A notícia do jornal diz que avatares de juízes, advogados, universitários e comunicadores flutuavam pelo saguão de palestras da Vara do Trabalho de Colíder (MT). Pararam para ouvir a juíza da Vara que expunha “metaverso”. Realidade virtual com dimensões de mundo real, diziam todos. A experiência é em cogestão com uma empresa de tecnologia.
Todos se regozijavam na festa, diz a matéria. Pois é.
O cometa vindo e membros do judiciário arrumando o quadro de Van Gogh na parede. E o quadro agora ainda é falso, é um criptoativo colecionável ou um diabo qualquer desses.
Isso é apenas a ponta do iceberg. Visual law e, agora, metaverso e quejandos, são as coisas que excitam boa parte da comunidade jurídica. Eis o novo. Lá vem o novo. Vamos todos aderir. Vamos desenhar as sentenças. Legal design para que se “possa melhor entender, de forma facilitada, o Direito”. Por aí. Legal!
Enquanto isso… Milhares de advogados e seus clientes são vitimados todos os dias com embargos respondidos de forma padronizada (quase todos negados) e embargos de embargos — feitos por necessidade das más respostas — sancionados com multas. Embargos respondidos com livre convencimento etc. Advogar é para os fortes, dizem por aí. Sim, mas a advocacia vem enfraquecendo dia a dia. Ela, na verdade, sobrevive. Respirando por aparelhos. Será possível, mesmo, que ninguém percebe esse jogo todo? Que isso é um simulacro? Calça de veludo.
A realidade (não virtual) é: menos de 1% dos recursos sobem para STJ e STF. E o que dizer da monocracia? E a solução está em mais robôs, visual law e metaverso? Não olhemos para cima… Nada está acontecendo… Tudo normal… Circulando…
Chato falar nisso, mas a realidade (não virtual, sem avatares) é: pessoas presas sem habeas julgados; princípio da insignificância ignorado cotidianamente; reconhecimentos por fotografia fazendo vítimas, a ponto de provocar polêmicas e estarrecimento de tribunais; advogados que não conseguem falar com seus clientes presos por falta de condições “parlatórias” (sic); simples desacordos empíricos que poderiam ser resolvidos por embargos são “chutados para fora” por falta de cuidados mínimos na leitura das peças processuais; e o que dizer de “a parte deseja rediscutir a prova….blá e blá”?; estagiariocracia em crescimento; assessocracia em expansão; “o Dr. Não está atendendo partes”; desembargador passando pito no pobre do causídico que tentou sofisticar a sustentação: “você está prejudicando seu cliente”; os velhos autoritarismos confirmando o velho patrimonialismo; … e a solução está na tecnologicização, no metaverso, nos avatares, no tik tok. Eis o novo, como denunciava Brecht. A nova política, o Direito 4.0, as novas tecnologias… o velho inferno de sempre.
Num país que nunca aprendeu conceitos básicos como o de princípio, de positivismo jurídico, da diferença entre direito-moral e em que parcela da comunidade jurídica acha que existem direitos demais na CF… querem superar essa (de)formação capenga com robozinhos e atalhos anti-epistêmicos. Imitando o que fazem os bancos e as empresas. Como se o judiciário fornecesse “produtos”. Vai adiantar muito, mesmo. Volto a perguntar: quem programa o robô? Pois é.
Em breve um avatar atenderá o advogado, enquanto o juiz estará na sua casa ou no seu gabinete; e o robô do whatsapp fará a audiência-despacho do pobre do causídico. “Aqui é o assistente virtual Dr Legal. Digite sua opção…. Desculpe, não entendi sua solicitação. Digite 1, 2 ou 3…”.
Já não haverá congressos de direito; haverá feiras de tecnologia. Com avatares flutuando. E, quem sabe, com duplas sertanejas.
Eis o novo. Lá vem o novo. Saudemos o Deus ex-machina. Já não precisamos estudar. Está tudo no google. Na tecnologia. Tudo está resumidinho. Ou desenhado. O robô faz a peça. E também fulminará seu recurso.
E as decisões, os recursos, os embargos? Ah, sim. São apenas detalhes. Que chatice, lá vem o chato do prof. Lenio se preocupando com detalhezinhos… Tão pequenos…
E, como diz o jornal, magistrados, advogados, universitários e jornalistas flutuavam…!
Artigo publicado originalmente no Consultor Jurídico.
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