Por Judite Cypreste
Conselho Nacional de Justiça recomenda que juízes revisem casos de presos que compõem grupos de risco para a Covid-19.
A Justiça de São Paulo mantém atualmente 19 grávidas e 13 lactantes em unidades prisionais no estado, mesmo com a prorrogação da recomendação do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) para que juízes revisem casos de presos que compõem grupos de risco para a Covid-19.
O levantamento foi realizado pela GloboNews com informações da Secretaria Estadual da Administração Penitenciária (SAP).
O número representa apenas detentas que cometeram delitos sem gravidade. No total, são 64 mulheres gestantes e 39 lactantes presas em São Paulo.
Válida desde o dia 17 de março, a recomendação do CNJ pede que juízes revisem casos de presos que compõem grupos de risco como idosos, portadores de doenças crônicas, grávidas e lactantes.
A recomendação foi prorrogada no dia 15 de setembro, orientando que as medidas não sejam aplicadas a processados ou condenados por crimes hediondos, crimes contra a administração pública, lavagem de dinheiro, crime organizado e violência doméstica contra a mulher.
Mesmo com a mudança na recomendação, mulheres que cometeram crimes de menor gravidade continuam presas, estando grávidas ou ainda com os filhos dentro da prisão.
Uma dessas mulheres é V. Ela foi presa por roubo três meses após o cometimento do delito, em maio deste ano, e enquanto estava grávida de 37 semanas, aproximadamente nove meses de gestação.
Mãe de outras quatro crianças, V. deu à luz três semanas após sua prisão, em julho. Hoje está com o filho dentro da cela, no estado de lactante.
A previsão é ela se separe do filho em dezembro, quando a criança completará seis meses. A mulher gestante presa tem o direito de ficar com o bebê durante o período de aleitamento materno, de 180 dias, garantido pela Constituição e pela Lei de Execução Penal.
A Defensoria Pública do Estado de São Paulo encaminhou um pedido de habeas corpus para ela, mas teve sua liminar negada no começo de outubro pelo Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP). Enquanto aguarda a decisão definitiva, a Defensoria vai recorrer ao STJ.
Questionado sobre a negativa, o TJ-SP disse em nota que “divulgou a seus magistrados e servidores a Recomendação CNJ nº 62/20, bem como a decisão proferida pelo ministro Luiz Fux no habeas corpus nº 186.185, as quais trazem as diretrizes a serem observadas nos processos de execução da pena durante a pandemia.”
O tribunal também afirmou que “as decisões para a concessão de prisão domiciliar são proferidas por cada juiz das varas, de acordo com sua independência funcional, cabendo recurso em caso de discordância. Os magistrados decidem com base em critérios legais e, também, considerando a recomendação do Conselho Nacional de Justiça.”
Já a SAP informou que “é responsável apenas pela custódia das pessoas privadas de liberdade. A concessão de benefícios compete ao Poder Judiciário, após análise das circunstâncias que envolvem os casos, individualmente.”
Presas relatam dificuldades
Em junho, 16 defensorias de todo o país pediram ao Supremo Tribunal Federal (STF) a revisão da penas de grávidas, puérperas e lactantes em todo país.
As defensorias dos estados de São Paulo, Pernambuco, Pará, Mato Grosso, Rio Grande do Sul, Maranhão, Rondônia, Bahia, Sergipe, Paraná, Espírito Santo, Goiás, Rio de Janeiro, Minas Gerais, Paraíba e Alagoas enviaram um habeas corpus coletivo pedindo liberdade provisória ou prisão domiciliar para as mulheres nestas condições em razão do coronavírus.
O habeas corpus coletivo foi indeferido pelo Ministro Luiz Fux, que determinou na decisão que os juízes aplicassem a recomendação do CNJ para as mulheres gestantes e lactantes. As Defensorias então recorreram da decisão, que foi negada pela 1ª Turma do STF.
Para o pedido, o Núcleo Especializado de Situação Carcerária da Defensoria Pública do estado de São Paulo realizou entrevistas com 10 mulheres gestantes e lactantes presas nas unidades prisionais do estado. Todas as mulheres ouvidas estavam presas por crime sem violência ou grave ameaça (tráfico e furto).
Veja relatos das detentas (os nomes foram modificados para preservar a identidade):
“Eu fui duas vezes na médica para vacinar ele, e por conta da pandemia de sarna. Ele [bebê] teve sarna, agora ele está cheio de bolinha na mão, espalhou no corpo todo. Vai e volta. Eles [médico e agentes] falam que é formiga, mas na minha cela não tem formiga”, diz Gabriela.
“Não estava tendo atendimento com pediatra, eles não estavam vindo por conta da pandemia”, afirma Mirela.
Cláudia também cita a falta de médico e conta que teve o parto dentro da cela prisional.
“Eu tive ele aqui na unidade. Não deu nem tempo de ir para o Hospital. O parto foi dentro do próprio quarto, da cela. A senhora [agente] teve que me auxiliar da forma como ela pôde. Aí teve que amarrar com a gaze o umbigo, a bolsa dele foi dentro de um saco plástico para o hospital. Embrulhamos ele numa coberta e levamos. (…) Ele nasceu no tempo certo. Eu estava de 39 semanas quando nasceu.(…) Não havia nenhuma médica na unidade prisional”, diz Cláudia.
Assista a matéria na íntegra clicando aqui.
Publicado originalmente no G1.
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