Por Débora Quaiato
Nostalgia é um sentimento intenso.
Crescer, passar por um mar de vidas tão fugazes sem que nem ao menos se receba um aviso de que aquele minuto feliz, aquela caminhada tranquila ou o olhar distante nunca mais voltarão sempre me pareceu tão… Injusto.
“Mas olha, mulher…”, você vai dizer, “Sempre nos dizem para aproveitar cada segundo como se fosse o último!”. E com razão. É o tão famoso carpe diem, colha o dia, seja intenso – readaptado para toda nova geração como algo inédito e profundo. Mas a diferença para mim é clara: eu sempre aproveitei a intensidade da vida. Jamais posso dizer que deixei de viver momentos oportunos por mera escolha. É claro, a vida tem seus altos e baixos, mas foi na intensidade que me descobri viva, inteira, mulher.
Não é a intensidade de viver que me preocupa… É a saudade do viver. É aquele carinho doce que recebia da voz de minha mãe sempre que me cantava o hino dos marinheiros. É a praia que me queimou tão forte que até hoje, se eu fechar os olhos e me concentrar bem, consigo sentir na pele o ardido. É a vó que limpava a casa das 5h às 15h e depois parava para o café fofocante na rua. É a imagem que gravei na mente de tudo que me transpassou, me marcou e – fugaz como sempre é – passou.
A saudade de quem fui, de quem aprendi a ser e de quem me neguei lembrar. Mas lembrei. E, para minha surpresa, lembrei com um sorriso cansado. Sorriso de quem não sabe mais para onde é que foi toda aquela força e o que fazer com toda essa intensidade macia que assusta e que arranha. A nostalgia me segura como quem já cansou e esqueceu e lembrou e doeu.
Dói da mesma forma quando penso no ainda vai vir. Vivo o desespero do momento, a ânsia do futuro, com saudade do que se foi e sem digerir, nem por um segundo, que o aqui é onde eu deveria estar. As coisas bonitas? Me atraem, mas passam. Os sentimentos belos? Me acalentam (brutais!), mas sempre parecem chegar ao fim. O amanhã é um talvez e o passado já não importa mais para aqueles que passaram pelo final.
Falando em fim, sinto que é só nele que a minha intensidade toda vai fazer sentido. Mais do que isso, só no final vai deixar de assustar essa carapuça de coração mole que a acompanha. A dualidade de ser eu, ser mulher, ser força e veneno – e ao mesmo tempo ser sutil, ser carente, ser… Frágil.
Eu canso de me esconder, de me ajustar por temer que se cansem de mim. Entristeço ao me diminuir por pensar que é só assim, pelas entrelinhas, que poderei conquistar espaço. Morder pelas beiradas nunca foi o que quis, mas, para minha surpresa, foi tudo que fiz quando deixei quem eu era para trás. Eu sabia que recolher o intenso para dentro não seria fácil e que a explosão viria na certa. Mas me parecia ser tão inútil expor essa força toda sem que houvesse um porquê…
A nostalgia hoje me engasga como se todo o passado tentasse sair pela boca. E aquela que fui, que tentei me esquecer, me desafia com com olhar profundo.
O porquê da intensidade ainda não achei, mas sei que nasci com a força de mãe dentro de mim. Tenho um sangue que faz questão de aparecer num ciclo infinito e me lembrar que eu tenho coragem, que tenho corpo e que a alma por dentro não vai se calar. A memória de tudo que não vivi me faz querer ser parte daquelas que abriram o rumo para mim. E aos poucos aprendo a me abrir, a lutar e me impor de novo – ainda dual, ainda incerta, mas com a vontade de fazer com que a nostalgia me abrace e não me deixe nunca mais esquecer quem decidi ser agora.
Débora Quaiato Gomes é graduanda de Direito da Universidade Federal de Minas Gerais, estagiária do escritório Yuri dos Santos Advocacia e pesquisadora no Grupo de Pesquisa em Sociedade da Informação e Governo Algoritmo – SIGA.
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