Por Patrícia Campos Mello
Tem gente que vê graça em linchamento misógino; o que achariam se a piada fosse com a filha deles
Como diz o clichê, uma imagem vale mais do que mil palavras.
Quanto valerá uma foto em que uma mulher aparece pelada, de pernas abertas, em cima de uma pilha de notas de dólares, chamada de piranha? E uma em que o rosto dessa mesma mulher aparece com a legenda: “Folha da Puta — tudo por um furo, você quer o meu? Patrícia, Prostituta da Folha de S.Paulo — troco sexo por informações sobre Bolsonaro”? E outra em que essa mulher —sempre a mesma— aparece com a frase: “Ofereço o cuzinho em troca de informação sobre o governo Bozo”?
Peço desculpas pelas palavras grosseiras, mas estou apenas descrevendo alguns dos incontáveis memes que eu recebo todos os dias, que são compartilhados por milhares de pessoas pelo WhatsApp, Facebook, Twitter e Instagram. É o meu rosto e o meu nome que estão nesses memes.
Tem gente que acha isso engraçado. Como disse um blogueiro governista, isso não é um ataque a jornalistas, é apenas uma maneira de tirar sarro, “que falta de senso de humor”. Um humorista que imita o presidente Jair Bolsonaro também se matou de rir e ainda debochou das reações, imitando choradeira.
Será que esse pessoal acharia graça se essa “piada” fosse com a irmã, a mulher ou a filha deles?
Este linchamento virtual começou depois que Hans River do Rio Nascimento, ex-funcionário da agência de marketing Yacows, fez um depoimento à CPMI das Fake News.
Hans foi entrevistado para a reportagem “Fraude com CPF viabilizou disparo de mensagens de WhatsApp na eleição”, publicada pela Folha em 2 de dezembro de 2018 e escrita pelo repórter Artur Rodrigues e por mim. A reportagem, baseada em documentos públicos da Justiça do Trabalho, fotos, planilha e em relatos de Hans mostrou que uma rede de empresas, entre elas a Yacows, recorreu ao uso fraudulento de nome e CPFs de idosos para registrar chips de celular e garantir o disparo de lotes de mensagens em benefício de políticos.
Em seu depoimento à CPMI, Hans contou diversas mentiras, entre elas a de que eu teria tentado obter informação “a troco de sexo”.
Algumas horas após o depoimento, publicamos reportagem que, com provas concretas, desmentiu Hans de forma cabal. As entrevistas com ele haviam sido gravadas, com a sua permissão; as fotos e a planilha que ele mandou tinham sido salvas, assim como todas as trocas de mensagem.
Essas provas revelavam que o depoente havia mentido à CPMI em diversos pontos. Tudo isso foi anexado ao processo que estou movendo contra ele.
Nada disso importou. O deputado Eduardo Bolsonaro, filho do presidente da República, tratou de espalhar as calúnias rapidamente.
Fez vídeo ecoando a mentira e distribuiu em suas redes sociais. Reproduziu as ofensas de Hans em diversos comentários em sua conta do Twitter, que tem 1,8 milhão de seguidores. Fez questão de subir na tribuna da Câmara dos Deputados e dizer, enquanto era filmado: “Eu não duvido que a senhora Patrícia Campos Mello, jornalista da Folha, possa ter se insinuado sexualmente, como disse o senhor Hans, em troca de informações para tentar prejudicar a campanha do presidente Jair Bolsonaro”.
Sete dias depois, quando ainda mais provas haviam sido publicadas, demonstrando as mentiras da testemunha, o presidente Bolsonaro levantou o assunto, sem nem sequer ser indagado, em uma das coletivas improvisadas que dá na frente do Palácio da Alvorada.
“Ela [repórter] queria um furo. Ela queria dar o furo [risos dele e de apoiadores]”, afirmou, diante de um grupo de simpatizantes. Após uma pausa durante os risos, Bolsonaro concluiu a frase: “A qualquer preço contra mim”.
Além dos inúmeros memes de cunho pornográfico, recebi mensagens agressivas.
“Você tava querendo dar a buceta para ver o notebook do cara kkkkkkk então você chupa piroca por fontes?”, dizia um usuário do Facebook chamado Bruno Pires, que, segundo sua conta na rede social, estudou direito na Universidade de Rio Verde.
“Puta do caralho, por que você não libera seus comentários? Quem tem cu, tem medo”, disse um Luciano Marrtins, de Santo André, em mensagem enviada por Facebook.
Artigo publicado originalmente na Folha de S.Paulo.
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