Os tempos são outros nestes primeiros dias de 2019. O País abandona décadas de regimes de caráter social-democrata e começa a marchar sob os rumos políticos, sociais e econômicos do 38º presidente.
A República pressente tempos delicados e, sem alarde, busca figuras políticas talhadas para o novo (velho) ambiente. Na lista, infelizmente, não consta mais o nome de Luiz Carlos Sigmaringa Seixas, o advogado que levou para a política a necessidade de reconstrução jurídica e institucional do Brasil então redemocratizado.
Sig, apelido carinhoso, nos deixou no Natal passado. Ao evocá-lo em nossa memória afetiva, quando completam trinta dias de sua ausência física, constatamos o quanto a vida política brasileira requer ser temperada de vozes lúcidas, equilibradas, firmes e irreversivelmente vinculadas aos que lutam por justiça e em especial aos que não tem voz.
Muito já foi dito sobre sua habilidade política , sobre sua singular capacidade de diálogo e sobre seu destacado papel na luta pela anistia e na defesa intransigente dos direitos humanos .
Seus traços pessoais de discrição e humildade foram merecidamente reconhecidos nas incontáveis homenagens que recebeu (as recusas para ser Ministro do Supremo são um bom exemplo, a propósito ).
Vale destacar, aqui, brevemente, o quanto a resiliência em torno do sentido de justiça marcou a vida de Sigmaringa.
Advogado e constituinte, foi um dos principais articuladores de inovações preciosas no ordenamento jurídico, como as encartadas nas leis que criaram as atuais Defensorias Públicas, por exemplo.
A garantia do acesso à Justiça resgata a dignidade humana ao colocar os excluídos e desfavorecidos sob o manto da assistência jurídica integral e gratuita do Estado. Sigmaringa sempre soube disso…
Em outra frente, sempre impecavelmente ao lado de princípios fulcrais do Direito, mergulhou na espinhosa missão de “advogado de presos políticos”.
Ao rechaçar as tentativas de intimidação e desrespeito aos profissionais do Direito que atuavam na defesa dos acusados pelo Regime Militar, descreveu a prática da advocacia naquele período como o “confronto direto entre a civilidade e o arbítrio”.
Nunca se refugiou no medo ou na conveniência do silêncio.
Sempre foi, para todos com quem convivia, uma voz sábia, segura e incondicionalmente amiga.
As derrotas nos tribunais não arrefeceram sua fé no Estado de Direito, embora algumas lutas perdidas o marcaram com profunda angústia e inquietação. O caso do ex-deputado José Genoíno, por exemplo, o deixou profundamente abalado.
Aos amigos mais próximos, em tom de tristeza, lembrava um acontecimento que presenciou na residência de Genoíno.
Um técnico de uma operadora de televisão a cabo foi efetuar um serviço na casa do ex-deputado. Problema resolvido, na saída, o profissional, um pouco desconcertado, dirigiu-se a Genoíno e contou qual era sua expectativa:
– “Eu até falei para minha família: hoje eu vou visitar uma mansão. O senhor me desculpa, mas eu cheguei aqui e vi que, aqui, é uma casa de gente simples. Então a história que estão contando sobre o senhor é mentira”.
Por duas vezes ouvi Sigmaringa narrar com olhos úmidos este episódio , sempre frisando para o interlocutor: “a vida toda Genoíno morou numa casa muito simples, digna, no Butantã, em São Paulo. É um homem muito sério e honesto”.
Testemunho que ratifico com a autoridade de quem tem o privilégio de conviver com Genoino por mais de vinte anos.
Os julgamentos midiáticos, no calor de disputas políticas , quase sempre são implacáveis.
Mas a história se encarregará de fazer uma releitura destes tempos tão estranhos em que estamos mergulhados. Assim se espera…
Direitos sociais forjam uma república sólida. Era uma crença de Sigmaringa que resistirá às conjunturas e aos eventuais momentos de retrocesso, hoje em escala mundial.
Mais do que um mero jogo de palavras, Sigmaringa percorreu seus caminhos na vida pública canalizando energias para construir esta república sólida pela qual os brasileiros continuarão a lutar e a sonhar.
“A vida é muito curta para ser pequena”. Esta frase memorável de Benjamin Disraeli, primeiro-ministro do Reino Unido, diz muito sobre a trajetória de Sigmaringa, marcada pelo desprendimento, generosidade e compreensão da política como instrumento para construir uma sociedade justa , fraterna e solidária.
Saiu de cena cedo, mas soube tornar a vida um ato de grandeza.
Artigo publicado originalmente no Brasil 247.
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