Se Sergio Moro assumisse no ministério da Justiça a mesma dinâmica que impõe para defender o clã Bolsonaro, o Brasil estaria melhor representado.
Quem afirma é o advogado Marco Aurélio de Carvalho, especializado em Direito Público e fundador do Grupo Prerrogativas.
Nesta entrevista ele fala do crime cometido por Hans River contra a repórter Patrícia Campos Mello, da Folha, e diz que, ao endossar a mentira, Eduardo Bolsonaro, deputado e filho do presidente, deve responder por crimes praticados contra a honra da Jornalista, na esfera cível e criminal, assim como o depoente.
Sobre Bolsonaro, diz que não há, na história, qualquer paralelo com o que estamos vivendo. “O Presidente se comporta como um inimputável, com o beneplácito de parte da imprensa e da opinião pública”.
Confira a entrevista:
Diário do Centro do Mundo – Hans River cometeu crime no seu depoimento a CPMI das Fake News?
Marco Aurélio de Carvalho – Ele prestou depoimento sob juramento, em uma Comissão Parlamentar Mista de Inquérito. Deveria, pois, ter dito a verdade. O Código Penal estipula que o falso testemunho em processo judicial ou em inquérito é crime, com pena prevista de 2 a 4 anos de reclusão, sem prejuízo da aplicação de eventuais multas. O Regimento do Senado Federal é claro: a inquirição de testemunhas em Comissões Parlamentares deve seguir o estabelecido na legislação processual penal do país.
DCM – Ao dizer que a jornalista Patrícia Campos Mello, da Folha, sugeriu trocar sexo por informação, e não provar, ele cometeu qual ilícito?
MAC – Os ataques levianos e sexistas disparados contra a Patrícia são uma inequívoca ofensa à liberdade de imprensa, à mulher e à Democracia. Devem ser rigorosamente punidos.
DCM – O deputado Eduardo Bolsonaro endossou a fala do depoente e a difundiu nas redes. Isso é passível de punição?
MAC – Eduardo, com a responsabilidade de um mandato popular, jamais poderia ter difundido informações sabidamente falsas a respeito de quem quer que seja. Deve responder por crimes praticados contra a honra da Jornalista, na esfera cível e criminal. Assim como o depoente Hans River. A matéria deve ser analisada pelo Conselho de Ética da Câmara dos Deputados também. Um mandato parlamentar jamais poderia ser utilizado de escudo para o cometimento de delitos desta ou de qualquer outra natureza.
DCM – Agora o líder do governo na Câmara quer convocar a jornalista para depor na CPMI. Isso é legal?
MAC – Ameaçar a imprensa é um claro e grave ataque à Democracia. O líder do Governo jamais poderia convocar a jornalista para prestar esclarecimentos em relação a fatos sabidamente falsos e desonrosos que lhe foram atribuídos covarde e criminosamente. Deveria, ao contrário, promover uma sessão de desagravo à jornalista e à imprensa de um modo geral.
DCM – A prática recorrente dos parlamentares da base bolsonarista é enxovalhar todo e qualquer assunto que não interesse para a pauta do grupo. Qual sua opinião sobre esse tipo de conduta?
MAC – A atividade parlamentar vive, hoje, um dos mais tristes momentos de sua história. Cada vez mais afastada do interesse público. As práticas diversionistas têm claro objetivo de tirar dos olhos da opinião pública o que de fato é importante e fundamental. Polêmicas são criadas ao sabor e ao calor das conveniências. Distraída, a população nem chega a ser dar conta da gravidade dos retrocessos que a pauta legislativa, e em especial a econômica, lhe impõe. Dias tristes para o país. Marchando apressadamente para o passado.
DCM – O brasileiro não consegue distinguir mentira de verdade. A quem compete essa função de vigiar o Legislativo: polícia, Justiça, MP?
MAC – O Legislativo, assim como os demais poderes, deve ser fiscalizado no exercício de suas funções típicas e atípicas. Ao Judiciário, em especial, devem ser levadas as questões relacionadas a eventuais desvios cometidos por parlamentares no exercício destas atribuições. Sem prejuízo de eventuais investigações que possam ser promovidas pela Polícia Federal, ligada ao Ministério da Justiça.
DCM – O próprio presidente vive dizendo inverdades. A quem compete pôr um freio nele?
MAC – Não há, na história recente do país, qualquer paralelo com o que estamos vivendo. O Presidente se comporta como um inimputável, com o beneplácito de parte da imprensa e de parte da opinião pública. Por suas mentiras reiteradas, e também por seu destempero e desapego à liturgia das funções que abraçou, Bolsonaro deveria dar satisfações ao Supremo Tribunal Federal, ao Congresso Nacional e ao povo brasileiro.
DCM – Qual sua avaliação sobre o Estado Democrático de Direito no Brasil?
MAC – Vivemos um momento delicado que requer atenção da comunidade jurídica em especial. O golpe parlamentar de 2016 abriu uma fissura no ordenamento jurídico através da qual outros golpes estão sendo dados em direitos e garantias fundamentais. A fragilização de conceitos jurídicos importantes, como a presunção da inocência, a vulgarização de outros tantos, o avanço do estado penal punitivo, levam a um momento de extrema preocupação. Passou da hora de soar um alarme.
DCM – Qual sua opinião sobre a conduta de Sergio Moro no comando do ministério da Justiça?
MAC – Ele tem conduzido a pasta com absoluta parcialidade, pouca transparência e nenhum republicanismo. Talvez herança dos tempos em que funcionou como juiz em Curitiba. No ministério, reproduz esse modus operandi. A análise da comunidade jurídica é de que ele está perdido. Não se encontrou no cargo. A sensação é de que está apenas esquentando a cadeira, esperando ser indicado para uma vaga no STF. Moro fala muito e faz pouco. Se atuasse com a desenvoltura com que atua na proteção do clã Bolsonaro, o resultado seguramente seria outro.
DCM – Qual a sua opinião sobre a condução, por Moro, da execução do miliciano Adriano da Nóbrega nesta semana no estado da Bahia?
MAC – É um caso inédito na história do Brasil. Um ex-policial condenado que inclusive foi homenageado reiteradas vezes pela família do presidente. Tudo leva a crer que foi queima de arquivo. Fundamental para o pais e para as instituições que esse assunto seja esclarecido. Uma pena que o ministro da Justiça tenha adotado o silêncio diante de um assunto tão grave. Esperávamos um outo tipo de postura. Moro entrou pequeno no cargo e está ainda menor.
DCM – Essa atual conjuntura caótica do pais é parte do processo ou uma distorção da democracia?
MAC – Está aí um desafio para o fortalecimento das nossas instituições. O Tribunal Superior Eleitoral frente ao avanço das fake news, por exemplo, tem de assumir responsabilidade, agir de forma dura para repreender essas práticas, provocando um cenário de maior equilíbrio entre os atores sociais e políticos. Aparentemente estamos diante de uma conjuntura insolúvel, mas com dedicação e tempo o Brasil vai conseguir sair dessa. É um ciclo que certamente vai passar.
Entrevista publicada originalmente no Diário do Centro do Mundo.
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