Punir os golpistas do 8 de janeiro é imprescindível para evitar nova ofensiva da extrema direita e o retorno do fascismo bolsonarista, alerta o advogado Antônio Carlos de Almeida Castro, o Kakay. O principal responsável pelo que o criminalista chama “o Dia da Infâmia”, na sua opinião, é o ex-presidente Jair Bolsonaro.
A democracia brasileira barrou mais essa tentativa de golpe, mas Kakay acredita que as ameaças persistam. “Nosso maior risco é não punir os criminosos”, diz. “O maior erro na redemocratização foi esse: não punir os criminosos. Bolsonaro foi gerado, primeiro, na anistia aos terroristas. Tanto que o que ele fez ao longo da vida mereceria dez cassações e 30 prisões, e fizemos o brasileiro cordial. (…) Se repetirmos esse papel, daqui a quatro anos teremos o fascismo de volta.”
Para o advogado, há elementos de sobra para caracterizar a responsabilidade de Jair Bolsonaro nos ataques às instalações do Supremo Tribunal Federal (STF), do Palácio do Planalto e do Congresso Nacional. “Essa é uma questão séria. O ex-presidente Bolsonaro é o principal responsável por tudo isso. Durante quatro anos, teve o ódio e a violência como estrutura de governo e estratégia de conquista e manutenção do poder.”
A ação política de Bolsonaro, explica Kakay, tem se baseado nas técnicas contemporâneas da extrema direita descritas no livro “Os Engenheiros do Caos: Como as Fake News, as Teorias da Conspiração e os Algoritmos estão sendo utilizados para disseminar ódio, medo e influenciar eleições”, escrito por Giuliano da Empoli. Mas o advogado considera que o 8 de janeiro “foi muito mais grave” que a invasão do Capitólio dos EUA, em 6 de janeiro de 2021, por apoiadores do então presidente Donald Trump, contrários à vitória de Joe Biden. Em Brasília, “se os ministros do STF estivessem lá, teriam sido mortos. Por quê? Porque um irresponsável, fascista, por quatro anos incentivou as pessoas contra o STF, com palavras de baixo calão”.
Bolsonaro também provocou o esgarçamento das relações institucionais, avalia Kakay, ao insistir ao longo de todo o seu mandato na ideia do fechamento do STF e ao cooptar grande parte do Legislativo com as emendas do chamado Orçamento Secreto. “Sou crítico ferrenho do Judiciário, mas foi o Poder que nos restou e que manteve a institucionalidade”, reconhece. Sem a resistência do STF, ele acredita que o país teria sofrido com a tentativa de golpe ainda na metade do mandato do ex-presidente. “Ele tentou o 142 (artigo da Constituição que regulamenta o papel das Forças Armadas) e tentou fortalecer as Polícias Militares (PM) e levá-las para o Palácio, longe dos governos estaduais. Só não conseguiu [dar o golpe], porque não tem prestígio intelectual nas Forças Armadas; é um indigente intelectual.”
Conhecido crítico do punitivismo, cultura jurídica cuja principal diretriz é o endurecimento das penas, o advogado admite que, neste caso, a responsabilização é chave para a institucionalidade democrática, assegurados todos os direitos de defesa aos acusados. “Falo com visão histórica: ou responsabilizamos os militares que estavam no comando, criminalmente e civilmente, e os políticos que se locupletaram e propiciaram apoio, enfrentamos os financiadores, e especialmente responsabilizamos o presidente Bolsonaro e seu grupo do Gabinete do Ódio, ou estamos alimentando o faciscmo. Brecht já dizia: a cadela do fascismo está sempre no cio. Você cresce na dor, na adversidade. Se não enfrentarmos com o devido processo legal rigorosamente os fascistas, nós os estaremos alimentando para que voltem, já que não conseguiram dar o golpe.”
Nesse sentido, ele cita como o ato mais importante para a consolidação da democracia brasileira o encontro, em 9 de janeiro, dia seguinte dos ataques, do presidente Lula com os ministros e a presidente do STF, Rosa Weber, junto a vários ministros de Estado, aos presidentes da Câmara e do Congresso e aos governadores, para descerem juntos a rampa do Palácio, atravessarem a Praça dos Três Poderes e irem até o STF. “A descida da rampa foi um momento histórico.”
Também histórica tem sido a reação ao atentado terrorista, destaca o advogado. Ou seja, as 1.500 prisões em flagrante, uma ofensiva inédita no mundo, das quais 922 transformadas em preventivas, além de outros acusados liberados com tornozeleira eletrônica ou outras restrições. Um mês após a tentativa do golpe, o Ministério Público já contava 635 denúncias, e mais de R$ 30 milhões de financiadores haviam sido bloqueados.
“Eu acho que vivemos 300 dias em 30”, acredita Kakay. “A sociedade reagiu bem. O noticiário foi coerente com o que vinha defendendo, o MP mudou, está atuante, a polícia sentiu na carne os erros que fez.” Até aqui, ele está convicto de que tudo o que poderia ser feito, do ponto de vista da aplicação da lei, foi feito.
“Agora é descobrir os políticos por trás [dos atos terroristas], os financiadores, as pessoas que se uniram ao Bolsonaro para saquear o país. Os que têm interesse na privatização das grandes empresas brasileiras, grupos fortíssimos que saquearam o país e queriam manter status de saqueadores. Mas, principalmente, temos que responsabilizar o principal mandante de tudo isso, Jair Messias Bolsonaro”, ressalta o advogado. “Também é necessário responsabilizar os militares. Bolsonaro não tinha força junto à elite das Forças Armadas, mas alguns militares de alta patente prestigiaram a ideia do golpe. E ainda prestigiam. Não saímos ainda da zona de uma certa insegurança.”
Dada a escala dos processos, Kakay é a favor da sua transferência para os estados de origem dos acusados. “Até porque 1.500 pessoas entrando no sistema carcerário desestabilizam qualquer sistema no mundo.” E chama a atenção para a “estrutura de guerra” montada no país para atacar a democracia, com destaque para os acampamentos montados junto a quartéis-generais do Exército. “Esses acampamentos eram verdadeiras células criminosas. Ali estava sendo gestado o golpe do dia 8”, diz. O Estado precisa, então, levantar quanto custou cada um dos acampamentos, que, em alguns casos, tinham logística caríssima, com água quente, refeitório, lanche, segurança.
“Quando vi os bolsonaristas com os celulares na cabeça para entrar em contato com ETs, pensei: são uns indigentes intelectuais. Aí você tende a minimizar. Porque estavam numa democracia, pregavam que tinham direito à liberdade absoluta de expressão, e por isso, podiam pregar a intervenção militar para acabar com a democracia. Vejam que contradição enorme, que eles não percebem porque são fragilíssimos intelectualmente.”
Isso não significa que não sejam perigosos e violentos. Os democratas não devem ignorar, inclusive, a expansão da ultradireita no contexto internacional. “Temos que fazer essa resistência democrática, porque disso vai depender o futuro do Brasil. Não só os próximos meses. Temos que fazer o enfrentamento desse grupo fascista, de ultradireita”, diz Kakay.
Confira o Soberania em Debate com Antônio Carlos de Almeida Castro, o Kakay, entrevistado no dia 9 de fevereiro, pela jornalista Beth Costa e pelo advogado e cientista político Jorge Folena, ambos da coordenação do SOS Brasil Soberano.
Entrevista publicada originalmente no SOS Brasil Soberano.
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