728 x 90

Golpes

Golpes

Falar em parlamentarismo sem plebiscito é golpe

A história da América Latina é tão violenta que muitas vezes as sutilezas do processo político passam despercebidas e confundem o observador de boa-fé.

Comecemos pelo que parece mais inofensivo: alterar a Constituição em proveito próprio.

Durante os anos 1990, virou moda governos neoliberais emendarem a Constituição com vistas a garantir a recondução dos mandatários latino-americanos de plantão.

No Brasil, a situação foi agravada pelo fato de a emenda constitucional que permitiu a reeleição de FHC ter sido aprovada mediante comprovada compra de votos de deputados federais, sem que o Ministério Público à época se interessasse em investigar o mandante.

Excelente reportagem desta Folha (“Governo brasileiro tentou legitimar ‘rerreeleição'”, de 28/05/2000) descreve os movimentos posteriores do governo brasileiro em apoiar a tentativa fracassada de Alberto Fujimori por um terceiro mandato, não se sabe se com a intenção de evitar seu isolamento internacional ou com a finalidade de criar um precedente que pudesse em seguida ser adotado por aqui.

A título de comparação, vale lembrar que, quando alguns poucos dirigentes do PT, animados com a aprovação popular sem precedentes do governo, ensaiaram defender a possibilidade de um terceiro mandato consecutivo para Lula, a operação foi abortada pelo próprio, no nascedouro, o que lhe reserva um lugar diferenciado na lamentável tradição latino-americana que ainda persiste, tanto à direita quanto à esquerda (Evo).

Não quero, neste momento, tratar dos golpes menos sutis que têm marcado o período recente. Golpes parlamentares (Lugo e Dilma) e “lawfare” (Cristina Kirchner, Rafael Corrêa e Lula) –expedientes que corroem a democracia por dentro das instituições– vêm sendo abordados por estudos acadêmicos em profusão. Não são tão escancarados como os golpes militares dos anos 1960-70 (e contra Evo)–daí o recurso aos adjetivos “híbrido” ou “soft” para caracterizá-los– nem são tão sutis quanto aqueles que se praticam sob aparente normatividade.

Recentemente, o ex-senador Jorge Bornhausen afirmou que “agora o Congresso vai rumar para o parlamentarismo”. Desconsiderando os plebiscitos de 1963 e 1993, que reafirmaram nossa tradição presidencialista, o ex-governador biônico sinalizou apoio à candidatura de Luciano Huck, que, dias depois, concedeu entrevista defendendo o parlamentarismo.

É discutível se o presidencialismo se tornou cláusula pétrea após 1993, mas, com certeza, falar em parlamentarismo sem plebiscito é golpe: aquele típico arranjo de gabinete envernizado tão ao gosto do tradicional centr(ã)o brasileiro que se pensa moderno.

Artigo publicado originalmente na Folha de S.Paulo.

Compartilhe

Deixe um comentário

Seu endereço de e-mail não será publicado. Os campos obrigatórios estão marcados com *

Mais do Prerrô

Compartilhe