Por Simone Freire
Segundo advogada e pesquisadora Dina Alves, o pacote “é antidemocrático, inconstitucional e antinegritude em todos os seus aspectos”
Mais prisões, mais penas em regime fechado, menos acesso a recursos e menos prescrição de crimes. Estas são algumas das medidas do pacote do ministro da Justiça, Sérgio Moro, apresentado nesta segunda-feira (4) para governadores e secretários de Segurança Pública.
A iniciativa segue as promessas de campanha do presidente Jair Bolsonaro (PSL), cujo discurso conservador ganhou as últimas eleições, levando também um grupo significativo de legisladores para a Câmara e o Senado Federal.
No entanto, o pacote é visto com temor por especialistas, defensores dos direitos humanos e militantes do movimento negro. Isso, porque as novas medidas, ao que indicam, devem afetar, majoritariamente, a população negra e periférica do país.
Para falar sobre o assunto, o Alma Preta entrevistou a advogada e pesquisadora Dina Alves, cujo estudo explora o sistema carcerário no Brasil pelo viés interseccional. “A licença para matar faz parte prioritária do Governo de Bolsonaro. Sérgio Moro é apenas um garoto de recado da Justiça para formalizar e democratizar o genocídio antinegro”, diz.
Confira a entrevista:
A população negra e periférica nisso tudo
O pacote anticrime de Moro é contrário aos movimentos sociais, especialmente ao movimento negro, porque expressa uma gestão de segurança pública fundado na antinegritude. Um pacote com a promessa de recrudescimento de penas, fato que piora as condições de progressão de regime, aumenta a população carcerária, a letalidade de jovens negros e pobres por intervenção policial, aumento da pobreza e das taxas de vulnerabilidades sociais.
As prisões estão lotadas e sabemos que os crimes que mais motivam prisões são patrimoniais e drogas, que somados atingem cerca de 70% das causas de prisões. Quem são presos como traficantes são na maioria jovens e mulheres negras que trabalham no varejo da economia ilegal. São estas pessoas as atingidas pelo pacote necropolítico de Moro.
Ponto a ponto
O ponto do projeto sobre o alargamento dos pressupostos penais para dar carta branca para a polícia matar mais, em outras palavras, é para formalizar as mortes com amparo legal. O Código Penal já isenta de culpa policiais através de pressupostos como “estrito cumprimento do dever legal”. O pacote aumenta o número de hipóteses que já existe no Código Penal e que se enquadram dentro da categoria de legítima defesa para passar pano pra polícia.
É preocupante ainda os termos subjetivos utilizados pelo ministro para isentar de responsabilidades ou reduzir penas de policiais que matam. Por exemplo, os termos “escusável medo, surpresa ou violenta emoção”. O que é para uma instituição altamente racista, como é a polícia, esse termo “violenta emoção”? Pergunto isso porque estamos falando de uma polícia que mata pessoas consideradas “suspeitas” portando guarda chuva, uniforme escolar, chuchu.
A gente está falando de 63.880 mortes violentas em 2017, o maior número de homicídios da história do Brasil. Dentro dessa conta precisamos considerar a letalidade das polícias nos estados brasileiros que aumentou 20% em 2017: 5.144 pessoas foram mortas em decorrência de intervenções de policiais civis e militares. Isso representa 14 mortos por policiais por dia.
Um outro ponto que gostaria de apontar é o recrudescimento de penas. Essa medida vai piorar as condições de progressão de regime. Já somos o terceiro maior índice de população carcerária do mundo. Hoje, beira a aproximadamente 800 mil pessoas confinadas em celas, convivendo com ratos e baratas, doenças curáveis, sem qualquer respeito a sua dignidades. A medida ainda aponta como possibilidade de progressão de regime o mérito do condenado e mais uma vez elementos subjetivos do juiz .
O que devemos prestar atenção?
O ponto do “delator do bem”, pois me parece que serve para fazer os laranjas assumirem os crimes do políticos, como no caso Queiroz [ex-assessor do senador Flávio Bolsonaro, filho do presidente, investigado por movimentações financeiras suspeitas].
Também me parece que estas medidas são também para justificar gastos desnecessários. Em 2017, a União gastou R$ 9,7 bilhões, aumento de 6,9%, com segurança pública. Os estados gastaram R$ 69,8 bilhões, crescimento de 0,2%. Foi exatamente nesse ano que aumentaram os índices de violência, principalmente contra as mulheres. O feminicídio aumentou em 6,1% em relação a 2016 e o número de estupros também cresceu 8,4% em relação a 2016.
O também pacote silencia sobre efetividade e investimento nas investigações de crimes cometidos por policiais. Quase 100% dos inquéritos policiais acusados de homicídios são arquivados sob a alegação de que não há provas. O ministro está preocupado em investigar pequenos delitos cometidos por maioria de jovens favelados recrutados pelo crime ou que cometem pequenos delitos patrimoniais utilizando métodos invasivos e constrangedores.
Além disso, é silenciado no pacote o assunto sobre investimento em investigação sobre casos dos desaparecidos políticos. O número absoluto cresceu de 81.176 em 2016 para 82.684 em 2017. Como o Estado brasileiro pode ignorar essa questão importante que tem um legado negativo sobre os desaparecidos da ditadura militar e dos desaparecidos da democracia?
Então esse é um pacote antidemocrático, inconstitucional e antinegritude em todos os seus aspectos. Seja porque não houve amplo debate num tema que é tão caro para nós, seja porque afeta, propositalmente e intencionalmente, a população mais vulnerável, a negra.
Reportagem publicada originalmente pela agência Alma Preta.
Deixe um comentário
Seu endereço de e-mail não será publicado. Os campos obrigatórios estão marcados com *