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“Responsabilização de advogado por planejamento tributário é intolerável”, diz Luís Inácio Adams

Por Brenno Grillo

As tentativas da Receita Federal de responsabilizar os advogados pelo planejamento fiscal que fazem para seus clientes são algo “intolerável”, afirma o ex-advogado-geral da União Luís Inácio Adams.

Tributaristas têm sido incluídos no polo passivo das ações para cobrança de imposto sob a alegação de que seriam parte interessada no êxito do contribuinte em “burlar” o sistema tributário brasileiro. Para Adams, essa postura do Fisco é anacrônica, pois, se a inclusão é motivada pelo interesse no resultado da demanda, o feitiço vira contra o feiticeiro: “Então a Receita Federal não pode atuar, porque ela também é parte interessada, já que os fiscais recebem pelo trabalho que fazem”.

Agora no setor privado, atuando na área de compliance, o advogado afirma que tudo isso se resume ao modelo adotado pela administração tributária no Brasil, que é “tendencialmente litigioso”. A interpretação das normas pela Receita, continua Adams, é feita “não pensando no equilíbrio da sua aplicação, mas na solução de resultado”.

O sistema administrativo sofre também pela falta mecanismos de uniformização de comportamento, afirma. A solução, diz, em entrevista à ConJur, passa pela criação de mecanismos que limitem a sanha arrecadatória estatal.  E um passo para isso é a criação de um Código de Direito do Contribuinte, como existe nos EUA e no Canadá.

Procurador-Geral da Fazenda Nacional de 2006 a 2009 e advogado-geral da União de 2009 a 2016, Luís Inácio Lucena Adams é sócio do escritório Tauil & Chequer Advogados — associado à banca internacional Mayer Brown — e comanda o trabalho da banca em Brasília.

Leia a entrevista:

ConJur — O relatório Justiça em Números deste ano mostrou que 75% das ações pendentes são de execução fiscal? Como resolver esse problema?
Luis Inácio Adams —
 Os processos de cobrança são muito complicados e pouco eficientes. Acredito também que existe uma ineficiência do sistema na própria administração tributária, porque o processo de interpretação e de aplicação da norma tributária é tendencialmente litigioso. Fazem a interpretação da norma não pensando no equilíbrio da sua aplicação, mas na solução de resultado.

A outra coisa é que o sistema, internamente, carece de mecanismos de uniformização de comportamento. Ou seja, enfrentam na multiplicidade de ações diferentes posicionamentos, e conflituosos, o que faz com que essa realidade na aplicação da norma seja litigiosa. O contribuinte pode até ter sido autuado corretamente, mas se sabe que o vizinho teve uma autuação que foi diferente, quer discutir essa autuação.

ConJur — Essa é uma das críticas dos tributaristas, que muitos fiscais da Receita Federal estão adotando teses diferentes na hora de fazer as autuações.
Luis Inácio Adams —
 Eles interpretam a norma e cada um faz a sua interpretação da norma. O instrumento que eu acho que seria um meio fantástico de uniformização é a consulta. A consulta é o canal de diálogo, que hoje praticamente não existe como realidade. Ele poderia ser um instrumento efetivo de uniformização e pacificação centralizada e ele acaba sendo um uso esporádico de empresas que, inclusive, não se intercambiam. As consultas são contraditórias, muitas vezes. Então acaba-se perdendo mão de um instrumento efetivo.

ConJur — Mas os fiscais da Receita podem usar teses para autuar ou deveriam se ater especificamente às normas?
Luis Inácio Adams —
 Não existe norma que não careça interpretação. Por mais que a administração tributária procure uniformizar isso, a unicidade da norma, a capacidade da norma se autoproclamar é inexistente. Qualquer norma é interpretada. Então, a rigor é qual a leitura que nós fazemos dela e como fazemos que deve ser enfrentada.

A administração tributária normalmente nega que ela faça interpretação, quando, na verdade, faz interpretação o tempo todo. Isso vale para o fiscal também. Ele vai, olha a norma e faz a leitura que ele entende que é mais adequada. E aqui não tem necessariamente um instrumento de má-fé. O que existe é muitas vezes o instrumento de indução, porque ele tem um resultado a apresentar. Em alguns casos, inclusive, com efeitos financeiros para ele.

