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Quem são os advogados que ajudaram a impor derrotas à Lava Jato e aproximaram Lula e Alckmin

Quem são os advogados que ajudaram a impor derrotas à Lava Jato e aproximaram Lula e Alckmin

Por Renan Ramalho na Gazeta do Povo

Em 2014, três advogados, ex-colegas da faculdade de Direito, montaram um grupo de WhatsApp para discutir dois assuntos: o avanço da Operação Lava Jato, deflagrada no início daquele ano; e o questionamento, por parte do PSDB, do resultado da eleição presidencial, na qual seu então candidato, Aécio Neves, perdeu para Dilma Rousseff. Na visão desses três advogados, eram fatos que, no futuro, poderiam colocar em risco a democracia. O grupo foi batizado de Prerrogativas.

“A gente entendia que a Lava Jato era o avanço de um processo que já tinha começado na ação penal 470, o chamado mensalão, quando o Supremo Tribunal Federal foi palco de espetacularização da Justiça criminal, com forte apelo midiático. Quando as eleições acabaram, Aécio assumiu a tribuna do Senado e fez um discurso muito raivoso, questionando o resultado. Ali sentimos que poderia estar nascendo o ‘ovo da serpente’, que poderia colocar a democracia e as instituições em risco. E a gente resolveu criar o grupo como uma espécie de observatório da democracia”, diz o advogado Marco Aurélio de Carvalho.

É assim que ele descreve a origem do Prerrogativas, grupo que fundou e hoje coordena, e se notabilizou nos últimos anos pelas sucessivas derrotas que ajudou a impor à Lava Jato e, principalmente em 2021, por uma série de ações contra o governo do presidente Jair Bolsonaro.

Mais recentemente, o grupo também organizou o jantar em que Lula e o ex-governador Geraldo Alckmin se encontraram em público pela primeira vez para discutir a possibilidade de o ex-tucano ser o vice do petista nas eleições de outubro.

Como surgiu o grupo Prerrogativas

Em entrevista à Gazeta do Povo, Marco Aurélio de Carvalho contou a história do grupo Prerrogativas e rebateu várias das críticas às suas ações.

Inicialmente, faziam parte do Prerrogativas apenas o próprio Marco Aurélio e os também advogados Fabiano Silva dos Santos e Gabriela Araújo. O trio militava no movimento estudantil nos anos 1990 e dirigiu o centro acadêmico dos alunos de direito da faculdade de Direito da PUC de São Paulo durante cinco anos, até 2001.

Atualmente, o grupo reúne mais de 200 “colaboradores”, muitos antigos amigos e a maioria colegas criminalistas, alguns juízes e promotores aposentados, e vários professores e acadêmicos das ciências humanas e sociais.

Os “colaboradores” são chamados assim porque o “Prerrô”, como é conhecido internamente, não tem um CNPJ, não é empresa nem associação, mas organiza-se informalmente, basicamente para publicar artigos na imprensa geral e jurídica, promover palestras e debates, e participar de julgamentos importantes no Supremo Tribunal Federal e audiências no Congresso Nacional sobre os mais variados temas.

A influência que alcançaram decorre, em parte, da notoriedade dos advogados, uma elite bastante influente nos anos do PT no poder e que agora, com o ocaso da Lava Jato, vem se reabilitando na cena pública. Há entre eles vários advogados que defenderam condenados no mensalão e que, após amargarem outras derrotas nos processos do petrolão, conseguiram, enfim, reverter condenações ou anular investigações do esquema de corrupção na Petrobras e em outras estatais.

É o caso, por exemplo, de Alberto Zacharias Toron, que advogou para o ex-presidente da Câmara João Paulo Cunha (PT) na ação do mensalão e que, mais recentemente, livrou de processos o ex-presidente da Petrobras Aldemir Bendine e também o deputado Aécio Neves (PSDB), delatado por ex-executivos da Odebrecht e da J&F.

