Por Ricardo Kotscho
“Pelo que entendi, Moro decidiu receber sua parte no golpe em dinheiro” (Fernando Haddad, no Twitter)
Haddad entendeu bem. Depois de detonar com a Lava Jato algumas das maiores empresas e o sistema político-partidário do país, Sergio Moro, o juiz herói nacional do combate à corrupção, pulou para o outro lado do balcão e virou um homem de altos negócios.
Em apenas dois anos, o ex-juiz largou a toga para virar ministro da Justiça de Jair Bolsonaro, que ajudou a eleger, sonhou com uma vaga no STF, rompeu com o presidente e, após uma quarentena de seis meses, abriu uma banca de advogado.
Um dos seus primeiros clientes foi o empresário israelense Benjamim Steinmetz, que tem um litígio bilionário com a empresa brasileira Vale.
Pouco depois, assinou contrato para ser sócio-diretor da consultoria multinacional Alvarez & Marsal, que tem entre seus clientes justamente a Vale, além das empreiteiras Odebrecht e OAS, os principais alvos da Lava Jato, além do ex-presidente Lula.
Para Moro, em sua ética particular, não há “conflito de interesses” em nada disso. Pagando, está tudo limpo.
Money is money
“Moro fez um negócio espetacular. Com o dinheiro que ganhará, deve abrir mão dos interesses políticos, por enquanto”, disse um amigo do ex-ministro ao colunista Vicente Nunes, do Correio Braziliense.
E não é pouco dinheiro, não. Pela administração judicial das duas empreiteiras que a Lava Jato quase destruiu, com dezenas de milhares de demissões de trabalhadores, a Alvarez & Marsal vai receber R$ 34,8 milhões, valor definido provisoriamente pela 1ª Vara de Falências e Recuperações Judiciais de São Paulo.
De nada adianta agora as viúvas e os órfãos do ex-herói choramingarem nas redes sociais pela perda do seu candidato a presidente. Moro não quer mais nem ouvir falar nisso. Money is money.
Quem deve estar feliz com isso é Bolsonaro, que enxergava no ex-ministro seu principal concorrente em 2022 na faixa da extrema-direita. Como o resto agora é tudo centro, centro-direita ou centro-esquerda, o caminho ficou livre para o capitão.
Moro não pode reclamar da vida
Só tenho uma dúvida: quanto estiverem frente a frente os advogados dos litigantes Vale e Benjamim Steinmetz, que eram sócios de uma mina de minério de ferro na Guiné, uma história que envolve subornos, de que lado o cruzado Moro vai ficar? Ou isso também não vem ao caso?
“Não é advocacia” o que ele vai fazer, garante o camaleão, que agora virou “consultor” de empresas enroladas.
Para um juiz de primeira instância, que se formou numa faculdade de Maringá (PR), e tem dificuldades com o idioma de Shakespeare, até que Moro não pode reclamar da vida. Já fizeram até livros e filmes sobre ele nos seus tempos de herói e parceiro da mídia.
A Lava Jato vai acabando aos poucos, os denunciados do Centrão estão todos soltos, mas a joint-venture com o FBI rendeu bons frutos ao ex-juiz e seu séquito de procuradores.
Mega-Sena
Num país com 14 milhões de desempregados, Moro acertou sozinho na Mega-Sena. Já garantiu seu futuro.
Quem ficou na estrada foram os ex-funcionários da Odebrecht e da OAS, porque agora Moro vai ajudar seus patrões, que estão todos soltos, a “fazer tudo direito”.
Para quem ainda não entendeu o que está acontecendo no Brasil, vale lembrar um ensinamento de Ernst Kretschmer (1888-1964), um psiquiatra alemão:
“Os psicopatas estão sempre entre nós. Em tempos tranquilos, nós os examinamos. Em tempos difíceis, eles nos governam”.
E como são difíceis estes tempos…
Vida que segue.
Artigo publicado originalmente no UOL.
1 Comentario
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Nelson
01/12/2020, 20:35O que quebrou as construtoras foram os esquemas de corrupção e não que combateu a corrupção
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