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Os 12 braços da A&M e os dois de Moro. Ou: O autoelogio a soldo e o crime

Os 12 braços da A&M e os dois de Moro. Ou: O autoelogio a soldo e o crime

Por Reinaldo Azevedo

Parcela considerável dos políticos brasileiros é beneficiada — ou beneficiária — do chamado ICI (Índice de Coincidências Incríveis). Sergio Moro, um novato (na política formal ao menos), já deixou claro que não vem para brincar. Se o negócio é disputar o panteão daqueles que têm sempre explicações a dar porque especialmente bafejados pela “sorte”, não tem pra ninguém. Vamos ver.

Como vocês sabem, há uma apuração em curso no TCU sobre as relações do ex-juiz com a Alvarez & Marsal. Uma petição propondo o bloqueio de seus bens feita pelo Ministério Público que atua junto ao tribunal levou o morismo à loucura e ao destrambelhamento. Ainda volto ao ponto. Antes, quero falar de coincidências.

Qualquer um que decida proceder a uma pesquisa nas juntas comerciais, e suponho que os auditores do TCU não teriam nenhuma dificuldade em fazê-lo, vai constatar que a holding da A&M Brasil — que foi fundada em 2008 no estado americano de Delaware, conhecido paraíso fiscal — é sócia de 12 empresas no Brasil. Você fica com a impressão, leitor, que existe um CNPJ até para cuidar da espinhela caída daquele seu primo distante.

Listo abaixo as empresas e a data de criação.

2016
– 15/12/2016: A&M Assessoria Financeira para Situações Especiais Ltda.;
2017
– 20/02/2017: A&M Reestruturação Ltda.;
– 26/02/2017: A&M Melhoria de Performance Ltda.;
– 23/03/2017: A&M Administração Judicial Ltda.;
– 14/06/2017: A&M-SPS Consultoria Empresarial Ltda.
– 12/07/2017: A&M Consultoria em Engenharia Ltda.;
– 25/07/2017: A&M Finanças Corporativas Ltda.;
– 26/07/2017: A&M Consultoria Tributária Ltda.
2020
– 28/08/2020: A&M Disputas e Investigações Ltda.;
– 26/10/2020: A&M Consultoria em Infraestrutura Ltda.;
2021
– 19/08/2021: A&M Consultoria em Tecnologia Ltda.
– 16/09/2021: A&M Consultoria de Gestão em Saúde Ltda.;

No ano de 2017, quando a Lava Jato vivia o seu delírio máximo de potência, a A&M criou nada menos do que sete empresas. Ali estão a de recuperação judicial e da de engenharia — que vem a ser aquela que, segundo Sergio Moro, pagou parte do seu contrato milionário com o grupo. Depois ele disse ter havido “erro”.

Prestemos atenção, agora, ao ano de 2020. No dia 24 de abril, Moro deixou o Ministério da Justiça e teve de cumprir uma quarentena de seis meses — até, portanto, outubro —, período em que recebeu salário.

Faltando dois meses para o término desse prazo, eis que veio à luz um dos braços do grupo: a A&M Disputas e Investigações, criada em 28 de agosto. E é justamente essa franja que, com meros três meses de operação, anuncia a contratação de Moro como sócio.

Coincidências realmente incríveis!

No exato mês em que venceu a quarentena do ex-ministro e ex-juiz, surge mais um filhote: a A&M Consultoria em Infraestrutura (28 de outubro de 2020). E, no ano passado, ainda houve tempo para a A&M Gestão em Saúde (16 de agosto) e para a A&M Consultoria em Tecnologia (18 de agosto).

O “ERRO MATERIAL”
Uma das empresas do ex-juiz — Moro Consultoria e Assessoria em Gestão Empresarial de Riscos LTDA — emitiu uma nota fiscal acusando o recebimento de R$ 811.890 do grupo A&M, mas o braço pagador, segundo o próprio recebedor, não foi aquele que oficialmente contratou o agora pré-candidato e sim, pasmem!, a “Alvarez & Marsal Consultoria em Engenharia Ltda. Moro alegou depois que houve “erro material” na emissão da nota. É? O CNPJ que lá está é mesmo o da empresa de engenharia.

