Por Julia Chaib
Para Felipe Santa Cruz, momento não é o de levantar a bandeira e pedir o impeachment do presidente
Adversário declarado de Jair Bolsonaro, o presidente da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil), Felipe Santa Cruz, diz que o Judiciário e o Legislativo precisam ficar atentos e impor freios ao que vê como ações de viés autoritário do chefe do Executivo, além de zelar por políticas de combate à pandemia do coronavírus.
Santa Cruz avalia que Bolsonaro trabalha com o objetivo de ser reeleito. E questiona como um presidente que rechaça a chamada velha política agora faz propaganda para teses do ex-deputado e presidente do PTB, Roberto Jefferson.
O presidente compartilhou vídeo nas redes sociais em que o ex-parlamentar acusa o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), de tramar junto com o chefe da OAB um golpe para tirar Bolsonaro do poder. Apesar das críticas, Santa Cruz diz que o momento não é o de levantar a bandeira e pedir o impeachment de Bolsonaro.
Bolsonaro e o presidente da OAB já protagonizaram embates públicos. Em julho do ano passado, o presidente provocou o advogado e disse que um dia contaria como o pai dele desapareceu durante a ditadura militar.
Santa Cruz foi ao STF pedir explicações do presidente. Ele é filho de Fernando Augusto Santa Cruz de Oliveira, desaparecido em fevereiro de 1974, após ter sido preso por agentes do DOI-Codi, órgão de repressão da ditadura, no Rio de Janeiro.
Como o sr. avaliou a participação do presidente no ato a favor da intervenção militar no domingo (19)? A gente já identificava esse viés autoritário. Mas, com clareza, acho que ele deu um passo a mais, ele atravessou o rubicão. Para quem não conhece a história, o Julio César [ditador romano] atravessa com seus exércitos no sentido de Roma e lança sua sorte no plano de ser um autocrata.
O presidente chuta várias coisas. Primeiro, o descumprimento completo do isolamento social, ele não tem compromisso efetivo com políticas públicas. O compromisso é com a agenda de reeleição dele mesmo. Então, por conta disso, ele precisa radicalizar, atiçar uma base eleitoral que trabalha com medo, com paranoias, trabalha com várias versões. Agora há pouco [nesta segunda] ele postou um vídeo ridículo do Roberto Jefferson, o representante maior da velha política. O presidente repostou um vídeo que fala em trama da OAB com a Câmara para encomendar um pedido de impeachment.
O presidente só pensa nisso, só pensa em poder, como é natural dos tiranos, dos autoritários e ultrapassou um limite impensável. A verdade é que os democratas agora têm que ter atenção total até o final do mandato dele contra todo e qualquer ato que venha ferir liberdades, garantias.
Como este ato se diferencia de outros dos quais ele participou, que também pediam o fechamento do Congresso? Foi um ato na frente de um quartel, requerendo intervenção militar. Para mim, a presença de um presidente prestigiando um ato que requer a ruptura da institucionalidade é algo impensável, nunca visto na história do Brasil. O presidente está claramente atiçando essa pequena base mais radicalizada que ele tem.
As instituições precisam servir como freios às ações do presidente? Claro. Hoje [segunda-feira] de manhã, por exemplo, fomos ao Supremo contra essa medida provisória que pega os dados de todos os brasileiros e entrega ao IBGE. Esse governo não tem credibilidade para ter acesso a esses dados. É um governo que trabalha com fake news, que trabalha com distorção nas redes sociais, claramente, é mais um passo na transformação do Brasil numa Hungria.
O presidente do Supremo, Dias Toffoli, só se manifestou nesta segunda pela manhã. Ele demorou a falar? Não vou fazer esse julgamento. Está muito difícil para todos nós. Eu me pergunto 10 vezes se eu preciso falar porque o presidente impõe um ritmo que é extenuante de maluquices, de fanfarrices, como a mentira do Roberto Jefferson que ele acaba de compartilhar. Esse [Jefferson, é] um político que representa o que de pior há no Brasil. Como alguém pode se dizer novo ou contra a corrupção aliado ao Roberto Jefferson? Essa é a grande pergunta.
