Por Igor Sant’Anna Tamasauskas e Sebastião Botto de Barros Tojal
Escrevemos no calor do momento e sem conhecimento de todos os elementos em debate. Apesar do desafio – e certa imprudência – o fazemos porque o tema exige posição.
Como um contrato, o acordo de leniência necessita de estabilidade quanto ao que foi pactuado. Há obrigações públicas e privadas que precisam ser observadas, sob pena de revisão do ajuste ou a sua rescisão. Como qualquer contrato, pois.
Há um problema na concepção da Lei Anticorrupção: o acordo de leniência surgiu durante as discussões no Congresso sem, contudo, disciplinar a articulação entre os órgãos.
Apesar disso, MPF, CGU e AGU começaram a sincronizar suas atuações – não sem conflitos – e celebraram meia centena de acordos de leniência. Essa práxis construiu duas modalidades: um acordo do Ministério Público, com regras próprias; e o acordo de leniência previsto na lei, celebrado por CGU/AGU. Em casos mais recentes, tanto MPF quanto CGU/AGU estabeleceram um desejável consenso, firmando-se único instrumento, subscrito pelos três órgãos.
Recentemente, esse notável aprendizado para a sincronia parece ameaçado. Conta-se que haveria estudos sobre um “balcão único” para as negociações. Se essa dificuldade houve e foi um enorme entrave para muitas negociações, o sistema aprendeu a lidar com ela e criou alternativa com razoável segurança.
O problema é outro. Na verdade, sempre foi. A questão reside na necessidade de respeito ao pactuado pelo Estado. Se a pluralidade de instituições foi uma opção para enfrentar a corrupção, não se pode admitir que essa mesma pluralidade seja utilizada para não cumprir o acordado. O problema dos acordos de leniência reside na resistência ao pactuado. Às vezes, até mesmo no âmbito da instituição que o celebrou. E disso o “balcão único” não trata.
E tampouco trata da resistência em lidar com acusações de desvios durante as negociações de acordos, quer por parte do particular, quer por autoridades. Seja pela via da imposição das cláusulas contratuais, seja pela via correicional, esse tipo de questão não pode contaminar o debate da essência do instituto. Descumprimentos contratuais ou desvios funcionais devem ser apurados e sancionados.
Há, sem dúvida, um problema institucional relacionado ao assunto. Mas esse problema remonta à Constituição, que impõe diversos órgãos atuando sobre o assunto: Tribunal de Contas, este jamais como celebrante de acordo, Ministério Público e Advocacia Pública. Não serão leis ou acordos de cooperação que resolverão o problema de sobreposição de atuações.
Se não podemos mexer em cláusulas constitucionais que não podem ser alteradas, nem tudo se encontra perdido. Tendo como exemplo a própria experiência de alinhamento nesses quase seis anos de vigência da Lei Anticorrupção, parece-nos que o esforço deveria ser direcionado ainda mais ao diálogo e à sincronização da atuação dos órgãos envolvidos.
A preocupação inicial – do “balcão” para início das negociações – parece já ter se endereçado. O cumprimento do acordo, a utilização de elementos de prova por órgãos que não participaram diretamente do ajuste see o papel dos Tribunais de Contas sobre os acordos, para citar três exemplos, vêm despertando preocupações.
Os esforços deveriam ser destinados a sincronizar essas atuações. Fazer com que todas as estruturas governamentais que lidam com o acordo de leniência, ou com a sua execução, alinhem suas expectativas para que as negociações já contemplem o maior número possível dessas questões. O problema não é – ou não deveria ser – de protagonismo e de hierarquia, até porque não cabe tratar de hierarquia em um sistema policêntrico como o nosso.
Sem essa visão, de respeito ao desenho institucional de cada órgão envolvido, estimulando-os a sincronizar em torno do acordo, pensamos que haverá ainda mais insegurança jurídica, contrariando a lógica que inspira esse modelo negocial.
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