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Especialistas criticam orientação do MPF para dar publicidade a denúncias

Especialistas criticam orientação do MPF para dar publicidade a denúncias

Por Ana Luisa Saliba

Semana passada, o Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) decidiu abrir processo disciplinar contra 11 procuradores que integraram a franquia da “lava jato” do Rio de Janeiro. Com a abertura do PAD, haverá produção de provas e oitiva de testemunhas. Ao final dessa tramitação, o CNMP julgará se cabe aplicação de pena de demissão ou não.

Para a defesa dos integrantes do Ministério Público, sob o fundamento de “promover a integração e a coordenação dos órgãos institucionais”, presente no artigo 62, I, da Lei Complementar 75/93, a 5ª Câmara de Coordenação e Revisão (5CCR) do MPF promoveu a Orientação 11, que estabeleceu diretrizes e parâmetros para o cumprimento do dever de publicidade em relação às denúncias apresentadas à Justiça.

Para ela, o entendimento é de que a publicidade dos atos processuais se pauta pelo artigo 5º, LX, da Constituição, visando promover o interesse público geral, e impõe-se como regra. Assim, o caráter público da denúncia não está vinculado ao sigilo da investigação, nem depende de seu recebimento pelo Poder Judiciário.

Não é o que entende especialistas ouvidos pela ConJur. Para eles, dizer que a denúncia pode ser divulgada antes mesmo de sua admissibilidade pelo Poder Judiciário, quando a Constituição expressamente assegura a proteção da intimidade, da vida privada, da honra e da imagem das pessoas, em especial do investigado, é crime.

A presunção constitucional é de inocência, não de culpa. Logo, se para o oferecimento da denúncia deve ser aplicada a máxima cautela uma vez que, por si só, já pode trazer muitos problemas à imagem do investigado, para a publicização dessas denúncias o cuidado deveria ser redobrado, jamais podendo ficar a cargo apenas de deliberação individual dos membros do MPF.

Há preocupação com o aumento da dificuldade para responsabilização dos procuradores por crime de abuso de autoridade, previsto no artigo 38 da Lei 13.869/2019, quando divulgarem informações sigilosas, pois eles poderão refugiar-se na regulação feita pela 5CCR.

Competência da 5CCR

Lenio Streck, jurista e colunista da ConJur, disse que a sociedade do espetáculo tomou conta do processo penal. “Sem pieguice, cabe a clássica alegoria do travesseiro de penas rasgado no alto da torre da igreja. Ao prejudicado cabe juntar as penas. Ora, a regulamentação de tão delicada matéria não pode ser feita por um departamento do Ministério Público, como se tratasse da regulamentação do cafezinho”, argumentou.

No mesmo sentido, o advogado criminalista Marco Antônio Marques da Silva, professor do mestrado da PUC-SP e sócio do Warde Advogados sustentou que a orientação parece “bastante problemática”. Isso porque, embora faça menção ao artigo 5.º, LX, da Constituição, pelo qual “a lei só poderá restringir a publicidade dos atos processuais quando a defesa da intimidade ou o interesse social o exigirem”, a 5CCR acaba regulamentando um tema que dependeria de lei em sentido estrito, isto é, uma lei aprovada no âmbito do Congresso.

Assim, o advogado entendeu que houve clara extrapolação no exercício das atribuições da 5CCR do Ministério Público Federal, uma vez que legislou sobre tema de competência única e exclusiva do Congresso, nos termos do artigo 22, I, da Constituição.

Desrespeito ao ordenamento jurídico

Marques da Silva destacou que no Código de Processo Penal, em seu artigo 20, está previsto que “a autoridade assegurará no inquérito o sigilo necessário à elucidação do fato ou exigido pelo interesse da sociedade”.

Assim, não faz qualquer sentido a regra não ser aplicada, em termos funcionais, ao membro do Ministério Público que, inadvertidamente, tornasse pública a denúncia oferecida nessas ações penais quando em segredo de justiça, em especial enquanto não aceita a denúncia pelo Poder Judiciário.

“Chama a atenção, ainda, o que parece ser uma leitura bastante limitada do artigo 5.º, LX, da Constituição pela 5ª CCR”, opinou o especialista. Isso porque, ao editar a Orientação 11, o MPF teria se atentado apenas ao trecho em que o dispositivo constitucional autorizaria a publicização da denúncia com base no “interesse social”, quando, na realidade, o dispositivo é claro no sentido de que a publicidade dos atos processuais também pode ser restringida pela “defesa da intimidade”.

“Aliás, a Orientação é tão falha nesse ponto que, no tocante à proteção da intimidade, a única consideração feita é no sentido de que o membro do Ministério Público observará a ‘a necessidade de resguardo de dados e da intimidade da vítima ou de estrito interesse da instrução processual’, mostrando que, a princípio, não houve qualquer preocupação no tocante a evitar a divulgação indevida de acusações, mas, unicamente, proteger as vítimas de supostos delitos de divulgações indevidas”, completou.

