Brasil cede a caprichos comerciais dos EUA para favorecer reeleição de Trump
Pela primeira vez, um presidente brasileiro subordina os interesses nacionais não exatamente aos interesses de outro país, mas aos interesses de um governante de outro país.
Inicialmente, Bolsonaro tentou demonstrar que sua política para a Amazônia coincidia com os objetivos estadunidenses. Deu-se em Davos a esclarecedora conversa com Al Gore em que Bolsonaro, diante da preocupação manifestada com a Amazônia, afirmou: “a Amazônia não pode ser esquecida, temos muitas riquezas, e gostaria muito de explorá-las junto com os Estados Unidos”. A reação do americano foi interessante: “eu não sei o que você quer dizer”. Bolsonaro certamente imaginou que comportando-se como súdito dos EUA agradaria o interlocutor.
Nesta semana, Biden, no debate com Trump, sugeriu que organizaria ajuda internacional ao Brasil para a preservação da floresta e que submeteria o país a sanções econômicas se mantida a política atual. Biden sinalizou que adotaria política alinhada com a União Europeia, que reluta em aprovar o acordo com o Mercosul caso não haja um compromisso do Brasil com a pauta ambiental.
Enquanto isso, Salles passa a boiada. Depois do desastre amazônico e pantaneiro, ele avança sobre os manguezais, numa demonstração clara de que, em relação às mudanças climáticas, o alinhamento do Brasil é com o negacionismo de Trump.
A subordinação é tamanha que o Brasil tem cedido aos caprichos comerciais dos EUA para favorecer a reeleição de Trump. No caso do aço brasileiro e do etanol de milho americano, estamos literalmente exportando empregos.
John Bolton, ex-assessor de Trump, disse certa vez que “a doutrina Monroe estava bem viva”. Quando o presidente James Monroe a anunciou, em 1823, numa proclamação que pode ser assim resumida —”a América para os americanos”—, a doutrina soava simpática frente à primeira onda de descolonização que se deu justamente nas Américas.
Como se sabe, a frase ganhou novo sentido a partir da guerra hispano-americana, vencida pelos EUA em 1898, e a segunda onda de colonização na África e na Ásia, da qual o governo norte-americano participava agora como potência imperialista, anexando as Filipinas, Guam e Porto Rico.
A partir daí, as nações caribenhas, inclusive Venezuela e Cuba, caíram sob a órbita americana. No pós-Guerra, quando da Guerra Fria, foi a vez de as nações do Cone Sul, que ensaiavam projetos de desenvolvimento autônomo, serem submetidas a ditaduras militares apoiadas pelos EUA.
As causas planetárias, no entanto, introduziram variáveis na geopolítica global que a cachola de Bolsonaro não é capaz de compreender.
Publicado originalmente na Folha de S.Paulo.
Deixe um comentário
Seu endereço de e-mail não será publicado. Os campos obrigatórios estão marcados com *