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Prisão obrigatória no Júri é mais uma vez inconstitucional

Prisão obrigatória no Júri é mais uma vez inconstitucional

Por Aury Lopes Jr. e Alexandre Morais da Rosa

Juntando esforços com Lenio Streck para que o STF já sepulte, desde o início, mais uma grave inconstitucionalidade do pacote anticrime (Lei 13.964/2019), hoje nos ocuparemos da nova redação do art. 492 e a prisão ‘obrigatória’ quando o réu for condenado no tribunal do júri a uma pena igual ou superior a 15 anos:

Art. 492. Em seguida, o presidente proferirá sentença que:

I – no caso de condenação:

a) fixará a pena-base;

b) considerará as circunstâncias agravantes ou atenuantes alegadas nos debates;

c) imporá os aumentos ou diminuições da pena, em atenção às causas admitidas pelo júri;

d) observará as demais disposições do art. 387 deste Código;

e) mandará o acusado recolher-se ou recomendá-lo-á à prisão em que se encontra, se presentes os requisitos da prisão preventiva, ou, no caso de condenação a uma pena igual ou superior a 15 (quinze) anos de reclusão, determinará a execução provisória das penas, com expedição do mandado de prisão, se for o caso, sem prejuízo do conhecimento de recursos que vierem a ser interpostos;

f) estabelecerá os efeitos genéricos e específicos da condenação;

II – no caso de absolvição:

a) mandará colocar em liberdade o acusado se por outro motivo não estiver preso;

b) revogará as medidas restritivas provisoriamente decretadas;

c) imporá, se for o caso, a medida de segurança cabível.

§ 1o Se houver desclassificação da infração para outra, de competência do juiz singular, ao presidente do Tribunal do Júri caberá proferir sentença em seguida, aplicando-se, quando o delito resultante da nova tipificação for considerado pela lei como infração penal de menor potencial ofensivo, o disposto nos art. 69 e seguintes da Lei 9.099, de 26 de setembro de 1995.

§ 2o Em caso de desclassificação, o crime conexo que não seja doloso contra a vida será julgado pelo juiz presidente do Tribunal do Júri, aplicando-se, no que couber, o disposto no § 1o deste artigo.

§ 3º O presidente poderá, excepcionalmente, deixar de autorizar a execução provisória das penas de que trata a alínea e do inciso I do caput deste artigo, se houver questão substancial cuja resolução pelo tribunal ao qual competir o julgamento possa plausivelmente levar à revisão da condenação.

§ 4º A apelação interposta contra decisão condenatória do Tribunal do Júri a uma pena igual ou superior a 15 (quinze) anos de reclusão não terá efeito suspensivo.

§ 5º Excepcionalmente, poderá o tribunal atribuir efeito suspensivo à apelação de que trata o § 4º deste artigo, quando verificado cumulativamente que o recurso:

I – não tem propósito meramente protelatório; e

II – levanta questão substancial e que pode resultar em absolvição, anulação da sentença, novo julgamento ou redução da pena para patamar inferior a 15 (quinze) anos de reclusão.

§ 6º O pedido de concessão de efeito suspensivo poderá ser feito incidentemente na apelação ou por meio de petição em separado dirigida diretamente ao relator, instruída com cópias da sentença condenatória, das razões da apelação e de prova da tempestividade, das contrarrazões e das demais peças necessárias à compreensão da controvérsia.

O ponto mais problemático do novo artigo é a parte final da alínea ‘e’, introduzida pela Lei 13.964/2019: a determinação de execução antecipada da pena, quando for igual ou superior a 15 anos.