Também colaboram com o grupo Antônio Cláudio Mariz de Oliveira, que defendeu o ex-presidente Michel Temer; Antônio Carlos de Almeida Castro, o Kakay, notório defensor de políticos, principalmente da velha guarda do MDB; Dora Cavalcanti e Augusto de Arruda Botelho, que advogavam para a Odebrecht; Fábio Tofic Simantob, que defendeu o ex-ministro da Fazenda Guido Mantega e o marqueteiro João Santana; Flávia Rahal, que defendeu o ex-governador José Serra; e Roberto Podval, de ampla clientela, que vai desde José Dirceu, do PT, ao ex-ministro do Meio Ambiente Ricardo Salles, do governo Bolsonaro.

Como o Prerrogativas ajudou a impor derrotas à Lava Jato

A força que o grupo ganhou nos últimos anos pode ser demonstrada nas várias derrotas impostas à Lava Jato, inimiga declarada do Prerrogativas. Em 2019, dos 12 advogados que falaram no julgamento do STF que derrubou a prisão após condenação em segunda instância, 11 eram do grupo. A prisão em segunda instância era um dos principais pontos defendidos por integrantes da Lava Jato como mecanismo de combate à corrupção.

Advogados do Prerrogativas também tiveram forte influência, junto aos ministros do STF e na comunidade jurídica, nas decisões da Corte que levaram casos de corrupção e lavagem para a Justiça Eleitoral. Também foram influentes na anulação de condenações em que réus delatados não tiveram a última palavra nas alegações finais da defesa. E, sobretudo, na anulação das condenações do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e na declaração de suspeição do ex-juiz Sergio Moro pelo STF. Antes dessas decisões, o grupo lançou dois livros, com dezenas de artigos, dedicados a apontar as supostas arbitrariedades do juiz e da força-tarefa de Curitiba nos inquéritos e ações penais do tríplex de Guarujá e do sítio de Atibaia.

Não à toa, os mais que se destacam no grupo são os mais ligados ao PT, como o próprio Marco Aurélio de Carvalho, filiado há mais de 30 anos ao partido; e apoiadores fiéis de Lula, como os professores e advogados Pedro Serrano e Lenio Streck, os deputados federais Paulo Teixeira, Wadih Damous e Vicente Cândido, os ex-advogados-gerais da União José Eduardo Cardozo e Luís Inácio Adams, além dos ex-ministros Fernando Haddad e Gilberto Carvalho.

“O Prerrô, dentro do meio ambiente político-jurídico, é um animal, um ente que surgiu como modo de defesa do próprio Direito e da política, dentro de um ambiente hostil, que é o ‘lawfare’ e tudo o que a Lava Jato fez. É uma construção, uma resposta do sistema. Ele foi sendo construído exatamente por causa de gente como Sergio Moro e [Deltan] Dallagnol. O Prerrô não é produto de uma agrura, é uma resposta sistêmica de um meio ambiente hostil da política e do Direito, que necessitava de um grupo forte que fizesse a denúncia dos desmandos [da operação]”, disse, em entrevista recente ao site Diário do Centro do Mundo o advogado e professor de direito constitucional Lenio Streck, um dos mais ativos acadêmicos do grupo.

Apesar da forte presença de petistas históricos, Marco Aurélio de Carvalho garante que o Prerrogativas não é um braço jurídico do PT. “Eu sou petista, filiado há quase 30 anos, que se orgulha dessa condição e nunca teve constrangimento nenhum, muito menos agora, que o PT foi reabilitado depois da injustiça que sofreu. Mas minha atuação pessoal, do ponto de vista partidário, que sempre foi ligada ao PT, nunca contaminou a atuação do grupo”, disse à reportagem, ressaltando a colaboração de advogados de políticos de outros partidos.

Na guerra contra a Lava Jato, o grupo também pressionou o Congresso pela aprovação da proposta que aumentaria a influência política sobre o Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP), vista por procuradores como forma de perseguição àqueles que investigam políticos – advogados do grupo pediram ao órgão a punição do ex-chefe da força tarefa do Paraná Deltan Dallagnol, por exemplo. Membros do Prerrogativas também apoiaram, no projeto do novo Código Eleitoral (ainda em tramitação), uma quarentena de quatro anos para juízes e promotores disputarem eleições.

