corrupção na gringolândia é mais sofisticada do que essa que Moro combateu por aqui com ou sem provas. Vejam o caso da doação eleitoral, por exemplo. Nos EUA, empresas podem repassar milhões a comitês que, depois, transferem a grana ao candidato à Presidência. No Brasil, a Lava Jato transformou mesmo a doação legal em corrupção passiva.
E, por óbvio, fez o mesmo com caixa dois. Sim, bonito não é. Para ser, no entanto, corrupção, forçoso seria que houvesse uma contrapartida. Os monumentos morais da Lava Jato, Moro inclusive, venderam a falácia de que, mesmo sem essa contrapartida ou a promessa dela, a vantagem indevida estaria implícita. Ou por outra: era corrupção o que os valentes da força-tarefa e seu juiz-estrela diziam ser. E, claro!, com o endosso cego de Edson Fachin e da ala lavajatista no STF.
A propósito: haver no tribunal a “bancada” da Lava Jato é, por si, a negação da Justiça. Ou a Justiça é isenta ou é parte. Se é parte, não é Justiça.
E, assim, promove-se uma razia no processo político. Agora que é sócio de uma empresa americana, Moro poderia tentar vender esse seu conceito nos EUA. Levaria um pé no traseiro. Mas ele não fará isso. Não é mais o povo brasileiro, que engole lorotas, a pagar o seu salário milionário. Seus patrões agora são outros. Alguns diriam que são os mesmos…
Lembram-se do caso do tríplex, que levou Lula à cadeia? Na denúncia, o Ministério Público Federal afirmou, sem apresentar provas, que o tal apartamento seria um pagamento em razão de um percentual de propina que consórcio integrado pela OAS havia pagado a diretores da Petrobras, nomeados por Lula.
Como, reitere-se, inexistiam vínculos entre o contrato e o imóvel, que nunca pertenceu a Lula, Deltan Dallagnol — flagrado pela Vaza Jato combinando passos da operação com Moro — protagonizou o vergonhoso espetáculo do PowerPoint. Incapaz de provar a acusação, demonizou Lula, acusando-o de ser chefe de um gigantesco esquema de corrupção. Também sem provas. E depois se congratulou com o então juiz no Telegram.
Ao dar a sentença, Moro não estabeleceu nenhuma relação entre os contratos e o apartamento. Mesmo assim, condenou o ex-presidente. Em último caso, repetiu, com seu português muito característico, o PowerPoint do seu amiguinho. Nos embargos de declaração, teve o topete de escrever:
“Este juízo jamais afirmou, na sentença ou em lugar algum, que os valores obtidos pela Construtora OAS nos contratos com a Petrobras foram usados para pagamento da vantagem indevida para o ex-Presidente”.
É como se dissesse: “SOU SERGIO MORO E ESTOU ACIMA DO BEM E DO MAL. CONDENDO SEM PROVAS SE EU QUISER.”
Ora, se “os valores obtidos pela OAS nos contratos com a Petrobras não foram usados para pagamento de vantagem indevida ao ex-presidente”, então a denúncia estava desmoralizada. Mas ele condenou mesmo assim. Por quê?
Ah, valeu a tese da expectativa de vantagem, entenderam? Ainda que o apartamento nem mesmo pertencesse a Lula, e não pertence, a OAS só o teria reformado com a suposta intenção de doá-lo ao petista porque esperaria facilidades. Como o então presidente indicou os diretores da Petrobras e como estes confessaram em delação o recebimento de propina, pronto! Veio a condenação. O nome disso é farsa judicial.
E depois alguns tontos ainda me perguntam por que eu, que sempre fui um crítico duro do PT, resolvi criticar uma condenação sem provas. Eu respondo: EU O FIZ PORQUE NÃO HÁ PROVAS.
Moro foi, sim, algoz da Odebrecht e de toda a indústria de construção pesada no Brasil. Mas também foi aquele que concedeu os benefícios nos acordos de delação e de leniência. Vai ser sócio agora daquela que é a principal prestadora de serviços do grupo, com o qual mantém um contrato multimilionário.
Ele diz que não atuará como advogado. E daí? Está demonizando a advocacia por acaso? Atuasse nessa função, seria algo mais transparente. A empresa se justifica afirmando que ele não terá relação com a área de recuperação judicial e que não atuará em casos que passaram por seu crivo como juiz. E daí? Não hora de contabilizar resultados, o dinheiro da Odebrecht tem algum carimbo? A cada cafezinho que Moro tomar na A&M, sempre que usar o papel higiênico, a cada vez que der uma descarga, assim que ocupar uma mesa e uma cadeira, com ar-condicionado ligado, em tudo isso estará a grana também da Odebrecht.
Moro não conseguiu encontrar a evidência, porque o MPF não a apresentou, de que o dinheiro dos contratos da OAS se transformou num apartamento; também se considerou irrelevante o fato de que o imóvel não pertencia a Lula. Pois é…
Não fica difícil evidenciar de que o dinheiro que fará a fortuna de Moro sairá do caixa da A&M e de que esse caixa é composto, também, pelos pagamentos da Odebrecht e das outras empreiteiras enroscadas na Lava Jato. Mais fácil ainda é demonstrar que Moro homologou os acordos de delação que beneficiaram os diretores das clientes que ajudam a compor a dinheirama da A&M.
É o jeito americano de fazer as coisas.
Artigo publicado originalmente no UOL.
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