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“O Lula é um filme. Enquanto ele for político, quero estar ali”: um papo com Stuckert, fotógrafo do presidente

“O Lula é um filme. Enquanto ele for político, quero estar ali”: um papo com Stuckert, fotógrafo do presidente

Por Ricardo Miranda

Quando Ricardo Henrique Stuckert, o Stuckinha, subiu a rampa do Palácio do Planalto pela primeira vez, como fotógrafo oficial do presidente, em 2003, tinha 32 anos. Lula tinha 57. Quando subiu, pela terceira vez, ao lado do mesmo presidente, em 1° de janeiro de 2023, tinha 52. Lula, 77. Mas eram mais que chefe e funcionário. Stuckert tornou-se um dos principais assessores de Lula, homem de sua total confiança e absoluta cumplicidade e intimidade.

E, como lembra, muito mais cascudo após a campanha de 2022, derrotando Jair Bolsonaro. “Agora, 20 anos depois, percebi que era não apenas um profissional mais experiente, mas tinha a certeza de, ao subir a rampa com Lula, estar do lado certo da história”, afirma.

Não existe longevidade ou lealdade parecida, ou cumplicidade igual, incluídos aí os 580 dias em que Lula esteve preso e Stuckert mudou-se, por decisão pessoal, para Curitiba para ficar perto e pronto para o que o chefe precisasse. Ele lembra que, questionado na época sobre o que fazia lá, se podia buscar outros trabalhos, ele apenas respondia: “Eu estou aqui por causa dele, Lula, por uma causa, pelo Brasil. Vim trabalhar ao lado desse estadista”, lembra.

Há 20 anos ao lado de Lula, Stuckert, cuja carreira fora forjada até então em redações, converteu-se, milhares de imagens depois, não apenas no fotógrafo oficial, mas no fotobiógrafo do maior estadista do Brasil, alguém que transformou a ele próprio num homem diferente. Uma relação tão umbilical que Stuckinha não pensa duas vezes onde estará depois que Lula cumprir seu último mandato e deixar a Presidência: ao lado de Lula. “Enquanto ele for político, tem que ter alguém para registrar isso. A menos que ele não queira”, diz, já sabendo da resposta.

Profissional, zeloso, dedicado, afetuoso, diligente, obcecado pela perfeição, Stuckinha revela um pouco de si, fala dos momentos mais felizes e dos mais dramáticos ao lado de Lula, diz que nunca perdeu o distanciamento profissional – “nunca fui a um evento sem equipamento, porque sei que sou convidado pelo meu trabalho” – e revela seu projeto-paixão para o futuro – depois do livro “Povos Originários”, em que reuniu registros de 10 etnias indígenas, é agora mergulhar no mundo quilombola.

Sobre sua melhor foto de Lula, repete a fotógrafa norte-americana Imogen Cunningham: “Aquela que vou tirar amanhã”. E, sem lamentar demais, conta que nenhum dos filhos parece propenso a levar o estandarte dos Stuckert adiante, iniciado pelo pai, Roberto Stuckert, e seguir na fotografia – no máximo, curtem tecnologia e drones. Por trás de suas muitas lentes, filmadoras e drones, e driblando a absoluta falta de tempo, num fim de semana – ele raramente dá entrevistas -, Stuckinha falou a um velho amigo para o DCM.

DCM – Como é ser o fotógrafo oficial, há 20 anos, do homem que é considerado o maior estadista que o Brasil já teve?

Ricardo Stuckert – Numa linha do tempo reversa, quando eu me vi, no ano passado, subindo a rampa da Presidência do Palácio do Planalto pela terceira vez, com o presidente Lula, ali eu realmente vi que minha vida como repórter fotográfico, eu tive uma compreensão que nunca tinha sido tão clara da importância de estar, por dentro, documentando a história do seu país, e a importância e a dimensão do presidente Lula. Nessa terceira vez, subi com uma experiência muito maior, com bagagem, com mais tecnologia, com aquela certeza de que se aprende todos os dias. E, 20 anos depois, percebi que era não apenas um profissional mais experiente, mas tinha a certeza de, ao subir a rampa com Lula, estar do lado certo da história.

