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Estados tentam institucionalizar a censura literária

“A partir de 2021, todos os livros serão nossos, feito por nós. Os pais vão vibrar. Vai estar lá a bandeira do Brasil na capa. Vai estar lá o hino nacional. Os livros hoje em dia, como regra, são um montão de amontoado de muita coisa escrita”.

Pouco depois desse elucidativo juízo presidencial, alguns governos estaduais tomaram providências na mesma direção de institucionalizar a censura literária. Rondônia e São Paulo largaram na frente. Rondônia distribuiu uma relação de livros a serem recolhidos das escolas. São Paulo vetou uma lista de obras de um projeto de leitura para presos.

Não estamos falando de livros da dupla “Marx e Hegel”, por exemplo, que apavora alguns procuradores de São Paulo. Os alvos foram Machado de Assis, Mario de Andrade, Gabriel García Márquez e, claro, “Kafta”.

O germe do obscurantismo, entretanto, vem de longe. Dez anos atrás, alguns jornalistas resolveram fazer um escrutínio dos milhares de títulos distribuídos pelo Ministério da Educação. Valeram-se de uma técnica rudimentar: pinçavam uma frase que, descontextualizada, soava controversa para atacar a qualidade dos livros, sugerindo, nas entrelinhas, que havia um viés ideológico na escolha por parte dos dirigentes do MEC. Desconheciam a metodologia do Programa Nacional do Livro Didático (PNLD), que garantia completa impessoalidade, tanto na confecção do catálogo pelas universidade quanto na escolha final pelas escolas.

No caso mais grave, depois de uma devastadora campanha midiática, ações judiciais foram propostas com o intuito de recolher o livro “Por uma Vida Melhor”, de Heloísa Ramos, destinado a jovens e adultos —segundo seus detratores, a obra “ensinava a falar errado”. Um senador chegou a invocar Stálin em defesa da norma culta, ao que eu respondi: “Stálin e Hitler fuzilavam seus inimigos, mas Stálin lia seus livros antes de tomar a decisão”, sugerindo, em tom de ironia, que o senador comportava-se como um nazista ao condenar uma autora sem tê-la lido.

A imprensa tomou as dores do senador e me acusou de preferir Stálin a Hitler, colocando-me, involuntariamente, na companhia de Roosevelt e Churchill. Tomaram o título do meu primeiro livro, “O Sistema Soviético” —que escrevi aos 26 anos de idade—, como prova do meu apreço pelo stalinismo, sem se dar ao trabalho de ler a orelha do livro e, menos ainda, suas conclusões, críticas ao regime soviético. O celebrado autor Branko Milanovic chegou a resultados parecidos, 30 anos mais tarde, no seu “Capitalism, Alone”.

Se as nossas elites dirigentes ao menos tomassem gosto pela leitura antes de procurar dirigi-la, teríamos um avanço cultural extraordinário.

Artigo publicado originalmente na Folha de S.Paulo.

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