É preciso votar pela normalidade democrática e o fim da barbárie institucionalizada no país
Deve ocorrer em breve
uma brisa que leve
um jeito de chuva
à última branca de neve.
Até lá, observe-se
a mais estrita disciplina.
A sombra máxima
Pode vir da luz mínima.”
(Paulo Leminski, poema “A lei do quão”)
De certa forma, é assustador e preocupante ver que o atual presidente e o ex-juiz –que foi seu principal eleitor– juntos têm 40% de preferência dos brasileiros para as próximas eleições. E estamos falando de uma votação que pode decidir se o Brasil sai definitivamente do mapa civilizatório e finca o pé na barbárie institucionalizada. Uma onda de perplexidade ronda o mundo, que acompanha, atônito, o atual momento brasileiro.
Estamos desmoralizados na comunidade internacional. Os vexames diários a que somos submetidos por uma política neofascista, por uma condução criminosa da pandemia, por atitudes grotescas do presidente –que governa com os olhos voltados para este grupo que o aplaude por comer farofa se lambuzando como um porco e vira as costas para a ciência e para as conquistas civilizatórias–, humilham o país aos olhos do mundo.
Parece estar consolidado que pelo menos 30% dos eleitores estão fechados com o fascismo, independentemente do que ocorrer. É necessário enfrentar a realidade e deixar de lado a baboseira de que o brasileiro é cordial e fundamentalmente um povo bom. É hora de encarar os fatos como são.
Parte substancial do país é cúmplice de um governo genocida e com explícita fundamentação fascista. E começam, cada vez mais, a sair do armário e assumir que o nazismo deve ser legalizado. É uma sociedade doente. Na realidade, é uma opção deliberada e consciente por apoiar o culto à morte e o desprezo ao direito das mulheres, dos negros e dos pobres.
É um povo que tem horror aos avanços civilizatórios que o mundo inteiro conseguiu nas últimas décadas. É o esgoto que supurou e deixou as vísceras expostas sem ter vergonha disso. Ao contrário, gabam-se de serem os representantes do atraso. Os 640 mil mortos na pandemia, boa parte pelo negacionismo, passaram a ser um detalhe na luta pela manutenção do poder. Recorro-me a Jorge Luis Borges, no poema A Prova:
“Do outro lado da porta certo homem deixa tombar sua corrupção. É inútil elevar esta noite uma prece a seu curioso Deus, que é três, dois, um, acreditando-se imortal. Agora ouve a profecia de sua morte e sabe que é um animal assentado. Tu és, irmão, esse homem. Agradeçamos os vermes e o esquecimento.”
Por tudo que estamos vivendo, um grupo de pessoas –intelectuais, advogados, professores e gente sem definição partidária que ama o Brasil– resolveu lançar um manifesto à nação. Manifesto ao Brasil. A ideia é reunir todos os que são contrários à barbárie institucionalizada no atual governo para votarem, em outubro, a favor da vida, dos direitos fundamentais e da civilização, enfim.
A maioria de nós entende o valor dos partidos políticos numa democracia. O sistema de eleições em 2 turnos é saudável e antiautoritário, pois fortalece as agremiações, que têm a oportunidade de mostrar suas plataformas no 1º turno e participar de um debate franco e aberto. Mas isso em tempos de normalidade democrática, não em um momento de grave crise. Não tenhamos dúvida: o atual governo age no sentido de um rompimento institucional.
O presidente, por diversas vezes, testou e testa as instituições com rompantes golpistas. Investiu contra o Judiciário, especialmente em relação ao Supremo Tribunal Federal, e contra o Congresso Nacional. Armou a população a ponto de, hoje, termos 1 milhão e 300 mil armas nas mãos de pessoas do povo. Um número maior do que os integrantes das forças de segurança possui.
A campanha criminosa contra a Justiça Eleitoral demonstra o desprezo dos bolsonaristas pela soberania popular. Bolsonaro voltou a recrudescer e a atacar especialmente o Tribunal Superior Eleitoral, deixando claro que não aceitará uma decisão pelo voto que seja contrária ao seu projeto de poder.
Felizmente, o poder Judiciário não tem faltado à democracia e ao povo brasileiro. A história há de fazer justiça a essa resistência democrática e enérgica. Mas é necessário estarmos atentos pois, como alertava Bertolt Brecht, “a cadela do fascismo está sempre no cio”.
Por isso, o manifesto faz um apelo à reflexão e conclama o brasileiro a escolher Lula no 1º turno. É um voto pela normalidade democrática, pelo direito do país voltar a ser respeitado, pelas crianças, por todos nós que respeitamos a liberdade e pela vida, enfim. Independentemente da sua posição política e partidária, é o momento de definir o futuro do Brasil.
Em 2014, o país saiu do mapa da fome da ONU e, agora, voltamos a ele de maneira assustadora: 20 milhões de brasileiros passam fome diariamente. E estamos vendo um desmonte deliberado em todas as áreas: educação, saúde, segurança, cultura, tudo. O Brasil está recuando décadas! Teremos um grande trabalho para recuperar e tentar voltar a um estágio civilizatório. Mas, para isso, o 1º passo é tirar, pelo voto, o fascismo do poder.
É necessário romper o muro que foi erguido e que dividiu a sociedade brasileira. Tirar a venda que cegou boa parte da população e sair do círculo de giz imaginário que nos aprisiona. Voltar a respirar ares de esperança e de liberdade. Enfim, acreditar que podemos ter o Brasil de volta. Depende de cada um de nós. É tarde, mas ainda é tempo. Lembrando do grande José Saramago, no poema “É tão fundo o silêncio”:
“É tão fundo o silêncio entre as estrelas.
Nem o som da palavra se propaga,
Nem o canto das aves milagrosas.
Mas lá, entre as estrelas, onde somos
Um astro recriado, é que se ouve
O íntimo rumor que abre as rosas”.
Artigo publicado originalmente Poder 360.
Deixe um comentário
Seu endereço de e-mail não será publicado. Os campos obrigatórios estão marcados com *