Democracia moderna tem filtros que obstruem o caminho da intolerância ao poder
A democracia moderna é feita de filtros que obstruem o caminho da intolerância ao poder.
Como esses filtros foram destroçados pela crise desde 2014, foi possível a Bolsonaro chegar à Presidência da República.
Com efeito, ele representa efetivamente aquela camada da sociedade brasileira que não encontrava os canais de participação de sua preferência quando o sistema político “funcionava”, por assim dizer.
Contudo, por paradoxal que possa parecer, é esse caráter político antiestablishment o que permite a Bolsonaro abraçar desbragadamente a agenda ultraneoliberal do establishment econômico.
Bolsonaro é o Brasil sem filtros do “quem pode mais, chora menos”.
Não espanta que o racismo também se faça representar. Não que não houvesse parlamentares racistas no passado, pelo contrário. Mas era um racismo enrustido.
O parlamentar racista era descoberto em um descuido. Agora, ele ostenta sua intolerância e estimula seus representados a fazerem o mesmo.
Seguem o líder que estima o peso de quilombolas em arroba e os declara incapazes para o trabalho e a procriação.
Durante a campanha eleitoral, candidatos do PSL destruíram placa em homenagem a Marielle Franco para, segundo Flavio Bolsonaro, restaurar a ordem.
Nessa semana, o cartunista Latuff teve uma charge alusiva ao racismo quebrada por deputados ligados a Bolsonaro. Considerada ofensiva, ela expressava numa imagem os dados do Fórum Brasileiro de Segurança Pública segundo os quais, entre 2017 e 2018, 75,4% dos mortos em intervenções policiais no Brasil eram negros.
No dia do lançamento do seu novo partido, de sugestivo número 38, Bolsonaro encaminha projeto de lei ao Congresso Nacional sobre excludente de ilicitude em que a forte emoção se transforma, não numa licença, mas em um verdadeiro convite para matar.
Pode-se argumentar que nem tudo são pedras no caminho da emancipação dos negros. Algumas sementes plantadas germinaram. O IBGE divulgou um dado formidável sobre educação superior: pela primeira vez na história, há mais negros nas nossas universidades públicas do que brancos. Graças à expansão da rede federal (Reuni) e à unificação do processo seletivo (Sisu e novo Enem) foi dado um enorme passo na direção da equalização das oportunidades em nosso país.
Meu palpite, entretanto, é que, sob Bolsonaro, essa boa notícia fará o racismo recrudescer. Mesmo diante de todas as evidências científicas de que as politicas afirmativas melhoraram a qualidade da nossa educação, os reacionários, nesse ponto, contam historicamente com o apoio dos liberais.
Sejamos antirracistas!
Artigo publicado originalmente na Folha de S.Paulo.
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