‘Lawfare’ de gênero avança na política nacional
O fenômeno da hostilização da mulher na política não é um acontecimento recente. Em uma sociedade habituada com os homens ocupando os espaços públicos e as mulheres adstritas ao ambiente privado, romper essa estrutura patriarcal traz vivências traumáticas àquelas que se aventuram a disputar espaços de poder.
Não por acaso, apesar dos inúmeros relatos sobre silenciamentos, assédios, interrupções de falas, ataques à honra e ameaças, a evolução social da participação feminina na política e suas aquisições de direitos sempre foram permeadas pela naturalização da agressividade contra a mulher, fazendo com que o Brasil aprovasse apenas em 2021 a primeira lei sobre violência política de gênero. Caracterizada como todo ato com o objetivo de excluir a mulher do espaço político, atualmente é crime promover qualquer ação que vise impedir ou dificultar, em virtude do gênero, o efetivo desempenho do mandato eletivo ou de função pública.
Contudo, referida norma não está sendo suficiente para garantir o exercício livre e soberano da atividade política das parlamentares.
Em uma escalada de micro e macromachismos, oriundos especialmente da falta de ocupação feminina em postos de liderança, a crescente perseguição às eleitas ganha agora um novo e cruel contorno enquanto prática de “lawfare” (uso indevido de recursos jurídicos para fins de perseguição política) de gênero.
O método utilizado é justamente a abertura de procedimentos éticos como ferramenta prática de violência quando pretende silenciar, constranger e impedir a atividade parlamentar de mulheres.
Atualmente, essa conduta é presenciada com a celeríssima tramitação de procedimentos contra seis deputadas federais, única e exclusivamente por estarem exercendo a atividade para a qual foram democraticamente eleitas.
A conduta de apuração ética, que em tese poderia se revestir de aparente legalidade dada sua previsão no regimento interno, torna-se absolutamente ilegal, já que as imputações às parlamentares não configuram falta ética e, portanto, nem sequer autorizariam a abertura de referidos feitos ou ensejariam alguma punição.
A instrumentalização da violência, seja por meio de propositura de representação sexista ou ainda por determinação de tramitação sem justa causa, atrai a incidência da nova lei mediante a misógina perseguição institucional com o uso de manobras claras: exaurir política e emocionalmente as mulheres para com isso garantirem a supremacia da casta que historicamente ocupa o poder.
Por essa razão, a mudança no cenário de sub-representação feminina na política faz-se necessária com a imposição de mecanismos que garantam a efetividade das cotas afirmativas, a análise dos casos sob a perspectiva de gênero alicerçada na pouca representatividade desse grupo social e, finalmente, mediante a aplicação de ferramentas que previnam e combatam toda forma de constrangimento a mandatos como forma de violência, efetivando-se, assim, a permanência das eleitas nesses espaços de poder como fundamento existencial e necessário de uma democracia plural, diversa e soberana.
Artigo publicado originalmente na Folha de S.Paulo.
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