Mais um amigo se foi. Pois é, as perdas acumuladas reapresentam o grande sofrimento imposto pelo avanço da idade. Engana-se quem atribui às limitações físicas, às restrições sociais, aos abalos psicológicos os maiores ônus do envelhecimento.
Não. Nada disso. Todos esses percalços são suportáveis. Perder um companheiro querido isso sim, é o “X do Problema”, para plagiar Noel Rosa.
Como superar a perda. Não sei e duvido que alguém saiba. Toca-se a vida. Mas ela passa a ser vida capenga, manca, desfalcada. E, quanto mais se envelhece, mais se sente o desfalque.
Carlos Drumond de Andrade disse estar andando de banda, por causa do vazio do seu lado esquerdo. É o meu caso.
O vírus atingiu José Mentor. Ele não resistiu à “gripezinha”. Outros que fariam menos falta do que ele estão resistindo e zombando. Macabra e funesta zombaria. Aliás, aquele que zomba, zomba do próprio povo brasileiro, vítima da cruel pandemia. Que Deus lhe poupe da perde de um ente querido.
Eu tive uma perda. José Mentor amigo e companheiro. Cinquenta anos de convivência. Ele com quinze e nós, colegas da sua irmã Angélica de Almeida, da Turma de 1969, da Faculdade Paulista de Direito da PUC, com dezenove em média, já o conhecíamos. Ele acompanhava a irmã em nossas festas de calouros.
Anos depois entrou na Faculdade. Teve intensa vida acadêmica, especialmente nas atividades políticas. Engajou-se no combate à ditadura militar. Esteve preso no Presídio Tiradentes.
Sua opção pela luta em prol da liberdade, da democracia e dos direitos humanos manifestou-se desde sempre. Talvez desde o berço.
Ingressou na política partidária e também passou a advogar. Corajoso, inquieto, inconformado com injustiças, reunia, pois, as características comuns ao político destemido e ao advogado verdadeiramente vocacionado. Defendeu no Parlamento causas em prol da coletividade e em sua banca postulou pelo primado da lei e da justiça.
Durante anos amargou acusações que se mostraram infundadas. O Congresso Nacional e o Supremo Tribunal Federal lhe fizeram justiça. Proclamaram-no inocente.
Eu o acompanhei em todas as etapas do seu calvário. Sofremos juntos. Compartilhamos as dúvidas, as angustias, as incertezas, que se avolumam em épocas de insegurança jurídica.
Eu sabia dos enganos e distorções das acusações. Mas será que os julgadores sabiam? Souberam e, repito, fizeram justiça.
Mas não apagaram as marcas dos açoites, representados pela exposição mediática, pelos comentários levianos e desarrazoados. Sofreu, sofremos juntos.
Superou galhardamente a injusta situação.
É, Zé Mentor, você se foi. Nós ficamos, mas na verdade você está conosco. Como disse Fernando Pessoa a morte é como a curva da estrada, só não se é mais visto. Permanece a sua presença, mesmo com a sua ausência.
Você continua ao lado de suas filhas e filho, seus netos, sua irmã e seus irmãos e todos os seus amigos e amigas.
Mentor, aos domingos, doravante e como sempre foi, estarei sentado no banquinho em frente ao seu, no bar de casa, brindando à vida que juntos compartilhamos.
Deixe um comentário
Seu endereço de e-mail não será publicado. Os campos obrigatórios estão marcados com *