Por Jairo Malta
Cada boi carrega histórias de resistência, fé e rivalidade, formando a identidade cultural de Parintins
A histórica rivalidade entre os bois Caprichoso e Garantido é o ponto alto do 57º Festival Folclórico de Parintins, atraindo cerca de 120 mil pessoas. O evento, que ocorre nos dias 28, 29 e 30 de junho, deve gerar aproximadamente R$ 150 milhões de receita para o estado, segundo a Empresa Estadual de Turismo do Amazonas (Amazonastur).
A história do boi Caprichoso começa em 1913, nesta seara cultural da Amazônia, quando Roque Cid e seus irmãos, naturais do Crato, Ceará, decidiram dar vida a essa tradição. Nos terreiros do “Reduto do Esconde”, próximo ao Urubuzal, o Caprichoso, com seu couro negro brilhante, desfilou pela primeira vez pelas ruas da cidade, iluminado apenas pelas lamparinas.
O nome “Caprichoso” simbolizava a dedicação e honestidade de seus criadores. A estrela azul e branca na testa do boi rapidamente se tornou um símbolo de identidade e sonhos para a comunidade local. O Caprichoso conquistou os corações dos moradores de Parintins, especialmente pescadores, lavadeiras e trabalhadores.
Por outro lado, o boi Garantido, com suas cores vermelho e branco e um coração na testa, surgiu como uma figura marcante do folclore amazônico. Conhecido como “Boi do Povão”, “Boi da Paixão” e “Boi da Promessa”, o Garantido é uma manifestação cultural que atravessa gerações durante o Festival de Parintins.
A origem do Garantido remonta ao início do século 20, quando Lindolfo Monteverde, um pescador de Parintins, o criou como uma brincadeira de criança. Lindolfo, descendente de escravos e morador da Baixa de São José, encontrou no Garantido uma forma de alegrar sua comunidade.
O nome “Garantido” nasceu das batalhas de rua entre bois na ilha de Parintins nas décadas de 1950 e 1960. Esses confrontos eram competições onde Lindolfo dizia que seu boi “se garantia” nas cabeçadas. Lindolfo era também conhecido por sua voz potente e habilidade no jogo de rimas.
A cada mês de junho, o Garantido enche as ruas de Parintins com alegria, música e dança, unindo pessoas de todas as idades. Tanto o Caprichoso quanto o Garantido são a alma de Parintins, representando a rica tapeçaria cultural da Amazônia.
Um detalhe curioso é que os torcedores de cada boi nunca mencionam o nome do boi rival, referindo-se a ele apenas como “o contrário”. Essa peculiaridade intensifica a rivalidade e o respeito entre os dois grupos, tornando o Festival de Parintins um verdadeiro reflexo da diversidade e riqueza cultural da Amazônia. A rivalidade é tanta que há anos, marcas tradicionais como Coca-Cola e Brahma, que habitualmente vestem suas cores vermelhas, adotam o azul em homenagem ao Caprichoso, refletindo a intensa da competição que permeiam o festival.
O Festival de Parintins promove a cultura amazônica e destaca questões ambientais e sociais, reforçando a importância da preservação da floresta e dos direitos dos povos indígenas. Cada boi, com suas cores e símbolos, carrega histórias de resistência, fé e comunidade, pintando com pinceladas duras e com personalidade os pilares da identidade cultural dos povos da floresta.
Publicado originalmente na Folha de S.Paulo.
Deixe um comentário
Seu endereço de e-mail não será publicado. Os campos obrigatórios estão marcados com *