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Amigo Secreto

Por Luiz Joaquim

Uma síntese, com revelações e reflexões, sobre um tempo no qual o improvável é o provável.

Há memes, desde 2016, que brincam provocando sobre a pobre situação dos professores de história do Brasil, no futuro, que terão de explicar aos alunos o que aconteceu no país antes e após o golpe que extinguiu o Governo Dilma Rousseff. O cinema, definitivamente, será uma ferramenta que ajudará esses abnegados mestres, e Amigo secreto (Bra., 2022), novo trabalho da Maria Augusta Ramos que chega aos cinemas nesta quinta-feira (16), soma-se como peça fundamental a outras obras igualmente necessárias para tentarmos entender (e os gringos também) esse país.

A própria Maria Augusta já havia colocado uma peça importante no mundo, em 2018, sobre o circo Brasil. Com o seu O processo, a cineasta despia, ou ao menos escancarava, o patético por trás da imagem que parlamentares vendiam como paladinos da família e o tanto de corrosão contra a democracia que ali se instaurava de maneira cavalar com o impeachment de Dilma Rousseff em 2016.

Agora, Maria Augusta fala para quem quiser ouvir e ver a sua síntese de uma outra novela contra a democracia, disfarçada de cruzada contra a corrupção conhecida como Operação Lava jato, que teve como figura maior um ex-juiz curitibano, o mesmo que agora (junho de 2022) é investigado pela Polícia Federal por fraude eleitoral.

Aos desavisados, vale logo explicar que o título Amigo secreto se refere ao nome do grupo do Telegram do qual o juiz Sérgio Moro participava ao lado do procurador do ministério público e coordenador da Operação Lava Jato, Deltan Dallagnol, trocando informações sobre as investigações que levaram a criminosa e já anulada prisão do Presidente Luís Inácio Lula da Silva em 2017, quando ficou encarcerado por 580 dias na Polícia Federal de Curitiba.

E é nesse ano, ou seja, no posterior àquele no qual Maria Augusta trata o seu O processo, que Amigo secreto tem início. Estamos no primeiro dia do interrogatório promovido por Moro contra Lula sob a acusação deste ter aceitado propina tendo como ponto de partida o caso do apartamento triplex no Guarujá (SP).

Pulando dois anos, vemos Lula, em maio de 2019, dando sua primeira entrevista à imprensa como um encarcerado em Curitiba e, daí, menos de um mês depois, encontramos o fio condutor que guiará a narrativa do documentário de Maria Augusta: o início das reportagens investigativas publicadas pelo site The Intercept Brasil com a série conhecida como “Vaza Jato”, apresentando detalhes das trocas de mensagens secretas da Operação Lava Jato.

Junta-se aos personagens Glenn Greenwald, e, principalmente, o editor-executivo do portal, Leandro Demori, e as jornalistas do El País Brasil, Carla Jimenez, Regiane Oliveira e Marina Rossi

Em síntese, Maria Augusta vem de lá até o final de 2021 acompanhando, nos bastidores, o crescente dessa investigação e tomando, ela própria, suas anotações para costurar essa história por meio da fala de entrevistados como juristas, ex-executivos delatores da Lava Jato e funcionários da Petrobrás entre tantas outras autoridades no assunto.

As falas são intercaladas com as mais que eloquentes imagens de arquivo do interrogatório de Lula; de sua entrevista em Curitiba; da reunião ministerial de Bolsonaro na qual ele relincha que vai trocar o ministro que não proteger sua família e amigos, ou que discordar da sua bandeira armamentista; da renúncia de Moro ao Ministério da Justiça; de seu lançamento como político; da votação do STF que desvalidou o julgamento de Moro contra Lula; da libertação épica do presidente; do ataque de Sara Winter com os seus “300 do Brasil” contra os ministros do Supremo; e do medonho e criminoso discurso de Bolsonaro contra o STF para uma multidão na Avenida Paulista em 2021.

Mas um bom filme não é apenas a montagem correta de um quebra-cabeça. Maria Augusta com as peças que articula aqui, com a precisão e categoria da fala de seus depoentes e com o brilhantismo dos jornalistas que acompanha sublinha, com um lápis brilhante, o que houve de irresponsável (ou melhor, de criminoso) envolvendo a Lava Jato, particularmente pelas mãos da dupla Moro-Dallagnol.

Não é algo novo para quem acompanhou as reportagens do Intercept, do El País e dos veículos de imprensa parceiros na série “Vaza Jato”, mas a passagem do tempo (e já se vão três anos desde o início da série de reportagens) é famosa por diluir o impacto de algo tão grave para um país inteiro. Amigo secreto não só resgata esse impacto como chega no momento correto (ou melhor, necessário), pré-eleição presidencial, para, mais uma vez, alertar àquele que quiser ouvir sobre o teatro ruim pelo qual o Brasil foi entretido nos noticiários jornalísticos.

Do ponto de vista cinematográfico, é bom dizer que, por exemplo, Amigo secreto parece ser um dos poucos filmes que utiliza drones com um real sentido narrativo. Em dois momentos eles se mostram como um complemento discursivo, e não uma demonstração de inútil vaidade visual. Numa delas, apresenta o gigantismo de uma refinaria para engordar os argumentos de Lula em seu interrogatório. Noutra, encerrando o filme, apresenta a morte da vida, num longo plano aéreo absolutamente triste, sendo aquilo que o plano mostra o fruto daqueles que elegeram Bolsonaro.

Amigo secreto ainda traz dados e reflexões incontornáveis em sua gravidade quanto a postura da imprensa diante do que “vendia” a assessoria do Ministério Público quanto a Lava Jato (numa fala quase pedagógica, num bom sentido, de Demori); ou quando o jurista Pedro Serrano diz sobre o apoio do Gov. Federal com o valor de 1 trilhão e 200 milhões de Reais aos bancos para salvá-los da pandemia (e abrindo aqui um novo conceito para corrupção), quando “apenas” 200 milhões desse montante poderiam ter ajudado a população contra o necessário isolamento social; ou, ainda, quando Alexandrino de Alencar, ex-executivo da Odebrechet, conta que, ao se falar na Lava Jato sobre o Caixa Dois da campanha de Aécio Neves em 2014, o delator era logo dado como desnecessário para a investigação.

O triste, considerando as desgraças disparadas a partir de 2016 e perpetradas até hoje, é que elas são tão velozes que um dado nos créditos finais desse novo filme chega desatualizado em sua tristeza. Numa das informações lemos que em 2021 o Brasil tinha 19 milhões de pessoas passando fome, quando sabemos que hoje esse número aumentou para 33 milhões.

Enfim, pensando melhor, com o tanto de velocidade para promover o mal praticado pelo atual governo, os professores de história do Brasil no futuro terão muito trabalho mesmo com competentes filmes como Amigo secreto ao seu dispor.  

Publicado originalmente no Cinema Escrito.

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