Por Sergio F. C. Graziano e Charles Machado
A instauração do inquérito pela Polícia Federal sobre o caso das jóias recebidas pela comitiva do Ministro de Minas e Energia em outubro de 2021 provenientes do governo da Arábia Saudita abre um novo debate sobre a ausência total de consciência republicana de determinados servidores públicos brasileiros. Neste momento cabe a nós fazer um importante registro: a postura correta e republicana dos servidores da Receita Federal ao impedir, mesmo diante de autoridades públicas investidas de poder, do assenhoramento da coisa pública, da prática de crimes e da tentativa perniciosa de burlar a fiscalização estatal com manifestações burlescas para produzir ilegalidades. Parabéns, portanto, aos servidores da Receita Federal!!
Pois bem! A forma com que as joias foram trazidas para o Brasil, foi muito inusitada. Aliás, curioso mesmo foi a forma como a comitiva tentou fazer a narrativa parecer algo comum e sem qualquer ilegalidade, como se fosse uma notícia falsa (fake news) plantada numa rede social qualquer. Esqueceram, aqueles servidores (mulas, na linguagem policial), que a fiscalização não seria feita por pessoas que vivem numa bolha virtual (grupo de whatsapp), na qual tudo é possível, até mesmo que pode haver “intervenção militar constitucional”. Felizmente o estado republicano está presente outra vez no Brasil. Disseram os servidores “sacoleiros” que não sabiam o conteúdo dos pacotes. Imaginemos algumas barras de droga ilícita (cocaína), por exemplo, e o destino um país cuja pena para o tráfico ilícito de entorpecentes fosse o enforcamento? Os servidores seriam presos em flagrante e, seguramente, seriam executados.
É importante dizer isso, pois a narrativa (não sei o conteúdo dos pacotes) é assustadora pela ingenuidade (para dizer o mínimo), mas, mais ainda pela quantidade de crimes escancarados pelo séquito presidencial. Além de existir a possibilidade de configurar crimes contra a administração Pública, tais como peculato e advocacia administrativa, a ação delituosa pode caracterizar também crimes contra a ordem tributária e abuso de autoridade. Este último está configurado nas inúmeras tentativas de exigir dos servidores da Receita Federal o cumprimento de ordens manifestamente ilegais.
Importante lembrar: em que pese a entrada em território nacional ter ocorrido em outubro de 2021, por mais de 14 meses o chefe do executivo, em instante algum, tentou regularizar as joias, nos termos da legislação vigente. Segundo nota divulgada pela Receita Federal, além de não pedir a regularização, o próprio governo do ex-presidente Jair Bolsonaro também não apresentou um pedido fundamentado para incorporar as joias ao patrimônio público, em que pese todas as orientações dadas pela Receita, o que evidencia que o propósito era o ganho pessoal.
Vejam bem!!! A retenção ocorreu no Aeroporto Internacional de Guarulhos, em São Paulo e após inspeção por raio-X o ex-Ministro de Minas e Energia teria se valido do cargo para pedir a liberação das joias, alegando serem presentes do governo saudita para a então primeira-dama, tal expediente utilizado pelo ex-ministro também será investigado.
Em resposta à “carteirada” do ministro, os servidores da Receita Federal, corretamente, alegaram que, o procedimento para a entrada desses itens, como presentes oficiais de um governo estrangeiro para o governo brasileiro deveriam obedecer a outro trâmite legal e, por isso, retiveram as joias pelo não pagamento dos tributos.
É bom destacar que pela legislação, todo viajante, seja você ou o ministro, que traga ao país bens pertencentes a terceiros deve declará-los na chegada, independentemente de valor. No caso de bens pertencentes ao próprio portador, devem ser declarados aqueles em valor acima de US$ 1 mil (mil dólares), limite atualmente vigente. Caso não haja declaração de bem, é exigido 50% do valor a título de tributo, acrescido de multa de 50%, reduzida pela metade no caso de pagamento em 30 dias. E nada disso ocorreu.
Porém no caso de agente público que deixe de declarar o bem como pertencente ao Estado Brasileiro, é possível a regularização da situação, mediante comprovação da propriedade pública e regularização da situação aduaneira, o que não ocorreu em momento algum, em que pese todos os esclarecimentos dados pela Receita para regularização.
Uma vez que não houve a regularização, a Receita disse que o bem passa a ser tratado como pertencente ao portador e, não havendo pagamento do tributo e multa, é aplicada a pena de perdimento, cabendo recursos cujo prazo, no caso das joias, terminou em julho de 2022, e que não foi feito.
Em momento algum houve pedido para que as joias fossem incorporadas ao patrimônio da União, com os requisitos legais vigentes, visto que a incorporação ao patrimônio da União exige pedido de autoridade competente, com justificativa da necessidade e adequação da medida, como, por exemplo, a destinação de joias de valor cultural e histórico relevante destinadas a museu, o que não também ocorreu.
O episódio é escandaloso e mostra, em primeiro lugar, total desprezo à coisa pública e, em segundo lugar, a forma mais pueril de avançar no patrimônio alheio (no caso no patrimônio público): o batedor de carteira, o ladrãozinho de esquina, o punguista que se camufla na multidão, aquele sem “eira e nem beira” que prefere o golpe ao esforço do trabalho digno, que prefere se alimentar de “rachadinhas” e mostrar que é patriota e devoto de Deus.
No fim e ao cabo, devemos mesmo é parabenizar os servidores que impediram mais uma série de ilegalidades e, ainda que se mostre que tudo foi um grande mal entendido, os protocolos foram seguidos e, no mínimo, podemos comemorar a retomada do Estado brasileiro como verdadeira república, não mais como uma república de bananas administradas por “batedores de carteira”, mas como nação séria, digna e de todos e todas nós!
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