A APURAÇÃO NO TCU
Lucas Rocha Furtado, subprocurador-geral do Ministério Público junto ao TCU, encaminhou uma petição a Bruno Dantas, relator do tribunal do procedimento que apura a contratação de Moro pela A&M, propondo o bloqueio de bens do ex-juiz e ex-ministro. Bastou para que aliados de Moro acusassem Furtado de abuso de autoridade, como se tivesse chutado a santa — ou o santo…

Vamos ver o que fará Dantas. É pouco provável que, com os dados disponíveis até agora, o tribunal proceda ao bloqueio, mas o que vai acima parece cobrar, quando menos, que a investigação tem de ser aprofundada. Convenham: a simples relação de datas e empresas, casada com as peripécias da Lava Jato e com as opções profissionais do hoje “pré-presidenciável”, apontam para um quadro invulgar. Não há dúvida de que a A&M soube ler na dita “maior operação de combate à corrução do planeta” uma baita oportunidade de negócios:
– 12 empresas em cinco anos;
– 7 empresas criadas no intervalo de cinco meses em 2017, no auge da Lava Jato, inclusive a que aparece como fonte pagadora de uma bolada a Moro;
– a empresa que oficialmente o contratou foi criada quatro meses depois que deixou o ministério, quando ele ainda estava em quarentena;
– três meses depois de criada e um mês depois do fim da quarentena, ele é contratado.

E que se note: empresas vivem mesmo à caça de oportunidades. O problema está na contratação de Moro. As datas são muito eloquentes, não é mesmo?

O CONSULTOR DA PRÓPRIA CANDIDATURA?
As coisas incríveis acompanham mesmo a trajetória de Moro. A reportagem do The Intercept Brasil teve acesso a um contrato em que o doutor se compromete a conferir duas palestras para investidores, às expensas da Ativa Investimentos. Uma no Rio e outra em São Paulo. Valor da transação: R$ 110 mil. Desse total, R$ 77 mil cabem à Moro Consultoria e Assessoria em Gestão Empresarial de Riscos LTDA — a mesma pessoa jurídica que assinou contrato com a A&M — e o restante fica com a Delos Produções Culturais Ltda, que é um braço do grupo DC Set Participações, controlado por Jorge Sirena.

A do Rio ocorreu no dia 15 de fevereiro. A de São Paulo ainda não tem nada. Para surpresa de ninguém, também nesse caso, há cláusula de confidencialidade, e nenhum dos envolvidos fala a respeito. A assessoria de Moro diz que ele não teve agenda naquele dia, mas a reportagem conversou com o ex-ministro Carlos Marun, que participou do encontro. Resumiu assim:
“O candidato Moro expôs seu plano inicial de governo, suas ideias iniciais e se estabeleceu quase um bate-papo, já que era esse o objetivo. Um encontro pequeno onde as coisas pudessem ser conversadas com tranquilidade”.

Estamos mesmo diante de algo invulgar. Moro fez um contrato de R$ 77 mil para conferir duas palestras sobre… a própria candidatura! Duvido que se tenha notícia de algo semelhante antes.

A doação de empresas a campanhas eleitorais é proibida — e isso se deve, diga-se, ao surto de moralismo burro que se seguiu à Lava Jato. Reparem que, sendo como rezam contrato e testemunho, o doutor está recebendo uma bela bolada para fazer propaganda da própria candidatura, o que, é inescapável, transforma-se num modo mascarado de financiamento ilegal. E o que é pior: de campanha antecipada.

Marum deu mais alguns detalhes:
“O encontro foi promovido por uma empresa de investimento para seus clientes com o ministro Moro, e fui convidado para fazer comentários políticos, e o economista Étore [Sanchez, economista-chefe da Ativa Investimentos] foi convidado para fazer comentários na área econômica. Reunião pequena, para poucas pessoas, e eu não tenho conhecimento em relação aos clientes da empresa. Não sei [dizer] quem estava presente”.

Candidatos em conversas reservadas com o mercado financeiro não chegam a ser uma surpresa. Com um contrato nesse valor? Bem, será um exotismo da cupidez se não for coisa mais grave: crime eleitoral.

Que coisa, né? Doutor Moro tentou emplacar a máxima, quando juiz, de que doação ou financiamento de campanha nem mesmo é simples crime eleitoral: sempre será corrupção com consequente lavagem de dinheiro.

Para os outros.

É um vexame sem fim.

Artigo publicado originalmente no UOL.

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