Há uma febre nas redes. Há uma “ferramenta” denominada Tik Tok, que parece coisa feita para crianças brincarem. Na verdade, o Tik Tok é efeito e não causa. O problema é nossa condição de refém da tecnologia smartphone-whatsapp.
Tudo fragmentado. Instantâneo. Como café solúvel. Que tem gosto horroroso. Essa ferramenta “concede” algo como 30 segundos para o vivente. Talvez esse seja o ponto fulcral. Como o espaço do tal Tik Tok é reduzido (dizer o que, em 30 segundos), é inexorável que a informação seja fragmentada. Resumidinha. Standard. Tico e Teco. Dois neurônios.
Somente pequenas informações. Só que a coisa chamada “informação” qualquer um tem (até tik tok é informação!); porém, a coisa chamada “conhecimento” bem menos gente possui; o saber, menos gente ainda tem; já a sabedoria… pouquíssima gente. É uma pirâmide. O tik tok é para o primeiro grupo. Na base.
Mas “pegou” no mundo jurídico. E, pior, não há limites. Se um ET aterrissasse hoje e visse o modo como o tal Tik Tok é utilizado (Tik Tok e coisas similares), por certo ficaria estarrecido e diria para os seus compatriotas marcianos:
“— Vamos embora. Isso pode ser contagioso.”
Atenção: despiciendo dizer que ferramentas desse tipo podem (até) auxiliar na comunicação. Dou de barato. Não sou intransigente. Até a energia nuclear, bem usada, é útil.
Por exemplo, observemos: recebi a seguinte charge (genial, cumprimentos a quem fez — não descobri o autor!) que representa bem o estado da arte. O chargista “pegou” bem a coisa:
Pronto. “Seu argumento me convenceu”! Apontando para cartelas e com dancinha — assim vai!
Sigo. Não podemos transformar a área jurídica em algo ridículo. É o limite do sentido e o sentido do limite, diria Warat. Lê-se cada vez menos. Nos grupos de whatsapp, vale mesmo é mensagem de três linhas — mais que isso, é textão.
Exemplos não faltam. Vi uma jovem causídica fazendo um Tik Tok com o seguinte texto-diálogo: “Você disse que era causa ganha mas perdi. Te processo?” Escrito assim, com mais erros de português do que palavras.
E a causídica-einstein responde ao perguntador: “Gente, presta atenção. Quando eu falo que é causa ganha, eu nunca digo pra qual lado a causa é ganha. Se ela não for ganha pra você, provavelmente ela seja ganha pro outro lado“. (sic)
Bizarro. Advogado que se preza tem de saber o que posta, mesmo que seja via tik tok (permito-me a ironia no “mesmo que”). O que as faculdades de direito do Brasil estão fazendo? Não, não respondam. Nem via tik tok.
Onde foi que erramos? Jogamos pedra no Santo Ivo (para quem não sabe, é o padroeiro dos causídicos)?
Poderia mostrar outras bizarrices. Hoje falo só desse caso. Para chamar a atenção sobre o necessário senso do ridículo. Até no ridículo existem limites.
Na verdade, escrevo sobre isso — e denuncio — há três décadas.
E outro dia vi sentença em prosa e verso. Rima pobre. Mas fez sucesso. O atalho, o simplificado e o bizarro fazem sucesso.
Por alguma razão, tenho a impressão que uma certa “cultura jurídica” tem direta relação com o sertanejo-sofrência-supletivo. Algo como o hit Legítima Defesa, de uma cantora que, como todos sertanejos-sofrênticos, canta anasalada. Arfando. A parte forte do hit é: a aliança eu joguei dentro de um bueiro; e ao invés de mergulhar em um brigadeiro, bebo mesmo. Fantástico. Não é de beber até cair? No fundo, qual é a diferença com certo material jurídico que circula nas redes e é utilizado nas salas de aula? Um jus-sertanejo.
Se somar tik tok com legal design e visual law, então faltará só aparecer um livro legal design ensinando consequencialismo e filosofia do direito em duas páginas. Afinal, vai “cair” em concurso…
Parece voz corrente que não escolhemos os conteúdos das redes; são elas que nos escolhem, mormente àqueles que tem cérebro-tik-tok e quejandos.
Os algoritmos se sentem mais à vontade quando o nível de exigência de quem curte não é alto. Quanto mais simplista e simplório é o internauta, mais facilmente cai na rede como um peixinho.
Quando parte da comunidade jurídica fala de “vieses cognitivos”, penso que isso até faz sentido… para aferição das captações das redes sociais. Como diz o professor Ronaldo Lemos, no artigo Como as redes digitais demolem a cultura e ampliam a ansiedade (Folha de São Paulo de 17.10.2021), dados e algoritmos são capazes de captar as preferencias sem a necessidade de qualquer escolha, analisando apenas contextos, reações e padrões de uso.
Claro. Quem lida com literatura jurídica simplificada, facilitada e resumidinha, é prato cheio para o “viés” da rede. E aí vem o busílis: ninguém faz isso melhor que… o tik tok. Juntando isso com um influencer… pronto.
Parafraseando o artigo em tela, para uma nova forma de cultura que emerge com força avassaladora nas redes digitais, toda a história do Direito tem praticamente o mesmo significado: nenhum. Tudo não passa de uma massa amorfa pronta que pode ser instrumentalizada independentemente de seu conteúdo.
E o professor Ronaldo conclui: O que mais importa nos vídeos de tik tok (e em outras partes da rede social) é justamente exibir as infinitas “graças” que essa manipulação pode gerar, tornando premonitório o título do livro de David Foster Wallace, Infinite Jest — A Piada Infinita.
Portanto, não é difícil constatar que o ensino jurídico standard — ou falsamente sofisticado quando tenta tratar de assunto que os professores não dominam e usam resuminhos para mostrar — produz matéria prima riquíssima para o tik tok.
Não apenas produz conteúdo; produz, também, um imenso exército de usuários.
Este é o futuro! Daqui a pouco estaremos assim! Tik, tok. Decisões em desenho ou até com entretenimento incluso.
Lembro a charge acima. Diz muito!
Artigo publicado originalmente no Consultor Jurídico.
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