Por Tânia Maria Saraiva de Oliveira
Quando a Associação Brasileira de Juristas pela Democracia (ABJD) apresentou Representação contra o ex-juiz e ex-ministro de Bolsonaro, Sérgio Moro, questionando o verdadeiro caráter de sua relação com a empresa de consultoria estadunidense Alvarez & Marsal, já havia identificado a contradição existente entre as informações que constavam oficialmente no site da empresa em 30 de novembro de 2020, que anunciava a chegada de Moro como sócio-diretor, e o que era afirmado por ele publicamente, que estaria sendo contratado para prestação de serviços de consultoria.
“Moro acusa o subprocurador do MP de abuso de poder e perseguição pessoal contra ele”
Em outra seção do mesmo site, o Our People (nossa equipe), Moro aparece identificado como managing diretor (diretor-gerente), sem qualquer menção como consultor.
Esse, no entanto, parece ser apenas um dos aspectos nebulosos e incongruentes dessa contratação. Tudo indica que podemos estar apenas na ponta do fio desse novelo, e de uma teia de mentiras para encobrir uma relação nada republicana.
Informações desencontradas
O advogado Rodrigo Tacla Duran revelou, na última sexta-feira (4), por meio de sua conta no Twitter, uma nota fiscal no valor de R$ 811.980, datada de 17 de fevereiro de 2021, emitida por Sergio Moro à A&M Consultoria em Engenharia Ltda., um braço da Alvarez & Marsal que, pelo que afirmado publicamente tanto por Moro como pela empresa, não possuía nenhuma relação com os serviços dele como consultor.
Aparentemente, contratante e contratado se esqueceram de combinar o jogo das respostas públicas. Questionado, Moro disse se tratar de um “erro material” na emissão da nota fiscal, enquanto a empresa afirmou que o ex-juiz “teve sua prática originalmente estruturada no Brasil na A&M Consultoria em Engenharia e em seguida foi transferida para A&M Disputas e Investigações”.
O Ministério Público junto ao Tribunal de Contas da União (TCU) aponta que Moro não apresentou cópia na íntegra dos dois contratos firmados com a A&M, sua declaração de saída definitiva do Brasil, a avaliação da existência de visto americano para trabalho nem a averiguação da tributação pelo lucro real da empresa. Aponta, ainda, a suposta utilização da “pejotização” de Moro para reduzir a tributação incidente sobre o trabalho. Foi com base nessa suspeita de sonegação que o subprocurador Lucas Rocha Furtado solicitou, também na sexta-feira (4), ao ministro Bruno Dantas a indisponibilidade dos bens de Moro.
Por seu turno, diante da negativa para se obter diretamente informações, Dantas enviou ofícios às empreiteiras investigadas na operação Lava Jato, que fecharam acordos de leniência com o governo, como a Odebrecht e a OAS, para que listem todos os serviços de consultoria que contrataram desde 2014, ano em que a Lava Jato teve início, a fim de verificar se esses contratos aumentaram em volume à medida em que a operação avançava.
A hipocrisia do personagem central
Nesse emaranhado de desinformações, evidencia-se, além da necessidade do aprofundamento das investigações para se chegar à verdade dos fatos, a hipocrisia do personagem que tem dificuldade de se despir do antigo papel em que usava o poder de um cargo público para blindagem e posava de herói e arauto da moralidade, enquanto praticava toda sorte de ilegalidades para julgar e condenar adversários.
Sérgio Moro, o juiz, acatava qualquer argumento de convicção para aceitar denúncias e abrir ações penais contra indivíduos que ele considerava culpados em princípio. Sérgio Moro, o político, comporta-se como um cidadão que, diferentemente dos demais, não se sente obrigado a comprovar as exigências legais de sua conduta e atuação profissional.
Sérgio Moro, o juiz, entre várias coisas ao arrepio do devido processo legal, grampeou escritórios de advogados que representavam investigados, divulgou interceptações ilegais e se apresenta, até hoje, como “condutor” de uma operação de investigação, esquecendo-se que juiz não conduz nada, tem o dever da imparcialidade e analisa os fatos trazidos pelas partes sem opinião prévia sobre eles. Sérgio Moro, o político, acusa o subprocurador do Ministério Público junto ao TCU de abuso de poder e perseguição pessoal.
Não fosse a voz de um homem que se pautou e atuou na politização, seletividade, arbitrariedade e casuísmo na condução de processos penais, a gritaria de Moro poderia chamar alguma atenção.
A máscara caiu
O que ocorre é que sua máscara caiu há algum tempo até para os mais desavisados, e um tensionamento exigindo regras que nunca cumpriu não atrai nem a simpatia dos mais garantistas.
Sua fala de perseguido por um membro do Ministério Público e por um juiz do Tribunal de Contas, que apenas tentam revelar as circunstâncias obscuras de um contrato de interesse público, situa-se no campo do discurso cínico e falacioso de quem sempre se sentiu acima da lei. A distorção da realidade em que seria vítima mostra a empáfia de quem não entendeu ainda que adentrou a arena da disputa democrática, que não é mais vitrine, e sim vidraça.
Artigo publicado originalmente no Brasil de Fato.
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