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Advogados se organizam para derrubar itens do pacote anticrime de Moro

Advogados se organizam para derrubar itens do pacote anticrime de Moro

Nos últimos anos, entidades tradicionais como o Instituto Brasileiro de Ciências Criminais e a própria Ordem dos Advogados do Brasil passaram a dividir espaço com iniciativas como Prerrogativas e IREE

No rastro da crescente judicialização da política, advogados de diversas vertentes ideológicas têm se organizado por meio de iniciativas pessoais, grupos de WhatsApp ou de entidades representativas para influir de forma mais direta na política. Foi por meio do grupo de WhatsApp Prerrogativas, criado na virada de 2013 para 2014, que advogados se organizaram para derrubar dois itens do pacote anticrime do ministro da Justiça, Sérgio Moro.

Depois de ouvirem a argumentação do criminalista Fabio Tofic, presidente do Instituto de Defesa do Direito de Defesa (IDDD) e associado do Prerrogativas, deputados que integram o grupo de trabalho da Câmara sobre legislação penal decidiu retirar do projeto de Moro a prisão após condenação em segunda instância e o chamado “plea bargain”, que criava a possibilidade de acordos entre acusação e réus. “Eles nos ajudam a construir posições”, disse o deputado Paulo Teixeira (PT-SP), integrante do grupo de trabalho.

Outro exemplo dessa atuação mais incisiva foi a criação do Consórcio do Nordeste, formado pelos nove Estados da região com incentivo do Instituto para Reforma das Relações entre Estado e Empresa (IREE), criado pelo advogado Walfrido Warde. O consórcio se transformou em polo de oposição ao governo de Jair Bolsonaro.

Nos últimos anos, entidades tradicionais como o Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (IBCCRIM) e a própria Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) passaram a dividir espaço com iniciativas como Prerrogativas e IREE.

Quando foi criado, o Prerrogativas mantinha 30 pessoas em um grupo de WhatsApp. Hoje, preenche as 250 vagas permitidas pelo aplicativo e tem uma fila de mais de 200 nomes, transformando-se em um catalisador para a formulação de teses e mobilização de uma parcela da elite da classe jurídica brasileira. Desde a criação, apenas cinco pessoas deixaram o grupo, entre elas, Cristiano Zanin e Waleska Martins, advogados do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

O Prerrogativas criou capacidade de, por exemplo, conseguir em poucas horas mil assinaturas de advogados e juristas influentes em defesa do presidente da OAB, Felipe Santa Cruz, alvo recente de ataques do presidente Jair Bolsonaro, e influir direta e decisivamente em temas políticos.

Há duas semanas, o grupo organizou em São Paulo um jantar com mais de 300 advogados para homenagear o penalista Juarez Tavares. Durante o evento, o criminalista Antonio Claudio Mariz de Oliveira pediu a palavra e pediu aos colegas para “ocupar de novo a trincheira avançada da resistência” e entrar na defesa do que classificou como valores democráticos.

Abuso. Foi por meio do mesmo grupo que, em 2018, o tucano José Carlos Dias foi levado a declarar apoio a Fernando Haddad no segundo turno da campanha presidencial. Também partiu do Prerrogativas a articulação entre o IDDD e parlamentares que elaboraram o projeto da Lei do Abuso de Autoridade. Alguns dos principais itens do projeto aprovado pela Câmara saíram do grupo.

Em 2017, o Prerrogativas chegou a ensaiar um movimento para se transformar em nova entidade e se contrapor à OAB. A ideia, no entanto, foi abandonada em nome da estratégia de disputar espaço na Ordem. Hoje, o grupo tem integrantes na direção de todas as principais entidades representativas dos advogados. “A advocacia está voltando a ter o protagonismo que teve na história do Brasil”, disse Mariz, que teve entre seus clientes o ex-presidente Michel Temer.

Embora boa parte dos advogados que estão tomando o centro do debate político esteja no campo da centro-esquerda, eles lembram que os colegas Janaina Paschoal (deputada estadual pelo PSL), Miguel Reale Jr. e Hélio Bicudo foram os primeiros a ocupar a ribalta, em 2016, com o pedido de impeachment da então presidente Dilma Rousseff.

Reale, que participou da resistência à ditadura, lembra que naquela época a OAB ocupava o espaço do debate político. “Não tinha um grupo fora das instituições. Esse grupo Prerrogativas não tem nada a ver com OAB, associação e instituto. É uma organização alheia às instituições propriamente ditas, mas não conheço direito.”

Economia. Com foco mais voltado para a economia, o IREE também se encaixa nesse perfil. Criado em 2016 por Warde, dono de um dos maiores escritórios especializados em fusões e aquisições empresariais de São Paulo, o IREE planeja promover dez conferências só neste ano com economistas como Delfim Netto, Luiz Gonzaga Belluzzo, Guilherme Mello e Laura Carvalho.

“Nas nossas redes sociais, quando a gente ouve o Guilherme Boulos (coordenador do MTST) perde um monte de gente, e quando ouve o Major Olipio (senador do PSL) também perde um monte de gente”, disse o advogado. “Depois volta.”

Há duas semanas, ele reuniu em um jantar o governador do Maranhão, Flávio Dino (PCdoB), e o empresário Flávio Rocha, apoiador de Bolsonaro durante a campanha eleitoral do ano passado. “Os dois conversaram muito civilizadamente”, relata.

Desde a Lava Jato, outros grupos surgiram como o Juristas pela Democracia, Legalidade Democrática, Brigadas Jurídicas e Pensadores do Direito, nos quais os advogados se agrupam segundo afinidades profissionais ou ideológicas. Entidades tradicionais como o IBCCRIM também passaram a ter atuação política mais incisiva. “A gente teve a compreensão de que é preciso ter uma atuação política”, disse a presidente do instituto, Eleonora Nacif.

Há dois anos, o IBCCRIM criou um Departamento de Atuação Política com representante em Brasília encarregado de rodar o Congresso para acompanhar a tramitação de projetos e levar propostas do instituto.

Para Carol Proner, doutora em Direito Internacional e coorganizadora do livro Comentários a uma Sentença Anunciada, que reúne textos sobre a condenação de Lula na Lava Jato, a atuação política dos advogados às vezes é confundida com a defesa de políticos corruptos. “Há este preconceito. A gente está defendendo garantias e direitos e as pessoas nos estigmatizam como defensores de bandidos.”

Reportagem publicada originalmente em O Estado de São Paulo.

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