Certeza que você nunca deixou de ter nem mesmo durante os 580 dias de Lula preso em Curitiba.

Eu me mudei para Curitiba, literalmente. Várias pessoas me perguntavam: Stuckinha, você está indo pra onde? Eu dizia: estou indo pra Curitiba, ficar com o presidente. E me perguntavam: o que você faz lá? E eu respondia: Vou estar do lado verdadeiro da história, que é o lado dele. Ninguém, nem nós, tínhamos a dimensão de que ele poderia ser presidente pela terceira vez. Eu estava ali por uma causa, por ele, pelo Brasil. Eu aprendi lá a ter muito foco para não trabalhar com o fígado. E o país estava totalmente dividido naquele momento, polarização que seguiu até essa última eleição. Eu decidi: vou trabalhar ao lado desse estadista, e vou trabalhar com ainda mais vontade. Porque quanto mais eles batiam, mais vontade eu tinha de trabalhar. Aprendi a nunca baixar a cabeça.

E o que você acha, por outro lado, que é para o Lula ter você como seu fotógrafo oficial há 20 anos?

Nesse longo período em que trabalho para uma pessoa como ele, que é o presidente da República,  nunca misturei amizade com profissionalismo. Essa é a melhor receita para dar certo. Eu respeito o espaço dele e o espaço que eu tenho, eu conquistei. Lula sempre vai me ver como um profissional. Eu tenho certeza que sou convidado para eventos íntimos, mesmo que sejam casamentos, festas e aniversários, mas estou lá porque precisam de um fotógrafo para registrar. Não é porque eu sou um amigo Eu sempre soube distinguir de uma forma que nunca iria a um evento sem levar uma máquina fotográfica. Mesmo que ele fale, guarda a máquina, não precisa fotografar, eu estou ali para registrar aquela história. Tenho essa consciência.

Qual foi, entre tantos, o momento de maior emoção, de sentimento de maior orgulho, ao lado de Lula?

Eu te conheço, sei que a próxima pergunta será qual o pior momento, então vou começar por aí. O pior momento ao lado dele foi, ainda em Curitiba, quando ele soube da morte do neto Artur (vítima de meningite meningocócica) e ele foi liberado pela Justiça para ir ao velório e funeral do neto em São Bernardo do Campo (SP). O pior momento nesses 20 anos foi ver o sofrimento do avô, e dos familiares, indo ao velório do neto. Foi um dia em que eu preferia não ter fotografado. Uma tristeza, e ele preso, rodeado de policiais armados, sem sequer poder dar aos parentes carinhos naquele momento de dor. O melhor dia tem um ano, subir a rampa da Presidência pela terceira vez, porque isso tem um significado muito grande – até pelo que eu contei. Vem todos os 20 de história de história despejados na cabeça, e você pensa, ‘caraca, conseguimos, vencemos, a democracia venceu’. Isso é muito bom.

Sua história no Palácio do Planalto é anterior ao Lula.

Sim, estou no Palácio, cobrindo como fotógrafo profissional, desde o governo Sarney, desde 1989, (José) Sarney presidente e eu no Globo ainda. Eu cobri Sarney, (Fernando) Collor, impeachment, Itamar (Franco), Fernando Henrique Cardoso duas vezes. Depois, virei o fotógrafo do presidente. Eu sou de uma grande família de fotógrafos, meu pai, Roberto Stuckert, o Stuckão, que foi fotógrafo do governo (João) Figueiredo (último do ciclo militar), meu irmão, Roberto, fotógrafo da presidenta Dilma, eu com o Lula agora três vezes, e muitos Stuckert espalhados por aí. Então, subir aquela rampa pra nossa família tem um sentimento diferente. E agora, a redenção, depois de todo esse processo político do qual o presidente Lula foi vítima, subir a rampa pela terceira vez.

