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Na pós-modernidade, advogado “demite” juiz da causa via Tik tok

Na pós-modernidade, advogado “demite” juiz da causa via Tik tok

Aconteceu o que já se esperava. A raposa vai ao moinho e perde o focinho, como se diz por aí. No Paraná, cansado e irritado com o juiz da causa, o causídico faz petição recheada de memes tipo Tik tok, como “Pode isso Arnaldo?” (pergunta Galvão), “A regra é clara, não pode“; “Isso é uma vergonha” (bordão do moralista Boris Casoy) e encerra com um jargão do narrador Teo José (Não, não é assim). Faltou só usar a linguagem do “P” (PVo-Pcê Pes-Ptá Pde-Pme-Pti-Pdo).

O causídico, irritado com sua excelência, ao final da petição diz para ele (o juiz) se afastar da causa. “Demite” o juiz da causa. Este pequeno texto não discutirá, por óbvio, qualquer questão processual.

Qual é o “é da coisa” (para usar um bordão do Reinaldo Azevedo), aqui? Pode parecer engraçado, bizarro, provavelmente a noticia dará mais de 100 mil visualizações em algum site jurídico. Porém, trata-se de um episódio sintomático. E vale mais pelo seu simbólico (no sentido que sempre uso — de C. Castoriadis).

O que está acontecendo nas práticas judiciárias? A tal “era da comunicação rápida”, com incentivos (por parte do próprio judiciário) de usar mecanismos e elementos visuais de comunicação, parece que está sendo levada a sério. E cria situações inusitadas.

Eis aí. Visual law, legal design, memes, Tik tok. O que se poderia esperar disso tudo? O esticamento da corda. E veio dar nesse tipo de petição. Bom, se há sentenças em prosa e verso…

Há anos escrevo sobre o perigo da estandardização do Direito. Da simplificação. Da substituição do Direito por linguagens exóticas. Fui o primeiro a denunciar as facilitações, os textos e livros prêt-à-porters. Quem só gosta de sinopse é porque não faz sinapse (como ficaria isso desenhado?).

E aí chegamos naquilo que o pesquisador Abraham Maslow classificava como a lei do instrumento. Quem só tem o martelo como ferramenta, acha que tudo é prego. Isto é, quem só pensa em comunicação rápida tem um martelo. E passa a achar que tudo o resto no Direito é prego. Conceitos jurídicos, questões sofisticadas, reflexões… tudo é prego.

No Direito, o processo de massificação e simplificação passou a ser a regra. Concursos públicos viraram quiz shows, em que se pergunta sobre a teoria da graxa e quejandices, além de “lei seca”. Tem gente que “ensina” Direito cantando “lei seca”. E os livros que mais vendem são os que excluem as partes difíceis do Direito. Pregos… muitos pregos!

Resultado: perdemos a capacidade de reflexão. Esquecemos que o Direito é um fenômeno complexo. Que, assim entendido, tem de se levar a sério o que o advogado escreve. O juiz deve ler com atenção e não delegar à assessoria ou à estagiocracia. Por exemplo, precedente não é uma coisa em abstrato. Quando o advogado alega um precedente, o ônus de demonstrar o contrário é do juiz (não inventei isso — está no artigo 489 do CPC). No fundo, é a desobediência flagrante e cotidiana dos artigos 489 e do 926 do CPC que geram milhões de embargos de declaração… com respostas praticamente standards.

Logo, logo, vão virar meme e objeto de tik tok as decisões em embargos de declaração, produtos de recorta e cola. Aí o advogado vai colar um meme tipo “Pode isso, Arnaldo?”

Depois não nos queixemos. Até está demorando para que o processo de avacalhação das práticas jurídicas seja mais rotunda ainda. Se há decisões com respostas tipo “vou tomar um whisky” ou colocando desenhinhos para explicar que o réu foi condenado — quando isso (explicar para o cliente) é tarefa do advogado, por qual razão vamos estranhar que os causídicos apelem para a memetização (vejam a parecência da palavra com mimetização) do vocabulário?

A ver. Paro por aqui. Já ninguém lê coisas que não sejam desenhadas. Ou não?

Artigo publicado originalmente no Consultor Jurídico.

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