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Solução para o desgoverno

Solução para o desgoverno

É dever cívico persuadir a sociedade a se mobilizar em reação ao chefe do Executivo

Grande estranheza nos têm causado os tempos presentes, tempos brasileiros, embora o mundo também esteja desconcertante, pelas anomalias de toda natureza que nos oferece diariamente.

As situações inusitadas a que assistimos na atualidade são de vários matizes. Mas pode-se afirmar que as perplexidades de maior intensidade são as advindas dos setores governamentais e da reação de parte da sociedade em face do quadro político-institucional que se apresenta.

Pessoalmente, entendo que os erros e as omissões na gestão da coisa pública, bem como a retórica e as falas oficiais, chocam tanto quanto choca a reação de uma parcela dessa mesma sociedade que apoia e aplaude os atuais governantes.

A desarmonia entre a conduta dos que nos governam com aquela que deles se esperaria já é uma verdade indiscutível para boa parte dos cidadãos lúcidos e portadores de bom senso. E parece ser consenso que nada vai mudar. A má gestão decorre da personalidade, do caráter, do modo de ser desses mesmos governantes, que têm como exemplo o titular do Palácio do Planalto. Ele e os demais são como são e assim serão.

Resta-nos resistir, procurando defender as instituições, a democracia e a liberdade, sem nada deles esperar. Eu ouso dizer que para eles o desprezo, pois a nossa energia deve voltar-se para o Brasil.

Por outro lado, incompreensíveis também são os aplausos que os dirigentes recebem de um segmento, embora minoritário, de brasileiros. A incompreensão não é em relação à opção política que fizeram. É da essência da democracia a possibilidade de livre escolha dentro das alternativas que compõem o quadro político-institucional.

No entanto, as opções devem sempre ter um substrato para justificarem a preferência. Substrato ideológico, partidário, confluência de ideias, de ideais, programas, plano de governo, enfim, algo que identifique quem escolhe com o escolhido. Até os mais sanguinários ditadores se apresentavam como portadores de alguma ideologia, algum programa governamental, metas a serem atingidas.

Os nossos atuais mandatários, no entanto, têm como alvo exclusivo o poder pelo poder, e nada mais.

Procuram suprir essas carências com uma retórica vazia, um discurso pretensamente moralizante, inconsequente, retrógrado, odiento e intolerante, absolutamente distante dos interesses do País.

O desprezo pela cultura e pela criação artística, a invencionice do “perigo comunista”, a apologia das armas, da tortura, da escravidão, tida como um bem para o País, e tantas outras pregações anticivilizatórias provocam discórdia e divisão no seio da sociedade.

O Brasil, sem dúvida, política e espiritualmente ficou mais pobre. Não se distribuem riquezas nem cultura, a não ser bananas. Não são criadas condições que possibilitem ascensão social e financeira às camadas menos privilegiadas, vide a infeliz manifestação acerca das viagens de empregadas domésticas. Parece que ainda somos um país de escravocratas. Escravidão sem pelourinhos ou grilhões. Pelo menos visíveis.

Uma simples retrospectiva das falas oficiais, e já foram inúmeras, nos mostraram que elas não contêm nenhuma mensagem relacionada às reais necessidades do povo. Raramente o chefe do Executivo se manifesta sobre pobreza, desigualdade social, distribuição de renda, integração das camadas menos favorecidas, educação. As ideias que propaga são sempre fixas, imutáveis, obsessivas, ligadas ao imaginário “perigo do comunismo”, à repressão policial, aos elogios ao regime militar, até à tortura, com desprezo pela cultura, pelo meio ambiente, pelas minorias.

Quando o discurso não é rancoroso e ofensivo, é uma fala quase pueril, que demonstra total alienação e falta de um pensamento culto e elevado. Discorre sobre radares nas estradas, cadeiras para crianças, tomada trifásica, cobrança ou não de taxas para turismo, terra plana e tantas outras preciosidades que tais.

A ausência de uma gestão que nos encaminhe para as soluções dos angustiantes problemas que nos afligem conduz à necessidade de se assumirem movimentos civilizatórios em defesa de valores hoje desprezados, com o objetivo de abafar as vozes do confronto, da grosseria e do ressentimento.

Não vejo conciliação possível e a sociedade deve ser alertada para os riscos reais de uma ruptura social, caso não haja uma reação. Reação expressa e objetiva, manifestada pelos meios possíveis, que possam atingir toda a sociedade brasileira.

Houve quem já pedisse desculpas por ter votado nesse governo. Quantos não estarão querendo fazer o mesmo, mas se sentem envergonhados?

Portanto, o campo para a reação é fértil. Assim, um trabalho eficiente de persuasão, que conte com os Poderes Legislativo e Judiciário, com entidades como a OAB, a ABI a CNBB, provocará uma mobilização social, que hoje constitui um dever cívico indeclinável e impostergável, e poderá até mesmo nos trazer uma esperança: a de que o primeiro mandatário tenha a lucidez de reconhecer que não pode mais nos governar, ou melhor, nos desgovernar.

Artigo publicado originalmente em O Estado de São Paulo.

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