ConJur — Alguns advogados tributaristas, aliás, estão sendo responsabilizados pelos planejamentos tributários que fazem.
Luis Inácio Adams —
 Essa prática é intolerável, porque a advocacia tem uma proteção constitucional, que garante a liberdade, a imunidade em relação ao exercício de sua profissão. Isso se dá em qualquer fase. Essa imunidade evidentemente não alcança a prática do crime, mas alcança o exercício e interpretação da norma com vistas a orientar um cliente. Isso dá liberdade ao advogado. Ele não pode ser punido por isso. Ele não é o contribuinte, é alguém que presta assessoria.

ConJur — A Receita usa como argumento que o advogado seria parte interessada no planejamento tributário, porque ele recebe em troca desse trabalho.
Luis Inácio Adams —
 Então a Receita Federal não pode atuar, porque ela também é parte interessada, já que os fiscais recebem pelo trabalho que fazem. Em suma, a grande questão é que ao aplicar a lei, inclusive a tributária, ela é suscetível a interpretações. É importante que se entenda que a norma tributária não pode ser lida, primeiro apenas sob arbitrariedade, segundo, focalizada por maior resultado de arrecadação. Ela tem que ser pensada no que ela produz de equilíbrio e justiça.

Um dos elementos chave da revolução americana foi a expressão no taxation without representation. Ou seja, nenhum imposto sem a representação política da sociedade que o institui. Isso não é só uma regra formal de aprovação, ela se vincula ao conteúdo daquilo que se aplica. Se o Congresso, por exemplo, adota uma norma tributária para tributar determinada situação, uma interpretação completamente dissociada dessa finalidade não pode ser estendida discriminadamente para outras finalidades que não previstas. E muitas vezes isso acontece no Brasil.

ConJur — O que acha da reforma tributária que está sendo debatida?
Luis Inácio Adams —
 Vejo com bons olhos a simplificação da base tributária. Acho que todo esforço em reforma tributária é louvável. Um grande problema do Brasil está associado à dependência excessiva do imposto sobre consumo. Isso aparece nas três esferas de governo (municipal, estadual e federal) e faz com que haja uma sobrecarga e uma regressividade muito grande desses tributos. Por causa disso, os mais pobres pagam mais do que os mais ricos. Essa diversidade está muito presente.

É difícil mudar essa realidade considerando o grau de dependência para execução de despesa que o Estado tem. Cerca de 90% do que o Estado tem na sua lei orçamentária é obrigatório. Essa imposição da despesa faz com que o Estado tenha pouca liberdade e flexibilidade para atuar. Objetivamente, vejo que há um descuido, uma desatenção de um outro tipo de reforma que talvez fosse mais eficiente e mais necessária, que é a reforma da administração tributária.

ConJur — Como assim?
Luis Inácio Adams —
 É preciso criar mecanismos que tirem a lógica conflitiva que permeia as relações da administração tributária com o contribuinte, fazendo que os dois lados tenham proposições extremas, um para arrecadar e o outro para pagar. Mas que crie uma sinergia de aproximação, de cooperação, de compreensão. Nas nossas legislações, fala-se que a lealdade é o elemento essencial da relação. Só que isso acaba não sendo considerado nunca, de lado a lado. Por exemplo, o Estados Unidos, o Canadá e outros países já têm o que se chama o Taxpayer Bill of Rights, que é o Código de Direito dos Contribuintes. Esse código existe porque a administração, como exerce um poder, tem que ponderá-lo. E a ponderação se dá pela existência de um contrapeso, de um equilíbrio, de uma limitação. Isso vai pela administração tributária.

Ter regras que obriguem a administração tributária a agir colaborativamente, sem abrir mão da necessidade naqueles casos em que temos que punir, é algo essencial. Por exemplo, aqui no Brasil tenho direito à petição, ou seja, de falar perante a administração. No Taxpayer Bill of Rights dos americanos, a administração tem a obrigação de ouvir o contribuinte. Ele tira o verbo da ação do contribuinte e o repassa para a administração. Ele se dirige não ao comportamento do contribuinte, mas à administração. Ela é obrigada a entender, compreender, resolver e buscar da melhor relação com o contribuinte.