Grupo também se contrapõe ao governo Bolsonaro

A atuação do Prerrogativas foi além da Lava Jato, para se contrapor também ao governo Bolsonaro. Em 2021, por exemplo, membros do grupo bateram na proposta do voto impresso, se opuseram ao critério do marco temporal para demarcação de terras indígenas, apoiaram protestos de rua a favor do impeachment e deram suporte à CPI da Covid para apontar supostos crimes do presidente na pandemia.

Nessas duas frentes de batalha – grosso modo, contra Moro e contra Bolsonaro – o grupo realizou inúmeras conversas e debates com ministros do STF e políticos de peso do Congresso. Em 2021, foram feitas lives com Renan Calheiros (MDB-AL), Randolfe Rodrigues (Rede-AP), Otto Alencar (PSD-BA), todos integrantes da CPI. Também conversaram com antigos apoiadores de Lula: Aldo Rebelo (PCdoB-SP), Celso Amorim (ex-ministro das Relações Exteriores), Gleisi Hoffmann (presidente do PT). Ainda fizeram debates ao vivo com os ministros do STF Gilmar Mendes e Alexandre de Moraes, com o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), com o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), e com o procurador-geral da República, Augusto Aras.

Para Marco Aurélio de Carvalho, o relativo êxito no esvaziamento da Lava Jato e na ofensiva contra Bolsonaro não é exatamente fruto da influência de seus advogados no mundo político – afinal, são eles que defendem boa parte dos deputados, senadores e ministros com processos nos tribunais. Para o fundador e coordenador do Prerrogativas, a força que o grupo adquiriu resulta de “disciplina e humildade”.

“Nunca deixamos de fazer o debate, nunca nos negamos a debater com ninguém. Nunca deixamos de ocupar os espaços. De forma bastante organizada, escrevemos milhares de artigos no decorrer desses últimos oito anos. Ocupamos todos os espaços na grande mídia, levamos nossas ideias para o Parlamento, para todos os partidos. Não deixamos de combater no campo adversário. Fomos enfrentar o Moro na Globo, onde ele sempre teve apoio, carinho e respaldo. A gente passou a ser ouvido mesmo por aqueles que não concordavam com a gente. Aí estabelecemos pontes com o Parlamento brasileiro, com diversas forças políticas, com diversos campos, não só o progressista, mas também o conservador. Sempre partindo de uma afinidade de princípios e propósitos, que é a defesa da democracia e das instituições”, afirma.

Seria, então, o Prerrogativas um grupo que representa o que apoiadores de Bolsonaro chamam de “velha política”, “sistema” ou “establishment”? Marco Aurélio de Carvalho também nega e reforça que o objetivo sempre foi defender a democracia e as instituições.

“Nós somos a novidade porque – num momento em que as instituições de um modo geral estão sendo tão duramente surradas, em que a democracia está sendo de forma reiteradamente colocada em xeque, em que a Constituição está sendo tão duramente atacada – defender os valores democráticos, defender a liberdade, não deixa de ser revolucionário e de ser algo inovador. Representamos o novo. O mais do mesmo está do lado de lá, cheira a mofo, representa o autoritarismo, o atraso, a intolerância”, afirma o advogado.

Um dos focos para isso, acrescenta, é combater o “ativismo judicial” que, como costuma dizer, tem duas faces: a “judicialização da política” e a “politização da Justiça”.

“Judicialização da política é utilizar o aparato da Justiça com objetivos políticos e eleitorais. Perseguir determinadas lideranças políticas para tirá-las de processos eleitorais, como o Moro fez com o Lula em 2018”, afirma.

E quanto às diversas ações levadas ao STF pela oposição, com apoio do grupo, para derrubar medidas do governo Bolsonaro e políticas aprovadas no Congresso? Não seriam formas de judicializar a política?