Streck também acredita que deixar a cargo de cada membro do MP se deve ou não divulgar é estabelecer um caráter de arbitrariedade individual. “Uma espécie de “fator Humpty Dumpty”: eu divulgo aquilo que eu mesmo atribuo o sentido de divulgável. No fundo, parece que a regulamentação parece tentar servir como álibi contra a Lei de Abuso. Cada vez que um membro do MP for acusado de divulgar indevidamente, ele esgrimirá a regulamentação. Isso lhe tira o dolo. Ele não pode estabelecer um agir estratégico do membro e nem mesmo deixar a um agir individual uma coisa tão importante quanto é a privacidade e o direito à imagem do indiciado ou denunciado.”

Para Daniel Bialski, mestre em Processo Penal pela PUC-SP e sócio de Bialski Advogados, a orientação da CCR é de causar indignação. “Infelizmente, o que se tem visto na Justiça brasileira e, até de forma rotineira, é que diversas acusações são infundadas e mesmo depois de os réus serem absolvidos e os processos arquivados, aquele mal ocasionado pela divulgação das notícias relativas às operações, eventual prisão ou busca causam danos irreparáveis”, explicou.

Então, segundo Bialski, esta orientação é absolutamente contrária aos dispositivos da Constituição como o direito à dignidade, privacidade e intimidade, entre outros. Até porque, diz ele, não existe no Brasil uma lei rigorosa o suficiente para punir eventuais excessos e acusações infundadas feitas por delegados de Polícia ou promotores de Justiça, e esses excessos danosos nunca são apurados e punidos.

Já o criminalista Daniel Gerber ressalva que o problema está em não observar a diferença entre publicidade e publicização por razões políticas. Dar publicidade significa deixar aberto ao público, o que demonstra respeito ao Estado Democrático de Direito. Por outro lado, publicizar é amplificar aquela informação, divulgando-a para outros meios que não aqueles estritamente necessários ao controle popular.

O especialista é favorável à publicidade no sentido restrito do termo, de fiscalização popular, em canais institucionais. Porém, se diz completamente contra, e acredita ser um movimento de interferência política no conceito de devido processo legal, a publicização, pois é um meio de julgamento popular antecipado e de desrespeito às regras processuais mínimas e à dignidade humana.

Debate recente

Na última segunda-feira (19/1), o Plenário do Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) referendou a abertura de procedimento administrativo disciplinar (PAD) contra um grupo de procuradores da “lava jato” pela divulgação de notícia de um processo que estava sob sigilo.

Os membros do MP denunciaram os senadores do MDB Romero Jucá, Edison Lobão e seu filho Márcio Lobão, em março de 2016, por supostos crimes na construção da Usina Angra 3. À época, havia medidas cautelares sigilosas em andamento, mas mesmo assim foi divulgada uma notícia com o teor das acusações no portal da assessoria de imprensa do MPF.

Para o advogado dos parlamentares, Fabio Medina Osório, a orientação da 5CCR afrontou diretamente entendimento do CNMP sobre o tema. O colegiado decidiu abrir PAD contra os procuradores, pois entendeu que há indícios de prática de infração administrativa na divulgação de denúncias em investigações sob sigilo. “Nesse contexto, a orientação deveria ser imediatamente revogada pela 5ª Câmara, pois está estimulando novas infrações por membros do MPF”, concluiu.

O Movimento de Defesa da Advocacia também encaminhou ofício ao procurador-geral da República externando sua preocupação com a orientação. Segundo o documento, havendo informações na denúncia que foram obtidas por meio de expedientes sigilosos, somente após o levantamento do sigilo por ordem judicial — e jamais por deliberação unilateral do membro do MPF — pode-se autorizar a sua divulgação.

O documento também aponta que a 5CCR não tem competência para editar esse tipo de orientação, e, além disso, ela extrapola o previsto no artigo 62 da Lei Complementar 75, invocada pelo órgão. O artigo diz que compete às Câmaras de Coordenação e revisão

  • promover a integração e a coordenação dos órgãos institucionais que atuem em ofícios ligados ao setor de sua competência, observado o princípio da independência funcional; 
  • manter intercâmbio com órgãos ou entidades que atuem em áreas afins;
  • encaminhar informações técnico-jurídicas aos órgãos institucionais que atuem em seu setor;
  • manifestar-se sobre o arquivamento de inquérito policial, inquérito parlamentar ou peças de informação, exceto nos casos de competência originária do Procurador-Geral;
  • resolver sobre a distribuição especial de feitos que, por sua contínua reiteração, devam receber tratamento uniforme; 
  • resolver sobre a distribuição especial de inquéritos, feitos e procedimentos, quando a matéria, por sua natureza ou relevância, assim o exigir;
  • decidir os conflitos de atribuições entre os órgãos do Ministério Público Federal.

O ofício também aponta que se contrapõem ao dever de publicidade vários dispositivos legais que o limitam, como o artigo 93, IX, da Constituição Federal; o artigo 325 do Código Penal; artigo 11, III, da Lei de Improbidade ; e artigo 25, § 2º, da Lei de Acesso à Informação.

Publicado originalmente no Consultor Jurídico.

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