Decidir não é escolher, e o Direito não pode ser reduzido àquilo que o juiz diz que ele é. Esse é o pilar do pensamento filosófico sobre o Direito de Lenio Streck, e esse princípio orienta seu mais novo livro, O que é fazer a coisa certa no Direito, publicado pela Editora Dialética.
Partindo sempre do princípio, Lenio abre seu livro com uma reflexão sobre a impossibilidade de termos acesso direto às coisas a que a linguagem se refere, e por isso termos de “nos contentar” com o que sobra.
Recorrendo à mitologia grega, o autor lembra que Hermes, o mensageiro dos deuses, batizou o campo de estudos da hermenêutica. Ele torna, então, a metáfora mais complexa ao propor a reflexão de que aos humanos nunca foi dado saber o que os deuses disseram: apenas o que Hermes disse aos humanos que os deuses disseram.
Desse ponto de partida, Lenio Streck passeia com familiaridade entre as mais diversas referências literárias, eruditas e culturais para analisar os usos e, principalmente, os maus usos que se faz do Direito em sua aplicação cotidiana.
Um acontecimento raro, Lenio é ao mesmo tempo um intelectual respeitado, campeão de citações acadêmicas em seu campo de pesquisa, e um jurista respeitado, com uma carreira sólida no Ministério Público e atuações importantes como advogado em casos de repercussão nacional, como as ADCs sobre a soberania da presunção de inocência.
As reflexões de Como fazer a coisa certa no Direito, portanto, têm o benefício de ser iluminadas por uma atuação prática que chancela o que está sendo apresentado, por sua coerência e integridade.
A obra desmistifica questões de senso comum a respeito da atuação do juiz, abordando temas tão atuais quão recorrentes: o protagonismo judicial, a questão do subjetivismo, as falácias do moralismo no Direito e as armadilhas do relativismo, além de se arriscar em reflexões sobre o desenvolvimento da tecnologia e os desafios para que o debate jurídico não ceda ainda mais campo à indigência das respostas fáceis.
Diante da magnitude dos desafios que se apresentam aos atores do Direito, de juízes a advogados a estudantes, é compreensível o impulso de se refugiar nas respostas prontas, nos resumos, na decoreba que viabilize uma aprovação em concurso; é compreensível, mas indesculpável — especialmente por se tratar da classe de pessoas responsável pela aplicação das normas que garantem o bom funcionamento da vida em sociedade. Sem as quais, ao menos no contexto institucional em que nos encontramos hoje, só resta a barbárie.
Diante da progressiva erosão da formação humanística desses profissionais, o livro de Lenio Streck oferece uma alternativa de escape: uma possibilidade de reflexão que não rebaixa o conhecimento para torná-lo digerível, mas o traduz, na melhor acepção possível do termo, para que sua absorção resulte em uma aplicação prática na vida.
Completa-se, assim, o círculo da reflexão provocada pela atuação prática, que é então iluminada e aprimorada pela reflexão, um processo que só beneficia tanto a teoria quanto a prática. Um processo cada vez mais raro no Direito, mas incontornável para que qualquer melhoria efetiva seja pensada e implementada no país.
O que é fazer a coisa certa no Direito
Editora: Dialética
Páginas: 244
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Publicado originalmente no Consultor Jurídico.
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