A live do Roberto Jefferson cita seu nome algumas vezes… É absurdo. É uma manipulação da paranoia, da mentira. Eu me vi ofendido pessoalmente de ter de negar às pessoas uma frase do Roberto Jefferson.
O impeachment tornou-se uma pauta a ser discutida? Ela sempre pode ser uma pauta a ser discutida. Há conselheiros da Ordem que querem discutir essa pauta. Eu, pessoalmente, entendo que não é momento. É momento de enfrentar a pandemia, cobrar do presidente que governe para todos, que é obrigação dele. Ele jurou isso com a mão sobre a Constituição quando tomou posse como presidente.
Depois da pandemia, o sr. pode discutir o impeachment? Depois da pandemia, acho que discussão é absolutamente cabível, tendo um olhar claro ao que ele fez durante esse período. Caberá ao conselho federal [da OAB] também [discutir]. Muita gente boa tem discutido se há até aqui ou não crime de responsabilidade, grandes juristas como Miguel Reale, acho que cabe abrir a discussão de forma democrática.
Em uma ação no STF, vocês da OAB conseguiram uma liminar do ministro Alexandre de Moraes impedindo o presidente de decretar medidas que vão contra o isolamento social imposto por governadores. A que se deve essa atuação durante a pandemia? A OAB historicamente exerce esse papel de liderança da sociedade civil. A crise é profunda, e nós nos reaproximarmos de muitas entidades representativas da sociedade. Atuamos em dois pilares.
Primeiro, é esse, da defesa da vida, que nos levou ao Supremo preocupados com as demonstrações contraditórias do governo, com um certo conflito administrativo que se instalou no país. E também com a falta de coordenação entre o presidente e o ministro da Saúde [o ex-ministro Luiz Henrique Mandetta], situações ou que deixaram morosos ou mais ainda lentos os preparativos para enfrentarmos a pandemia. Prova disso é a falta de kit para tese, a subnotificação.
Qual é o outro pilar para o qual vocês estão atentos? O Estado Democrático de Direito. O presidente já deu ‘n’ provas de que não é propriamente um admirador da democracia. Ele não toma as medidas que ele propriamente gostaria muito mais por não ter força para fazer pela contenção que as instituições fazem ao seu trabalho do que por qualquer outra coisa.
O presidente é uma pessoa com viés autoritário ressaltado, tem horror à imprensa, aos artistas, aos advogados, tem horror às liberdades. Por isso também fomos ao Supremo e conseguimos uma liminar na matéria quando ele, através de uma medida provisória, tentou limitar a lei de acesso à informação.
Como o sr. avalia as críticas do presidente aos governadores e às medidas de isolamento adotadas por eles? O perigo maior já está dado, que é não ter coordenação. O presidente não trabalha por soluções nos municípios e o Ministério da Fazenda não reage na velocidade que tem que reagir em relação aos mais pobres, aos que precisam de uma renda mínima.
O sr. acha que o presidente coloca em risco a população quando prega o fim do isolamento? O presidente já deu ‘n’ provas pessoais de que não tem qualquer compromisso com a saúde pública, deu provas pessoais de desprezo à vida. Dá provas permanentes de falta de educação cívica, de capacidade cívica de obedecer encaminhamentos da saúde ao fazer eventos.
O presidente já deu todos os exemplos do mundo que está abaixo do que o cargo dele exige, mas ele foi eleito. Cabe às instituições dentro das suas possibilidades corrigir os rumos desse barco à deriva por abandono ou omissão do seu comandante.
Nesse sentido, o sr. acha que o Judiciário, representado pelo STF principalmente, deve impor ou tem imposto limites à atuação do Bolsonaro na tentativa de corrigir rotas? Eu acho que o Judiciário e o Legislativo tem nesse momento papel importantíssimo, como os governadores que estão tentando fazer superar esse momento com medidas técnicas.
Entrevista publicada na Folha de S.Paulo.
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