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O Supremo de hoje e a Lava Jato de ontem: passado e presente não se confundem

O Supremo de hoje e a Lava Jato de ontem: passado e presente não se confundem

Por Pedro Estevam Serrano e Anderson Medeiros Bonfim

Comparação equivocada favorece aos propósitos da extrema direita de apropriação fraudulenta da verdade

Sob a enfática afirmação de que o Supremo Tribunal Federal está atuando de maneira similar à Lava Jato, estão se intensificando as críticas aos mais recentes atos de persecução penal e jurisdicionais de relatoria do ministro Alexandre de Moraes. Entretanto, equipara-se o ontem e o hoje de forma desacertada, servindo aos propósitos da extrema direita. Não igualemos situações absolutamente desiguais.

A Lava Jato manifestou-se sob a aparência de um processo penal comum, mas com conteúdo material de caráter político-tirânico com fim imediato de eliminação de inimigos da vida pública e com fim mediato de destruição da democracia brasileira.

Muito além de pontuais violações ao devido processo legal, bem como à imparcialidade da jurisdição e dos deveres impostos aos membros do Ministério Público, a Lava Jato enquadrou-se como uma severa manifestação patológico-sistêmica e de exceção, o que é muito distinto do erro judicial, do solipsismo, do ativismo ou de qualquer manifestação de decisionismo voluntarista.

As mais recentes medidas adotadas pelo Supremo, por outro lado, não são equiparáveis ao referido fenômeno. Inexiste conteúdo material anômico, bem como suspensão de direitos, nos desdobramentos decorrentes da abertura do inquérito policial em regime de “contempt of court” e de defesa da nossa democracia constitucional.

Ao contrário de medidas de exceção, a atuação do Supremo, insertas na ordem jurídica, não se igualam aos produtos da destrutiva anomia lavajatista. O Supremo ampara-se e está, legitimamente, atuando, ao contrário, sob o manto da chamada legalidade extraordinária.

Com efeito, as Constituições rígidas do pós-guerra romperam com a necessidade de declaração do estado de exceção, bem como do estabelecimento da anomia e da suspensão dos direitos, para defesa da democracia.

Contemporaneamente, medidas de legalidade extraordinária, regradas por normas não anômicas e conduzidas pelo Judiciário através do devido processo legal, são suficientemente eficazes para a defesa da democracia. É dentro dessa qualificação jurídica que deve ser enquadrada a atuação do Supremo.

A defesa da nossa democracia constitucional pelo Supremo não está isenta de erros. Ademais, a centralidade da jurisdição constitucional no nosso sistema coloca-a, na mesma extensão, no centro do escrutínio público.

Exemplificativamente, conforme tivemos a oportunidade de recentemente tornar público, o Supremo deve rever —e reviu— determinadas prisões preventivas, as quais não podem se transformar em mecanismo de antecipação da sanção penal nem podem violar o direito fundamental à não autoincriminação.

Ou seja, é preciso que se realize um incessante e comprometido escrutínio dos procedimentos e dos produtos da persecução do Estado. Entretanto, erros dessa natureza caracterizam-se como injustiças e disfuncionalidades que não desqualificam, “in totum”, a atuação do Supremo. Erros são inerentes à condição humana e ocorrem em qualquer sistema.

O Supremo de hoje e a Lava Jato de ontem não podem ser confundidos. Ao contrário de patologias do sistema, constatamos algumas disfunções que devem ser criticadas e corrigidas. É dentro desse campo que deve circunscrever a crítica. A confusão, além de equívoco epistêmico no âmbito jurídico, favorece, no âmbito político, aos propósitos da extrema direita, sedenta na descredibilização dos “lucus de resistência e na apropriação fraudulenta da verdade.

Artigo publicado originalmente na Folha de S.Paulo.

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