Foi em 3 de maio de 1933, na eleição para a Assembleia Nacional Constituinte, que as mulheres brasileiras, pela primeira vez, puderam votar e serem votadas a nível nacional. Entretanto, somente 85 anos depois, nas eleições 2018 para a Câmara dos Deputados, as mulheres atingiram o maior espaço por elas já ocupado na Câmara, isto é, atingiram 15% dos assentos. Porcentagem essa que se encontra muito abaixo da média internacional, que atualmente é de 24,1% nas casas baixas dos Parlamentos (INTER-PARLIAMENTARY UNION, 2018, p.1), assim como também bem abaixo da média das Américas, que é de 30,3% nas casas baixas dos Parlamentos (INTER-PARLIAMENTARY UNION, 2018, p.1).
Se, em um primeiro momento, a luta das sufragistas foi pelo reconhecimento da possibilidade jurídica e constitucional das mulheres votarem e serem eleitas, os desafios históricos permaneceram, na medida em que uma série de contingências sociais incidem sobre a possibilidade fática das mulheres exercerem seus direitos políticas em condições materialmente iguais às dos homens. É nesse contexto que foi proposta a reserva de vagas por sexo nas eleições proporcionais (para a Câmara dos Deputados, Assembleias Legislativas e Câmaras dos Vereadores).
Em 2009, a Lei n. 12.034/2009 conferiu a atual redação para a reserva de vagas, alterando o §3º do art. 10 da Lei n. 9.504/1997: “§3o Do número de vagas resultante das regras previstas neste artigo, cada partido ou coligação preencherá o mínimo de 30% (trinta por cento) e o máximo de 70% (setenta por cento) para candidaturas de cada sexo”.
Em que pese as tentativas de neutralizar os efeitos da Lei de Reserva de Vagas a partir da redação conferida pela Lei n. 12.034/2009, restou imperativa a obrigatoriedade do efetivo registro de um percentual mínimo de 30% de candidatos de cada sexo, por cada partido ou coligação. Ressalte-se que, na prática, isso tem significado o registro de um máximo de 30% de candidatas mulheres para a maior parte dos partidos ou coligações. Por mais que os números brutos de mulheres registradas como candidatas à Câmara dos Deputados têm aumentado, o número de candidatos homens também tem crescido, de modo que têm sido mantidas, nas eleições posteriores à Lei 12.034/2009, a média de 30% de candidatas mulheres, com algumas leves variações a depender do partido político ou coligação.
Não obstante, o ano de 2018 trouxe mudanças na compreensão das implicações práticas da Lei de Reserva de Vagas, que passou a ser efetivamente passível de ser compreendida a partir do gênero, e não exclusivamente do sexo. Considerando essas fragilidades da Lei de Reserva de Vagas, tem-se que, em março de 2018, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) pronunciou-se em relação a uma consulta feita pela Senadora Fátima Bezerra (PT-RN), indicando que a reserva de vagas deve ter como base o gênero das candidatas e dos candidatos e não o sexo biológico. Nesse sentido, as candidatas e os candidatos transgênero devem ser considerados de acordo com o gênero com que eles se identificam. Ademais, também em março de 2018, o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu, no julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) n. 5.617, “que a distribuição de recursos do Fundo Partidário destinado ao financiamento das campanhas eleitorais direcionadas às candidaturas de mulheres deve ser feita na exata proporção das candidaturas de ambos os sexos” (STF, 2018, p. 1), considerando inconstitucional a previsão de reserva de 5 a 15% dos recursos do fundo partidário para candidaturas de mulheres, como inicialmente previsto no art. 9º da Lei 13.165/2015. E, ainda em 2018, o TSE, a partir da decisão do STF na ADI 5.617, foi instado a se pronunciar sobre os efeitos da Lei de Reserva de Vagas para os recursos do Fundo Eleitoral e para a distribuição do tempo nas campanhas eleitorais gratuitas na TV e no rádio. Essas decisões mostram-se essenciais para a compreensão da atual conformação da Lei de Reservas de Vagas e já trouxeram reflexos nas eleições para a Câmara dos Deputados de 2018.