Ente tantas milhares de fotos tiradas, centenas de fotos suas publicadas em veículos de todo o mundo, qual foi pra você sua melhor foto com Lula?

Eu ainda estou atrás dela (risos).

Tem uma foto sua simbólica, sei que vai lembrar, acho que 2006, de uma criança sem camisa sendo levantada na multidão e fazendo carinho no rosto de Lula.

Sei bem qual é, foi em Lauro de Freitas, na Bahia, e ele tinha tirado a camisa, da escola para ninguém saber que ele estava matando aula. A foto foi usada pelos marqueteiros na campanha Lula 2, “Lula de novo, com a força do povo”. Aquela foto é muito importante porque como sou um fotojornalista vindo de jornais, casou com o desejo do presidente de ter alguém que registrasse sua agenda, seu dia-a-dia, em belas imagens, e não ser um fotógrafo oficial clássico, que guardasse imagens para a história. Por isso, estudei muito a estratégia de imagem da Casabranca, e de países que fazem isso muito bem, como França, Alemanha, Rússia, e agora China. Eu sou um fotógrafo contador de histórias, gosto de contar uma história, como um livro, como num filme tem que contar até o final. Estou contando a história de Lula através das minhas lentes, de forma que as pessoas nunca esqueçam o operário, saibam que ele é o presidente do povo, e que é um estadista.

Lembra de mais alguma foto simbólica, mais recente?

É engraçado, tem uma foto muito importante, num momento muito importante, que é aquela foto das coxas do presidente  [Lula ao lado de Janja, em noite de lua cheia, onde os internautas focaram nas coxas de Lula, que estava de sunga]. Isso num momento em que se questionava a saúde de Lula para disputar a eleição, e ali mostramos ele com a Janja, forte, bonito, saudável. Isso é muito forte, impacta o imaginário das pessoas.

Como andam seus projetos autorais, fora da Presidência?

Nesse meu longo caminho, em 2006, eu comecei a fotografar e a filmar. E a investir em cursos de edição de vídeo. Foi quando eu descobri, entre meus projetos paralelos, o cinema, e acabei convidado para trabalhar no filme da Petra Costa, como diretor de fotografia de “Democracia em Vertigem”, documentário indicado ao Oscar 2020, com muitas imagens minhas. Paralelamente a isso, fiz um trabalho autoral importante com os indígenas (“Povos Originários — Guerreiros do tempo”), onde falo desses verdadeiros guardiões desse país. Meu próximo projeto é começar a fotografar, para outro livro, os quilombolas, que estou maturando na minha cabeça.

Suas maiores paixões, eu sei, são sua esposa Cris, e seus filhos, além dos seus irmãos, e da eterna memória do pai, o Stuckão, seu maior incentivador e mestre. Qual o maior legado, a maior herança, que acha que vai deixar pra eles?

O que eu posso deixar é a consciência de que, em qualquer profissão, é preciso entender a história do país, aprender, ler, compreender. Como eu aprendi com os indígenas contando sua história em imagens. Numa palavra: educação. Esse é o maior legado que quero deixar para os meus filhos. E isso ninguém vai tirar isso deles. A gente tem que aprender a ouvir mais e falar menos. Só ouvindo a gente aprende. E mais uma coisa: não existe nada de graça, tem que trabalhar. Meus filhos falam pra mim que não querem ser fotógrafos porque dizem ‘pai, você trabalha muito’.

Quando Lula, um dia, deixar a Presidência, para onde vai o fotojornalista Ricardo Stuckert?

O Lula é como vinho, quanto mais velho, vai ficando melhor (risos). O Lula é um filme, tem o Lula 1 Lula 2 Lula 3, Lula 4, Lula 5…, são etapas que você tem que estar ali pra registrar, porque ele é um estadista, e, mesmo  que deixe de ser presidente, será uma personalidade. Enquanto ele for político, tem que ter alguém para registrar isso. A menos que ele não queira.

Entrevista publicada originalmente no DCM.

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