Hoje não se cobra tributo, se cobra multa de 150%, mais 20% de encargo legal, mais custo de capital. Quer dizer, essa acumulação faz com que o passivo fique de tal maneira grande que está quase a dívida ativa e a dívida aberta que a União tem é de R$ 3,3 trilhões. Isso é inaceitável.

ConJur — Então esses sucessivos refinanciamentos podem ser considerados também como um meio de sanar esse erro no sistema?
Luis Inácio Adams —
 Acho engraçado, porque a administração tributária critica o Refis, mas vê na medida uma oportunidade de arrecadação. Então, na verdade, ela incentiva o Refis. E na medida em que ela padroniza, ela incentiva, mantém um volume grande de sanções tributárias, vai incentivar a necessidade desse programa de recuperação.

ConJur — Mesmo que indiretamente?
Luis Inácio Adams —
 Mesmo indiretamente. Porque se justificam o Refis com base no passivo tributário de R$ 3,3 trilhões, em última análise, estão incentivando, como uma necessidade de uma solução para um problema criado pela própria Administração: a adoção de sanções elevadíssimas. Se você pega um parcelamento, a incapacidade de compensação do crédito tributário com dívida da União torna o lógica errada porque a dívida da União também é crédito tributário e não deixou de ser crédito tributário por escrito. Continua sendo crédito tributário e como tal o devedor tem o direito de usar os instrumentos e o mecanismo. E tem para compensar, inclusive aos créditos. Aliás, na Espanha você incentiva a compensação, não desincentiva.

ConJur — Acaba saindo mais barato?
Luis Inácio Adams —
 Para o Estado também, porque o custo da administração reduz. Uma análise é o quanto se usa, o quanto se gasta de tempo, em termos de administração tributária no âmbito do Estado, para coisas que não têm resultado.

ConJur — O que acha da reformulação do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf)?
Luis Inácio Adams —
 Sempre trabalhei como se o Carf fosse um tribunal administrativo. Como tal, não pode ter resultado pré-determinado. Um elemento de um julgamento é a independência de quem julga em relação à organização do júri. E o que vemos, infelizmente, no Carf é uma espécie de voto por bancada. Isso é um problema, porque Carf acaba não agindo de fato como elemento moderador dos excessos da administração tributária, mas apenas como um chancelador.

Acho que é um debate que tem que ser feito na formatação de um tribunal administrativo. Sou a favor que o Estado, não só no direito tributário, mas em todas as gerações de fiscalização e todos os elementos sancionadores, deveria tratar tudo inteiramente em uma instância independente aos órgãos que julgam. A Receita evoluiu nisso, mas outros órgãos ainda não e acabam mantendo um sistema em que as decisões são tomadas por instâncias hierárquicas da própria organização. Quer dizer, a supervisão não é feita de fato por alguém independente. É feita pelo próprio órgão, que faz a sanção e que culturalmente tem interesse, já tem uma percepção sobre isso.

ConJur — O voto de qualidade no Carf deve acabar?
Luis Inácio Adams —
 Não sei se vai acabar, mas há um movimento disso agora na Lei do Refis. Deve ser muito mais útil não tratar o voto de qualidade mas, de fato, reformular e criar uma instância que exerça com independência de todos, em relação a todos nesse processo de julgamento.

ConJur — Então o Carf deveria ser reformulado?
Luis Inácio Adams —
 Tem que ser reformulado, sim. Por exemplo, já propus, na época do presidente Lula, a arbitragem. Em tese, poderia ter o tribunal do Carf como uma instância arbitral também. Outra solução apresentada foi a de o Carf ser uma instância de uniformização, não de julgamento. Não resolveria casos, mas teses, desvinculando a decisão de resultado de casos.

ConJur — Quais são as mudanças mais sentidas pelo senhor ao mudar para o setor privado depois de tanto tempo no poder público?
Luis Inácio Adams —
 É um trabalho diferente, dinâmico e muito exaustivo, porque a demanda é muito grande. Mas, em certo sentido, não é muito diferente do trabalho no setor público. Tem gente que pode se acomodar, ficar lá só operando como alguém de uma lógica cartorária. Mas sempre tive uma atuação muito dinâmica no setor público, me envolvi, fui atrás. Sempre quis ser muito pró-ativo. É a mesma coisa da advocacia. Existem aquelas coisas pequenas e indiferentes, por exemplo, lógica de trabalho, adaptação a uma nova corporação, a um escritório grande. Conviver com a dinâmica dos fluxos de resultado, que são importantes. Mas, a rigor, é um trabalho onde me sinto bem adaptado. Eu gosto.