Desde que foi promulgada a Constituição de 1988, ocorreram 8 eleições para a Câmara dos Deputados no Brasil, em 1990, 1994, 1998, 2002, 2006, 2010, 2014 e 2018. Com base nos dados e estatísticas divulgados no site do TSE[1], observa-se que nas primeiras eleições para a Câmara dos Deputados ocorridas no período democrático, em 1990, elegeram-se apenas 28 mulheres como deputadas federais, em contraste com os 474 homens eleitos. Em 1994, de um total de 185 candidatas, foram eleitas 32 deputadas federais. Em contrapartida, foram 2.824 candidatos, dos quais 481 eleitos. Nas eleições de 1998, houve um aumento considerável no número de candidatas à Câmara dos Deputados, um total de 348, das quais 29 foram eleitas. Em relação aos homens, nessas eleições foram 3.009 candidatos a deputado federal, dos quais 484 eleitos. Em 2002, ocorreu um primeiro crescimento mais significativo no número de deputadas federais eleitas. Foram 480 candidatas, das quais 42 elegeram-se. Nesse mesmo ano 3.707 homens candidataram-se para a Câmara dos Deputados e 471 foram eleitos. Em 2006, foram 626 candidatas à Câmara dos Deputados, sendo que 45 se elegeram, e 4317 candidatos, dos quais 468 foram eleitos. Já em 2010 verificou-se novamente um significativo aumento do número de candidatas, que passou a 933, o que não alterou o número de deputas federais eleitas, que se manteve em 45. Enquanto isso, nesse mesmo ano foram 3954 candidatos, dos quais 468 foram eleitos. E em 2014 o número de candidatas à Câmara dos Deputados e de deputadas federais eleitas cresceu novamente de forma mais significativa, 1722 e 51, respectivamente. Em contrapartida foram 4.146 candidatos e 462 deputados federais eleitos. Nas últimas eleições para a Câmara dos Deputados, em 2018, foram 2419 candidatas tendo sido verificado o maior número de candidatas eleitas, que chegou a 77. Em contrapartida, foram 5206 candidatos, dos quais 436 eleitos.
Esses números trazem indicativos interessantes quando combinados com as alterações legislativas e de políticas públicas ocorridas no período, relacionadas à participação das mulheres na política.
O primeiro aumento mais significativo do número de candidatas ocorre das eleições de 1998, o que pode ser explicado pela Lei n. 9.100/1995 que, pela primeira vez, determinou a reserva de vagas nas listas partidárias para cada sexo e pela subsequente Lei n. 9.504/1997, que conferiu a redação inicial da Lei Reserva de Vagas por Sexo. Esta, em seu art. 10, §3º que cada partido ou coligação deveria reservar o mínimo de 30% e o máximo de 70% para candidaturas de cada sexo. Nesse ponto, cumpre retomar que os partidos e na sequência os tribunais eleitorais aplicaram o entendimento de que exigir a reserva das vagas na lista partidária não implicaria a obrigação de preencher essa cota de vagas ao registrar os candidatos. Isso, uma vez que o fato de as vagas estarem reservadas não implicaria haver o interesse de um número suficiente de pessoas para ocupá-las. Coincidentemente, eram as vagas destinadas às candidatas mulheres que não eram completamente ocupadas por falta de um número suficiente de mulheres com interesse em se candidatar. Daí no período não ser verificado o percentual mínimo de 30% de candidaturas de cada sexo.