Sem dúvida um grande erro do legislador, pois:

– viola a presunção constitucional de inocência, na medida em que trata o réu como culpado, executando antecipadamente sua pena, sem respeitar o marco constitucional do trânsito em julgado;

– se o STF já reconheceu ser inconstitucional a execução antecipada após a decisão de segundo grau, com muito mais razão é inconstitucional a execução antecipada após uma decisão de primeiro grau (o tribunal do júri é um órgão colegiado, mas integrante do primeiro grau de jurisdição);

– da decisão do júri, cabe apelação em que podem ser amplamente discutidas questões formais e de mérito, podendo haver novo júri tanto por reexame formal do procedimento como também material, no reexame da decisão de mérito tomada pelos jurados;

– o tribunal poderá reavaliar a prova e a expressão contida no art. 593, III,”d” (ser a decisão dos jurados manifestamente contrária a prova dos autos) é completamente subjetiva, revelando-se uma cláusula aberta, para que o tribunal envie a novo júri quando quiser;

– a decisão dos jurados é formada a partir da íntima convicção e (absurdamente) despida de qualquer fundamentação (sendo inclusive, como também aponta Lenio na Coluna de ontem, inconstitucional neste ponto);

– tanto a instituição do júri, como a soberania dos jurados, estão inseridos no rol de direitos e garantias individuais, não podendo servir de argumento para o sacrifício da liberdade do próprio réu;

– ao não se revestir de caráter cautelar, sem portanto analisar o periculum libertatis e a necessidade efetiva da prisão, converte-se em uma prisão irracional, desproporcional e perigosíssima, dada a real possibilidade de reversão já em segundo grau (sem mencionar ainda a possibilidade de reexame e anulação do júri em sede de recurso especial e extraordinário);

– a soberania dos jurados não é um argumento válido para justificar a execução antecipada, pois é um atributo que não serve como legitimador de prisão, mas sim como garantia de independência dos jurados;

– é incompatível com o disposto no art. 313, § 2º, que expressamente prevê que “não será admitida a decretação da prisão preventiva com a finalidade de antecipação de cumprimento de pena”.

Na mesma linha, trazendo ainda outros argumentos interessantes, Paulo Queiroz[1] afirma que “além de incoerente e ilógica, é claramente inconstitucional, visto que: 1) ofende o princípio da presunção de inocência, segundo o qual ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória (CF, art. 5°, LVII), razão pela qual toda medida cautelar há de exigir cautelaridade, especialmente a prisão preventiva; 2) viola o princípio da isonomia, já que condenações por crimes análogos e mais graves (v.g., condenação a 30 anos de reclusão por latrocínio) não admitem tal exceção, razão pela qual a prisão preventiva exige sempre cautelaridade; 3) estabelece critérios facilmente manipuláveis e incompatíveis com o princípio da legalidade penal, notadamente a pena aplicada pelo juiz-presidente; 4) o só fato de o réu sofrer uma condenação mais ou menos grave não o faz mais ou menos culpado, já que a culpabilidade tem a ver com a prova produzida nos autos e com os critérios de valoração da prova, não com o quanto de pena aplicado; 5) a gravidade do crime é sempre uma condição necessária, mas nunca uma condição suficiente para a decretação e manutenção de prisão preventiva. Como é óbvio, a exceção está em manifesta contradição com o novo art. 313, §2º, que diz: Não será admitida a decretação da prisão preventiva com a finalidade de antecipação de cumprimento de pena.

Portanto, claramente inconstitucional a execução antecipada da pena nos julgamentos do Tribunal do Júri, sendo um grande erro do legislador dispor nesse sentido, muito mais jogo de cena, como diria Jacinto Nelson de Miranda Coutinho, do que manifestação do justo processo. Cabe ao Supremo Tribunal Federal garantir eficácia ao sistema recursal, direito de qualquer acusado, independentemente da pena. Em todos os casos, cabe a análise dos requisitos concretos da prisão cautelar. Em resumo e mais uma vez: prisão cautelar sempre pode ser decretada, atencipação da pena, nunca. Gasta-se tempo do STF com reiterações, enquanto há temas relevantes e urgentes aguardando julgamento.

Artigo publicado originalmente no Consultor Jurídico.

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