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Diante do espelho: brancos e o antirracismo

Diante do espelho: brancos e o antirracismo

Por Andre Degenszajn e Iara Rolnik

Embora a indignação diante da brutal violência contra pessoas negras nunca tenha sido silenciosa, sobretudo graças ao movimento negro, é notório o aumento das demonstrações antirracistas no mundo.

Catalisada principalmente pelo assassinato de George Floyd nos EUA, essas manifestações posicionaram o racismo no centro do debate público. Constituiu-se uma espécie de consenso coletivo tácito —por vezes declarado— de que não é mais possível ignorar a centralidade do racismo na constituição e no funcionamento das sociedades, especialmente no Brasil.

Esse pretenso consenso não vem se constituindo sem resistências. As reações transitam desde afirmações de supremacistas brancos, mais ou menos declarados, aos arautos da democracia racial —nostálgicos de um passado que nunca existiu. Sua face mais evidente são os discursos da extrema-direita, mas sua dinâmica igualmente perversa, no entanto, é a negação do racismo em amplos setores da sociedade, inclusive progressistas, confortáveis em identificar o racismo apenas na sua dimensão estrutural.

Nós, brancos, raramente reconhecemos que o nosso lugar social é também informado pelo nosso enquadramento racial, contrapondo-se à ideia e ao sentimento seguro de que falar de racismo é pensar sobretudo no “outro” —os negros—, e não em nós mesmos.

Reconhecer-se como produtor ou reprodutor do racismo, distanciar-se da posição de neutralidade, atentar para os efeitos dos discursos e das ações sobre as desigualdades raciais é romper com um pacto que sustenta o privilégio da branquitude.

E esse não deve ser um movimento performático ou meramente declaratório. Ele se inscreve nas práticas cotidianas, usando o lugar de privilégio para transformar as relações, localizando as práticas racistas e invertendo as lógicas que as aprofundam. Isso se faz votando em pessoas negras, lutando por mais professores negros nas escolas, contratando pessoas negras nas instituições. Se faz conhecendo e reconhecendo o pensamento e trajetórias negras, estabelecendo novas camadas de subjetividade capazes de romper com o que Edson Cardoso, professor e editor do jornal Ìrohìn, chamou de “hierarquização da diversidade”.

Não há uma única ação exemplar e não existe atalho: trata-se de um projeto de vida, uma atitude ética diante das relações sociais.

Nossa sociedade racista é resultado de um projeto secular. Mais do que reconhecê-lo, é preciso desarmá-lo e construir outro capaz de superar as desigualdades raciais.

Andre Degenszajn e Iara Rolnik são, respectivamente, diretor-presidente e diretora de programas do Instituto Ibirapitanga

Publicado na Folha de S.Paulo.

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