A partir de 2010, e consequentemente a partir da entrada em vigor da Lei n. 12.034/2009, os aumentos foram mais contundentes, mas, mesmo antes, o número de candidatas já se encontrava em crescimento. Não obstante, mesmo em 2010, quando a Lei 12.034/2009 já havia alterado a redação da Lei de Reserva de Vagas de modo a tornar obrigatório o efetivo registro de 30% de candidaturas de cada sexo, o número de candidatas ainda não atingiu esse percentual mínimo. Note-se, contudo, que, em 2010, o número de candidatos sofreu uma redução, uma vez que agora ele deveria estar atrelado ao percentual de candidaturas de mulheres. Somente em 2014, quando os tribunais eleitorais já consolidavam sua jurisprudência no sentido de não deferir os DRAPs de partidos que não cumprissem com os percentuais mínimos da Lei de Reserva de Vagas, que o percentual de candidatas chegou bem próximo dos 30%. E nas eleições de 2018 chegou a superar ligeiramente esse mínimo exigido.
Entretanto, observa-se que, apesar da Lei de Reserva de Vagas ter proporcionado um crescimento contínuo do número de candidatas, ela não impactou da mesma forma o número de candidatas eleitas. No primeiro ano em que a lei esteve em vigor, 2010, não houve qualquer alteração no número de deputadas federais eleitas, apesar do significativo crescimento do número de candidatas, e nas eleições seguintes, em 2014, houve um aumento de 6 deputadas federais eleitas, que, apesar de ter sido o segundo maior aumento verificado no período democrático, não é muito diferente do ritmo de aumento que vinha sendo verificado nas eleições anteriores.
De 2014 para 2018 foi a ocasião em que se verificou o maior aumento do número de candidatas eleitas no lapso de uma eleição. Esse dado mostra-se relevante, especialmente quando se considera as alterações relacionadas à interpretação da lei de reserva de vagas exaradas pelo TSE e pelo STF no início de 2018, sendo aplicáveis já ao pleito deste ano. Essas alterações consistem na interpretação da lei de reserva de vagas como sendo baseada no gênero e na necessidade de a reserva de vagas também implicar a reserva proporcional de recursos do Fundo Partidário e do Fundo Eleitoral e do tempo da propaganda eleitoral gratuita. Essas decisões do STF e do TSE conferiram maior materialidade à Lei de Reserva de Vagas por Gênero, na medida em que se assegurou, em alguma medida, o acesso das candidaturas das mulheres aos recursos financeiros necessários ao sucesso de suas campanhas. Portanto, evidencia a necessidade da instituição de incentivos para que os partidos não apenas apresentem candidaturas de mulheres, mas que dotem essas candidaturas de condições materiais para que obtenham sucesso.
Contudo, o fato dos recursos tanto do Fundo Partidário como do Fundo Eleitoral serem escassos indicam que as medidas em questão podem não se mostrar suficientes para a efetivação de alterações mais profundas na composição da Câmara dos Deputados. Assim, mostra-se necessária a adoção de políticas relacionadas à reserva de vagas no próprio parlamento e não apenas nas candidaturas dos partidos políticos, como forma de garantir que a presença das mulheres aumente não apenas como candidatas, mas também como candidatas eleitas. Isso, uma vez que compeliria os partidos políticos a investirem em candidaturas de mulheres, sob pena de deixarem de concorrer a uma parcela dos assentos do Legislativo.
[1] Mais informações disponíveis em: < http://www.tse.jus.br/eleitor-e-eleicoes/eleicoes/eleicoes-anteriores/eleicoes-anteriores>.
INTER-PARLIAMENTARY UNION. Women in National Parliaments: World Average, Regional Averages. 2018. Disponível em: <http://archive.ipu.org/wmn-e/world.htm> Acesso em 05 de janeiro de 2019.
STF – SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. ADI 5617, Relator(a): Min. EDSON FACHIN, Tribunal Pleno, julgado em 15/03/2018, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-211 DIVULG 02-10-2018 PUBLIC 03-10-2018. Disponível em <http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/listarJurisprudencia.asp?s1=%28ADI+E+5617%29&base=baseAcordaos&url=http://tinyurl.com/y9w8g5ab> Acesso em 24/11/2018.
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TSE – TRIBUNAL SUPERIOR ELEITORAL. Eleições Anteriores. Disponível em: <http://www.tse.jus.br/eleicoes/eleicoes-anteriores/eleicoes-anteriores> Acesso em 10 de outubro de 2018.
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