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A decisão de Toffoli e seus precedentes

A decisão de Toffoli e seus precedentes

Ministro apenas resolveu no atacado aquilo que o STF já reconhecia no varejo

Em 2020, o então advogado de Lula, hoje ministro Cristiano Zanin, recorreu ao STF para pedir acesso a um acordo de leniência firmado pela Odebrecht com o Ministério Público Federal, que embasava acusações criminais contra seu cliente. O então ministro Ricardo Lewandowski deferiu o pedido e determinou que os procuradores compartilhassem com o advogado documentos obtidos naquela leniência, dentre os quais dois sistemas de informações onde a Odebrecht guardava dados sobre supostas corrupções e propinas —o Drousys e o My Web Day—, e informassem como foram acessados.

Depois de alguma resistência, os procuradores apresentaram parte dos dados, informando que os procedimentos legais para o acesso aos sistemas foram respeitados. Tudo parecia em ordem. Até que vieram a público mensagens privadas trocadas entre procuradores da Lava Jato, revelando que as regras para a obtenção e preservação de provas em investigações criminais foram abertamente descumpridas.

Nelas, um dos procuradores diz que os arquivos dos sistemas Drousys e My Web Day foram recebidos em sacolas de supermercados e plugados diretamente nos computadores dos investigadores, sem espelhamento para preservar seu conteúdo, e que peritos chamados para garantir a integridade dos atos não encontravam os arquivos originais. Outro afirma: “Tá aí a cadeia de custódia”, referindo-se ironicamente às regras previstas em lei para garantir a validade de provas digitais. Um terceiro, talvez com mais tino, reconheceu a surrealidade do procedimento.

Não há dúvida sobre a nulidade das provas. Nenhuma regra para a preservação de sua integridade foi respeitada. Em razão disso, Lewandowski reconheceu sua invalidade e proibiu que fossem usadas no processo contra Lula. Essa decisão foi confirmada pela Segunda Turma do STF em fevereiro de 2022 e transitou em julgado, ou seja, tornou-se irrecorrível. Naquele momento foram sepultadas em potencial todas as apurações penais fundamentadas naqueles dados.

A partir disso, outros réus recorreram ao Supremo. Se as provas produzidas na leniência da Odebrecht eram nulas para Lula, o mesmo deveria ser reconhecido para todos os demais investigados com base no mesmo material. E, por muito tempo, o tribunal reconheceu a nulidade dessas provas para cada demandante, em cada processo, a conta-gotas.

Até que o ministro Toffoli —que sucedeu Lewandowski no caso— decidiu no atacado aquilo que a corte já reconhecia no varejo. Diante de inúmeros pedidos pontuais de invalidação das provas, declarou sua imprestabilidade geral. Não foi uma decisão inédita, com fundamentos novos, que abalou as estruturas da Lava Jato. Foi uma medida de economia processual, razoável e correta. Em vez de decidir aos poucos, de forma picada, para cada investigado, reconheceu os efeitos gerais de uma nulidade já identificada pelo STF há tempos.

É preciso dar aos fatos a sua real dimensão. Toffoli apenas repetiu os fundamentos de uma decisão já tomada por seu tribunal. E o fez como medida racional, para evitar a repetição de inúmeros pedidos iguais.

Goste-se ou não do conteúdo, é preciso conhecer o contexto da decisão antes de atirar naquele que a subscreveu.

Artigo publicado originalmente na Folha de S.Paulo.

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