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Por que os ministros do STF não tratam da dimensão geopolítica das condenações de Lula no âmbito da Lava Jato?

Por que os ministros do STF não tratam da dimensão geopolítica das condenações de Lula no âmbito da Lava Jato?

Embora tenham atentado para as gravíssimas mensagens decorrentes da Operação Spoofing, trocadas entre juiz e procuradores, e para o que foi considerado como “cooperação espúria”, os ministros não avançaram para a cooperação com agentes estrangeiros e para o ponto que nos parece fundamental

Nos últimos dias os holofotes se voltaram ao STF, quando o ministro Edson Fachin, em decisão monocrática, declarou a incompetência da 13ª Vara da Justiça Federal de Curitiba para julgar as ações penais contra Lula. O fundamento, avançado há muito pela defesa do ex-Presidente, foi a falta de relação direta com os desvios da Petrobras.

Como consequência foram anuladas todas as decisões, quais sejam, o recebimento de denúncia, a condenação e confirmação das mesmas por órgãos superiores, nas ações relativas ao tríplex do Guarujá, ao sítio de Atibaia e ao Instituto Lula, bem como seu envio ao juízo competente: a Justiça Federal do DF. O impacto direto nos direitos políticos de Lula foi torná-lo elegível, muito embora a decisão venha tardiamente e os danos sejam de impossível reparação. Entretanto, a decisão do ministro Edson Fachin, que parece ter surpreendido os membros da Corte, não apenas anulou as condenações de Lula, mas determinou que a ação sobre a suposta parcialidade do ex-juiz Sérgio Moro, iniciada em 2018 e suspensa após dois votos contrários à suspeição, não fosse mais julgada. O ministro Gilmar Mendes parece ter considerado que o relator da Lava Jato, ao tentar evitar o julgamento sobre a suspeição de Moro e salvar a Operação, passou por cima da Segunda Turma decidindo sozinho questão que deveria ser colegiada. Retomou então o julgamento sobre a suspeição, que por sua vez impôs derrota às tentativas do ministro Fachin de adiar ou de deslocar o caso ao plenário. Afinal, a suspeição pode afetar atos não atingidos pela incompetência, como aqueles que envolveram a produção de provas.  Tal oportunidade possibilitou que a Segunda Turma do STF desse início a uma espécie de análise, autocrítica e revisão da tumultuada história judicial recente do país.  Os argumentos favoráveis à suspeição baseiam-se em diversos atos processuais e condutas do então juiz, matizados com motivação pessoal e viés político-partidário, como os que determinaram a condução coercitiva de Lula para depoimento; a interceptação telefônica do ex-Presidente, familiares, e até de advogados; a atuação impeditiva ao cumprimento de decisão restabelecendo sua liberdade; o levantamento do sigilo da colaboração de Antonio Palocci às vésperas das eleições; ou o aceite para integrar um governo eleito em razão de suas decisões judiciais. Não há dúvidas de que esses argumentos confirmam que a persecução criminal de Lula foi usada para fins políticos-eleitorais de Moro e seus aliados. Não obstante, é preciso olhar para o que está mais além: por que os ministros do STF não tratam da dimensão geopolítica dessas condenações no âmbito da Lava Jato? Nessa dimensão está uma nova estratégia de guerra não convencional, alternativa à guerra militar, conduzida a partir da utilização perversa do sistema de justiça para fins militares, políticos, econômicos ou geopolíticos. Trata-se da guerra jurídica, conhecida também pela expressão lawfare. Embora tenham atentado para as gravíssimas mensagens decorrentes da Operação Spoofing, trocadas entre juiz e procuradores, e para o que foi considerado como “cooperação espúria”, os ministros não avançaram para a cooperação com agentes estrangeiros e para o ponto que nos parece fundamental: há fatos geopolíticos internacionais determinantes gravíssimos por trás das condenações de Lula e da própria Lava Jato, que embora não tenham sido tratados nos votos conhecidos – e constrangidos pelos erros cometidos, certamente não passaram despercebidos.