ConJur — Como está o compliance com o aumento de sua divulgação?
Luis Inácio Adams —
 Compliance é uma palavra um tanto ampla, que ganhou um tom muito relevante no Brasil por causa do combate à corrupção. Mas compliance é ter conformidade. É procurar observar a lei, aplicar a lei, as boas práticas. Não se limita só à observância das normas, ela também envolve condutas. Relacionamento com o consumidor, com o público. O compliance se incorpora não só na necessidade da empresa de lidar com riscos, mas também como elemento da própria base regulatória.

Do ponto de vista da atividade comercial, a observância e o cuidado compliance é um elemento necessário para a atuação de uma empresa. Mais do que isso, ela também se torna um diferencial. Nesse sentido ela tem um valor econômico. Ou seja, sinalizar e ser entendido como um portador de instrumentos, regulamentos, atividades que sejam aderentes ao respeito, ao caráter, à ética e à observância da lei.

ConJur — O compliance virou uma commodity?
Luis Inácio Adams —
 Ele se torna, a partir do exemplo que acabei de citar, uma commodity importante. Mas essa palavra traduz uma coisa que é padronizada, que tem um valor absoluto. Só que o compliance é muito customizado pela realidade empresarial. As companhias não têm os mesmos desafios, mesmo que as regras sejam similares. Mas, em geral, algumas coisas já são mais padronizadas.

Tem que ter muito cuidado aqui, porque empresa confundem compliancecom ter um regulamento. Um elemento central para o processo de conformidade não são só as regras observadas, mas o quanto elas são efetivas dentro da empresa. A efetividade é um elemento essencial. E aqui não é só dar um cursinho de compliance, é de fato instrumentalizar a empresa para internalizar esses comportamentos que ela diz observar.

ConJur — Como trabalhar com compliance em um país conhecido por seu “jeitinho”?
Luis Inácio Adams —
 Atribuir ao jeitinho uma quebra de compliance é uma explicação parcial. O jeitinho é, em algum nível, um instrumento para e fugir da norma. Mas o problema é que esse jeitinho também é uma forma de lidar com uma burocracia estatal, inflexível, formalista e incapaz de compreender a realidade do seu usuário, que é o cidadão. Essa inflexibilidade gera necessidade de soluções para temas emergentes.

Por exemplo, no passado, o governo brasileiro importou múmias do Egito para serem exibidas. Ruy Barbosa era ministro da Fazenda. Só que essas múmias foram bloqueadas na aduana porque não havia código na Receita que identificasse múmia. Portanto, pela ausência de um código, não era possível internalizar aquele carregamento. A este desafio, Barbosa deu um jeitinho muito simples: classificou as múmias como carne seca e as importou como carne seca. É jeitinho.

Evidentemente, o jeitinho, na relação com o Estado, não deve ser incentivado. Mas, ao mesmo tempo, não se pode deixar de olhar que o Estado não tem se colocado na questão de compliance. Ele não parece preocupado em prestar seus serviços.

Quando eu entro com uma petição para requerer algo do Estado, o Estado não pode ficar três anos para responder a minha petição. Ele tem que aceitá-la ou, por um motivo muito fundamentado, recusá-la. Hoje, ele não responde ou se omite. A função do regulador não é ser barreira, mas um adequador das demandas. Isso tem que mudar no Brasil, pois, enquanto não se mudar, haverá espaços para a corrupção e, mais ainda, para o jeitinho.

ConJur — Ao definir regras sobre compliance para o sistema financeiro, o BC acertou ao dar muitos poderes aos conselhos de administração dessas instituições?
Luis Inácio Adams —
 Não é só poder, é responsabilidade. A questão é que a área de compliance corre paralela com a administração. O officer de compliance não é da diretoria da empresa, mas participa do processo de administração. Ele é alguém que se insere ali para orientar a gestão nos melhores aspectos. E aí tem que se reportar para a licença máxima de uma empresa, que é o conselho de administração. Esse é o melhor modelo.

