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A liberdade de expressão não ampara o nazismo

A liberdade de expressão não ampara o nazismo

Tolerância sem limites leva ao desaparecimento da própria tolerância

Se o podcaster Monark (Bruno Aiub) cometeu ou não crime ao defender o direito de existência de um partido nazista é o sistema de Justiça criminal quem dirá. Suas falas podem ser enquadradas no art. 20, da lei 7.716/89, que considera crime “praticar, induzir ou incitar a discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional”. Haverá aqui intrigante discussão sobre se a defesa do direito de expressar opiniões preconceituosas equivale à própria divulgação indireta desse tipo de ideia.

Algo inconteste, no entanto, é o fato de que o comunicador e seu programa vinham ostentando retumbante alcance e visualizações com base em falsas polêmicas, como a dicotomia entre direitos humanos e liberdade de expressão, que geram engajamento e monetização em valores impactantes.

nazismo, o antissemitismo e suas defesas não estão amparados pela liberdade de expressão simplesmente porque violam a lei. Principie-se pela Constituição, que prevê, em seu art. 3º, inciso IV, que “constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil”, “promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação”. Mencionada disposição, por si só, obstaria o direito de qualquer pessoa de manifestar suas crenças “antijudaicas” ou “anti qualquer minoria”. Mas a Constituição vai além e prevê como crime inafiançável e imprescritível a prática do racismo.

Na mesma linha, nosso ordenamento jurídico não dá guarida à criação de um partido nazista, tendo em vista que o art. 17 da Constituição da República assegura a liberdade de criação de partidos políticos, desde que respeitem “a soberania nacional, o regime democrático, o pluripartidarismo e os direitos fundamentais da pessoa humana”, o que obviamente não se coaduna com o programa nazista: um programa baseado na supremacia branca, no totalitarismo e na sistemática violação dos direitos humanos.

Acima de tudo, consterna o fato de que, no Brasil de hoje, após os recentes e catastróficos eventos políticos, ainda existam pessoas que não compreendem a razão pela qual nosso ordenamento jurídico limita a liberdade de expressão para vedar esse tipo de conduta. Na colisão entre Voltaire e a frase que nunca escreveu (“não concordo com uma palavra do que dizes, mas defenderei até o último instante o teu direito de dizê-la” é uma sentença de uma comentadora de Voltaire, Evelyn Beatrice Hall, em obra de 1906) e o “paradoxo da intolerância” de Karl Popper é este quem predomina, pois a tolerância sem limites (como a tolerância aos discursos de ódio) leva ao desaparecimento da própria tolerância.

Na abertura de seu célebre texto, Theodor Adorno afirma que “a exigência que Auschwitz não se repita é a primeira de todas para a educação”. Lamentavelmente, constatamos que nossa educação vai de mal a pior quando um influenciador com milhões de seguidores e ouvintes não possui essa fundamental compreensão e se sinta à vontade para propagar a institucionalização de um partido nazista. Portanto, para além da incidência do direito penal —um sistema que não tem qualquer rendimento educacional—, que todas as consequências que recaíram sobre o apresentador e seu programa sirvam para mostrar que, para além da lei, a sociedade brasileira não tolera a disseminação das nefastas ideias nazistas, antissemitas ou de qualquer forma discriminatórias.

Por fim, uma lembrança: o Código Penal, em seu art. 20, inciso I, assenta que não exclui a imputabilidade penal à embriaguez voluntária. E, como se pôde notar, a sociedade brasileira reflete o mandamento e não exclui a responsabilidade pela propagação de ignorância de cunho racista sob o efeito do álcool. Pois, para viver em comunidade, ninguém tem o direito de ser idiota se sua idiotice puder ferir o outro.

Artigo publicado originalmente na Folha de S.Paulo.

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