A morte de uma moça de dezenove anos de idade é sempre um drama humano
Quando fomos chamados para tratar da calúnia que se abateu sobre o Jivago Castro, em Teresina, julgamos um enorme exagero o que ouvíamos sobre o massacre generalizado que era imposto pela chamada mídia social no Piauí. Atraiu-nos para a causa o grande apreço e os laços familiares que possuímos com esse estado.
Ao conhecermos a causa, devemos confessar que nos assustamos. A morte de uma moça de dezenove anos de idade é sempre um drama humano. A morte violenta em circunstancias não esclarecidas é, mais do que isso, uma incomensurável tragédia. Há que se ter um cuidado redobrado, pois a dor de quem perde uma filha não encontra eco em nada no mundo. O respeito aos familiares deve ser um dogma.
Ao nos aprofundarmos nos fatos ficamos estarrecidos e preocupados com os rumos que podemos estar prestes a enfrentar com a força da chamada mídia social. Nosso cliente, Jivago Castro, não conheceu a moça, nem suas amigas, nem ninguém do seu relacionamento próximo. A sua empresa era responsável por realizar as fundações da futura sede do Tribunal Regional do Trabalho, que fica ao lado da obra onde se deu a morte. Algumas notas levianas e irresponsáveis de um jornalista conhecido por sua fluidez, deram ensejo ao começo de um calvário da família de Jivago Castro.
Em um primeiro momento fomos chamados para processar este jornalista, mas, em pouco tempo, como um rastilho de pólvora, o jornalista voltou a sua insignificância, tal a dimensão que tomou a versão espalhada maldosamente. Como costuma ressaltar o grande colega Nazareno Thé, não há nenhum fiapo de indício, absolutamente nada que ligue Jivago ao fatídico evento. Ele, porém, vendo a sua honra achincalhada e a sua família sofrer em público, tomado da indignação própria dos inocentes, procurou a imprensa e se humilhou, tirou a camiseta para mostrar que não estava machucado, como irresponsavelmente dizia uma coluna, clamou por sua inocência e mostrou que queria ser investigado. Atitude de um homem que sabe ser inocente e que estava possuído pela ira santa dos injustiçados. Jivago entregou imagens de câmeras de segurança, além de seu sigilo telefônico para demonstrar que nunca tinha falado com a Fernanda, submeteu-se a coleta de material genético, enfim colocou-se no olho do furacão para provar que nada devia.
Ai veio o inacreditável. O Ministério Público é a instituição mais importante, sob certos aspectos, no tripé que sustenta o Poder Judiciário, pois é ele que detém o poder de denunciar. Convém lembrar que os magistrados não podem agir de oficio. O Juiz só poderá julgar alguém se a Promotoria de Justiça apresentar uma denúncia formal. Em outras palavras, o Ministério Público é o dono da ação penal. Sua responsabilidade é, portanto, muito grande. Não poderia, pois, um representante dessa instituição acompanhar um caso de mídia e se permitir fazer brincadeiras na televisão, chacotas, insinuações.
Não poderia o Promotor de Justiça se permitir, ainda, fazer pronunciamentos públicos sem indicar os fundamentos que dão suporte à sua posição. Não poderia, jamais, um Promotor de Justiça semear irresponsavelmente a revolta e a discórdia na população, sobretudo, se estiver baseado em obscuras especulações. Imagine-se se um juiz fizesse isto? E mais: imagine-se um Ministério Público que, de antemão, desclassifica o trabalho da Policia?! Chegou-se ao cúmulo de se afirmar que não aceitariam um relatório que não fosse em um determinado sentido preconcebido pela Promotoria de Justiça! Ora, compete ao Ministério Público aceitar ou não a conclusão da Policia. Esta é a regra constitucional, mas jamais desclassificá-la de antemão, em um claro desrespeito a instituição e ao Estado Democrático de Direito. Tampouco, poderia o Ministério Público realizar uma investigação paralela, para a qual não possui competência. Para nenhum ocupante de cargo público, essa conduta seria permitida. Para um membro do Ministério Público essa postura é – além de uma irregularidade séria – uma grave desonra à Justiça.
Criticamos institucionalmente esta postura, além do evidente bis in idem na investigação, afinal um fato não pode originar dois processos, dois inquéritos. No mesmo dia, um Promotor de Justiça nos instigou pela mídia para que tomássemos atitude! Ora isto seria fazer o demagogo jogo do inimigo. Se a esta altura não levarmos nosso cliente para depor no Ministério Público, mesmo certos de que o que fazem é inconstitucional, é porque sabemos que vão afirmar que ele está se omitindo por ter alguma responsabilidade. E, ao contrário: não só ele não tem, como é o maior interessado em esclarecer de vez esta situação. Responderá a qualquer chamado seja por respeito à instituição do MP, que é maior do que qualquer abuso dos seus membros, seja por respeito à sociedade do Piauí, e por crer que a verdade tem uma força inexorável e florescerá.
Que se recolham as armas da maledicência e do voluntarismo. As insinuações sobre orgias, tráfico de mulheres, bacanais denigrem a honra de uma família enlutada que já passa por uma dor que não tem fim. Vamos dar a investigação o respeito que ela merece. Todos podem ser objeto de uma investigação em um Estado Democrático de Direito. Ninguém está acima da lei. E, felizmente, o Jivago foi investigado à exaustão e nada, absolutamente nada pode ou poderá ser apontado contra ele, por não existir absolutamente nada. Mas contra a leviandade sem rosto que vem de uma massa amorfa, não há remédio, nem há direito.
Em 21 de abril desse ano, escrevemos na Folha de São Paulo sobre a importância que tiveram estas redes sociais na luta contra as ditaduras no mundo árabe, pois lá não havia liberdade de imprensa, nem partidos organizados, nem uma sociedade forte. Indagávamos, contudo, que tipo de impacto teria esse tipo de mobilização em uma sociedade que tenha os seus princípios democráticos consolidados. E é o que vemos aqui na prática.
Não temos medo da investigação e consideramos que devemos prestar contas de todos os atos a sociedade. Não obstante, clamamos por uma reflexão: vamos preservar o principio da presunção de inocência, do devido processo legal: não só na investigação, mas em todo espaço público de discussão. Vamos, ainda, resgatar a racionalidade e a ponderação no trato do Caso Fernanda Lages para não aumentar a incomensurável dor da família da moça e o sofrimento de outras famílias que se viram envolvidas nesse singular drama humano. E vamos lembrar que o mundo vive, como gostamos de dizer, nestes momentos como se estivesse num jogo de mascara. Quando vêem um poderoso, um rico ou um político sendo preso ou processado, regozijam-se, são tomadas por um frenesi íntimo indizível e inconfessável. Pouco importa se foram desrespeitados os direitos fundamentais. Veste-se a máscara da hipocrisia, da desfaçatez.
Porém, a vida dá, nega e tira. E pode ser que um dia, nas curvas que ela faz, a desgraça de uma injustiça bata à porta daquele que desprezou os mais elementares princípios de direito, e o próprio, ou alguém da sua família, se veja às voltas com uma arbitrariedade.
Aí o cidadão veste a máscara do devido processo legal, do direito à ampla defesa, do contraditório. Clama-se a partir daí por justiça e para que sejam cumpridos os preceitos constitucionais.
Artigo publicado originalmente no Meio Norte.
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