Para o coordenador do Prerrogativas, não necessariamente. “Existe um cabedal de instrumentos jurídicos à disposição da sociedade civil para poder questionar determinadas ações e omissões criminosas de determinados detentores de poder. É natural. O processo de impeachment, por exemplo, existe nessa perspectiva. Não estamos usando a Justiça para perseguir o Bolsonaro. Estamos usando a Justiça para responsabilizar o Bolsonaro pelos crimes que ele cometeu, pelas ações e omissões criminosas que a gente sabe que ele cometeu. Então não é com o objetivo das eleições de 2022. Em 2022, nós vamos enfrentar o Bolsonaro nas urnas, com o poder do voto”, diz.

Questionado se advogados do grupo não teriam interesse em barrar Jair Bolsonaro ou Sergio Moro da disputa presidencial em 2022, tornando-os inelegíveis, Marco Aurélio de Carvalho tergiversa. “Acho que isso não. Eu teria que consultar o grupo e falar com uma série de pessoas. Se houver motivos… O problema não está em você perseguir a inelegibilidade de alguém, o problema é construir a inelegibilidade. Se existirem razões fundantes para que a inelegibilidade seja declarada, ele tem que ser declarado inelegível”, afirma.

Marco Aurélio de Carvalho nega que a pressão e as iniciativas do grupo contra Sergio Moro na Justiça configurem uma perseguição judicial, o que chamam de “lawfare”. “Ao denunciar para o Supremo que o Moro atuou de forma parcial e criminosa, a gente não está colaborando para a politização do Judiciário. Ao contrário: a gente está dando para o Judiciário uma oportunidade dele reacreditar o sistema de Justiça”, diz.

Em 19 de dezembro, o grupo Prerrogativas mais uma vez chamou a atenção por promover o jantar, num restaurante de luxo em São Paulo, para centenas de convidados (principalmente políticos e advogados), que selou a aproximação entre Lula e o ex-governador Geraldo Alckmin. Políticos próximos de cada um tentam convencer o ex-tucano a ser candidato a vice-presidente na chapa de Lula em 2022.

Questionado sobre o papel do Prerrogativas nessa articulação, Marco Aurélio de Carvalho adotou um tom modesto. “Nós fomos o veículo do encontro de duas lideranças políticas, que até o dia de ontem, eram antagônicas. Mas não estamos operando por essa ou qualquer outro tipo de aliança. Nosso compromisso é com a construção de uma frente verdadeiramente ampla para defesa da democracia e das instituições. E nisso cabe o Lula, o Alckmin, cabe muita gente”, diz, acrescentando que a chapa ainda não está fechada.

O discurso de viés esquerdista, no entanto, é evidente. No próprio jantar, em discurso, Marco Aurélio de Carvalho repetiu bordões comuns àqueles que se definem como progressistas. “Somos uma sociedade autocrática, escravagista, preconceituosa, machista e patriarcal. A classe dominante não perdoa a quem mexe com seus privilégios. Mais cedo ou mais tarde, ela cobra seu preço”, afirmou. Como mostrou a Gazeta do Povo, para entrar no jantar, cada convidado teve de pagar R$ 500 – o Prerrogativas diz que cerca de R$ 300 mil arrecadados vão bancar cestas básicas para a população pobre. Lula foi presenteado com um troféu, uma toga e um quadro de Cândido Portinari.

No Twitter, Moro postou que foi um jantar “comemorativo da impunidade da grande corrupção”. Marco Aurélio diz que o Prerrogativas não é contra o combate à corrupção, mas a favor de que ele se dê dentro dos limites da lei. “Não podemos, a pretexto de combater a corrupção, esquecer princípios fundantes do Estado de Direito, como o princípio do juiz natural e o princípio da imparcialidade. Não acreditamos que valha tudo, a qualquer custo, em qualquer circunstância, para combater a corrupção”, diz.

Publicado originalmente na Gazeta do Povo.

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