O conselho de administração é uma instância cuja função principal é a de definir estratégias, normas. Ele não participa estritamente do dia a dia do processo decisório, mas traça as grandes linhas, faz grandes decisões estratégicas de uma empresa. Quem faz as decisões do dia a dia é a diretoria, o conselho diretor. A função do compliance é, de fato, dar assessoria a esse conselho.

ConJur —Mas há uma exceção. Quando não houver conselho de administração, as diretorias acabam ficando responsáveis por todo esse arcabouço. Não é um pouco conflitante, porque a diretoria é a parte interessada?
Luis Inácio Adams —
 Na ausência de um conselho de administração, evidentemente o conselho diretor acaba assumindo, absorvendo essa função. O que garante a efetividade do compliance não é necessariamente a quem ele se reporta, mas o grau de estabilidade das condições em que ele pode exercer isso. Quer dizer, ele não é demissível por qualquer razão. Como é que ele se estrutura é que, em última análise, dá a efetividade.

ConJur — A regulamentação do lobby no Brasil pode melhorar as relações entre empresas e governo?
Luis Inácio Adams —
 Muito. A existência de uma regulamentação tira essa atividade, que antes não era importante, das sombras. É preciso compreender que a atividade de lobby é inerente a uma democracia em qualquer relacionamento do Estado. Ninguém reclama que o lobista de determinada comunidade vai ao Congresso defender algumas leis. Mas ele faz, e isso é lobby. Os índios ou os caminhoneiros, quando fazem protesto, é uma forma de lobby. Todas essas manifestações que procuram influenciar o processo decisório do Estado são atividades de lobby.

Mas há outras faixas de atuação que são parte do que se chama conceito de advocacy republicano, que é advogar para interesses, para projetos. Dentro desse conceito, a regulação dessa atividade tem um elemento benéfico exatamente por trazer uma dimensão de somar a oportunidade e permitir que as pessoas que fazem isso o tempo todo possam fazer em continuidade própria da atividade. Seja ele representante do Ministério Público Federal, ele faz lobby, seja ele representante de comunidades indígenas, quilombolas, ambientais ou de empresas.

ConJur —Como o setor privado está lidando com a leniência?
Luis Inácio Adams —
 Existe uma disputa conceitual ainda sobre a figura leniência. E legal também.

ConJur — Como assim?
Luis Inácio Adams —
 Por exemplo, o Tribunal Regional Federal da 4ª Região tomou uma decisão recente dizendo que o Ministério Público não tem competência para solitariamente assinar o acordo de leniência no âmbito de uma ação de improbidade. Em tese, até isso foi um alargamento que o tribunal fez, porque a lei de improbidade é proibitiva contra o acordo. Portanto, coloca-se em questão se o órgão poderia fazer acordo. Esse é um processo ainda em questionamento, em discussão.

De qualquer maneira, o fato é que está caracterizado que o instrumento de pactuação de conduta é central no combate à corrupção. É insuficiente e até ineficiente simplesmente sancionar a empresa com multas e mais multas até o ponto de ela fechar. A empresa, como sempre dizem, é um complexo de atores, sejam empregados, fornecedores, prestadores ou demandantes de serviço, investidores, fundos. Então quando, em última análise, regulariza a situação dessa empresa, você aposta também no modelo de preservação do próprio sistema. Quanto maior a empresa, mais o sistema é afetado.

ConJur — E é aí que entre o discurso de que o combate à corrupção não pode inviabilizar a atividade econômica?
Luis Inácio Adams —
 O combate à corrupção não pode ser inviabilizar a atividade econômica, mas isso não significa dizer que “para a empresa sobreviver, precisa admitir a corrupção”. Não é isso. Precisa combater a corrupção, sim. A questão é que esse combate se dá pela colaboração e, fundamentalmente, pela mudança de parte da empresa. E os acordos permitem fazer isso de maneira regrada e efetiva. Então é possível, com um acordo, fazer um processo de monitoramento do comportamento da empresa, ver quais são as práticas que ela adotou, como ela instrumentalizou isso, qual o treinamento que ela deu, como  seus funcionários estão agindo e como seus agentes estão operando.

Texto publicado originalmente no Consultor Jurídico.

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