Muitos são os que entendem que hoje no Brasil está vigente um estado de exceção, consequência de um complexo processo global de redefinição da soberania popular em prol de outro soberano, que no contexto neoliberal é o chamado “mercado” e que age em nome de interesses ocultos e invisíveis, subordinando a política à economia. Nesse cenário, operadores jurídicos são cooptados por tais interesses e passam a operar como seus verdadeiros advogados, proferindo decisões judiciais de natureza excepcional a pretexto do combate à corrupção, ao que se tem denominado “estado de exceção judicial”. O próprio STF parece ter criado uma jurisprudência de exceção em apoio a Lava Jato, segundo comprova a decisão de 2016 que admitiu o início da execução de sentença penal condenatória após a sua confirmação em segundo grau, em flagrante violação constitucional.

Por isso, não é exagero afirmar que o Poder Judiciário hoje, incluindo todas as instâncias, pode ser considerado o principal agente de exceção no Brasil. Lembre-se que em 2013 Moro teve sua parcialidade debatida pelo STF no âmbito do caso Banestado. À época, o ministro Celso de Mello, único a votar pela anulação da sentença, chegou a indagar: “não estaríamos validando um comportamento transgressor de prerrogativas básicas?”. Na ocasião, o decano listou tratados internacionais que consagram o princípio do devido processo legal e seus correlatos. A tese vencedora, do ministro Gilmar Mendes, todavia considerou que “não é possível confundir excessos com parcialidade”. Foi necessário esperar até 2020 para que o STF anulasse pela primeira vez uma sentença do ex-juiz, também no caso Banestado. No julgamento de terça-feira, o ministro Gilmar Mendes relembrou o caso e admitiu: “os órgãos de controle da magistratura nacional falharam em conter os primeiros arroubos de abusos do magistrado”. Faltou dizer que falharam em conter o estado de exceção judicial consequente da guerra jurídica contra o Brasil. 

A partir de 2014, a Lava Jato chefiada por Moro protagonizou uma série de prisões cautelares de empresários e de agentes públicos, somadas a vazamentos seletivos de informações e orquestradas com grandes veículos de comunicação social, que criaram as condições sociais e políticas para a instauração de um processo de impeachment e a posterior destituição da Presidenta Dilma Rousseff. Esse golpe de Estado parlamentar viabilizou a retomada de um projeto ultraneoliberal derrotado nas urnas, efetivado com retrocessos sociais, destruição de parte essencial da indústria nacional e a nefasta interferência no processo eleitoral brasileiro, tudo sob a condução da Lava Jato, mediante a colaboração criminosa com agências estrangeiras, entre as quais o Departamento de Justiça dos EUA, o FBI e a CIA.  Está claro que a eleição da extrema-direita resultou do regime change perseguido há muito tempo pelos interesses hegemônicos. Tamanha foi a articulação para impedir a candidatura de Lula às eleições de 2018, que Moro recebeu do presidente eleito o troféu de Ministro da Justiça, com a missão de implementar reformas legislativas consoantes com o sistema de exceção inaugurado pela Lava Jato.

Esses fatos evidenciam que faltou aos ministros do STF, portanto, reconhecer que na origem da condenação de Lula por juiz parcial e do estado de exceção judicial, está uma guerra jurídica em curso no Brasil, com objetivos geopolíticos e justificada na luta anticorrupção, por meio da utilização de mecanismos transnacionais de persecução, da aplicação extraterritorial de legislação dos EUA sem elementos de conexão suficientes, e com a cooperação criminosa de operadores do sistema de justiça nacional apoiados por uma mídia comprometida. Por trás dessa complexa trama de colaboração/intervenção internacional está a ação do imperium econômico estadunidense para frear projetos políticos alternativos ao modelo neoliberal e, assim, destruir o potencial soberano do país alvo. Disso decorre uma consequência importante: a parcialidade em discussão no Supremo não deveria solapar apenas o então juiz, mas também todos os agentes do MPF e da PF envolvidos na Operação Lava Jato. A reação e a blindagem contra essa nova e letal estratégia de guerra jurídica exige a compreensão de suas engrenagens, a atenção para programas internacionais de formação jurídica destinados a agentes brasileiros e para as relações destes com organismos estrangeiros; a discussão da regulamentação e democratização da mídia; e sobretudo, é fundamental distinguir o lawfare da verdadeira luta anticorrupção, aquela que deve ocorrer dentro dos parâmetros da legalidade e em respeito ao Estado Democrático de Direito. Daí a importância de o STF reconhecer a dimensão geopolítica dos julgamentos envolvendo o ex-Presidente Lula, conduzidos no âmbito do que foi considerado o maior escândalo judicial da história brasileira.

Artigo publicado originalmente no Brasil 247.

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