Por Thais Arbex, Danielle Brant e Camila Mattoso
Excludente de ilicitude, prisão em segunda instância e acordo de ‘plea bargain’ ficaram de fora
Em uma derrota política para o ministro Sergio Moro (Justiça), a Câmara dos Deputados aprovou nesta quarta (4) o texto do pacote anticrime que deixa de fora algumas das principais bandeiras do ex-juiz, como o excludente de ilicitude, a prisão em segunda instância e o acordo de “plea bargain”.
O texto-base foi aprovado por 408 votos a favor e recebeu 9 contrários com duas abstenções —totalizando 419. Aliados de Moro ainda tentaram remover do texto o dispositivo que cria o juiz de garantias, responsável por instruir, mas não julgar o processo. O item, no entanto, foi mantido por 256 votos a 147 –votaram 404 deputados.
O texto agora vai ao Senado, onde deve passar por comissões antes de ser votado no plenário. Se sofrer alterações na Casa, volta para a Câmara. Se for mantido, vai a sanção ou veto presidencial.
Na noite desta quarta, Moro, que foi juiz da Lava Jato em Curitiba, foi a uma redes social para comentar a aprovação. Para ele, o texto precisa de ajustes.
“A Câmara aprovou o projeto anticrime do governo federal, unificado com propostas do ministro Alexandre de Moraes [do Supremo Tribunal Federal]. Há avanços importantes. Congratulações aos deputados. Há a necessidade de algumas mudanças no texto. Continuaremos dialogando com CN [Congresso Nacional], para aprimorar o PL [projeto de lei]”, escreveu Moro no Twitter.
O documento aprovado foi um substitutivo ao texto do relator original, Capitão Augusto (PL-SP), que incluía muitos pontos defendidos por Moro e também do projeto enviado pelo ministro Alexandre de Moraes em 2018.
Moro esteve na Câmara nesta quarta e participou de uma série de conversas para tentar resgatar esses e outros pontos no texto. O documento final, no entanto, foi construído por partidos de centro e da esquerda para estancar a articulação do ministro.
Nos últimos dias, líderes partidários contrários à agenda de Moro atuaram para que o texto elaborado pelo grupo de trabalho do Legislativo fosse levado ao plenário da Câmara o mais rápido possível.
Os integrantes do colegiado passaram a dizer que o objetivo final era despersonificar o projeto e desconstruir o discurso de Moro de que o Congresso não estaria interessado em aprovar medidas de combate ao crime organizado e à corrupção.
A principal preocupação dos articuladores da proposta era a de construir um acordo com Capitão Augusto, líder da bancada da bala e autor do relatório derrotado que contemplava os principais pontos defendidos por Moro.
Para chegar a um consenso, quatro pontos laterais foram modificados e ficou acertado que haveria apenas o destaque sobre o juiz de garantia. O novo relatório foi construído no gabinete da liderança da Maioria na Câmara e assinado pelo deputado Lafayette Andrada (Republicanos-MG).
“A espinha dorsal do projeto aproveita os textos originais encaminhados pelo ministro Moro e pelo ministro Alexandre de Moraes. Algo em torno de 80% do que eles enviaram foi aproveitado”, afirmou.
Internamente no Ministério da Justiça, a aprovação foi considerada uma derrota. Procurado, o ministro não respondeu a pedidos para comentar o texto aprovado na Câmara.
Ele se manifestou apenas no Twitter. Na rede social, elogiou pontos aprovados. “Destaco proibição de progressão de regime ao membro de crime organizado, execução imediata dos veredictos do júri, agente policial disfarçado, regras mais duras de cumprimento de penas para condenados por crimes hediondos com resultado morte”, escreveu Moro.
A avaliação de que Moro sofreu uma derrota foi compartilhada pela oposição e por integrantes de partidos de centro.
“Moro sai derrotado hoje desta Casa porque combater o crime nunca foi privilégio de ninguém”, afirmou o deputado federal Marcelo Freixo (PSOL-RJ). “O pacote Moro chega a essa Casa com uma essência, cujo eixo central era: excludente de ilicitude, fim da audiência de custódia, videoconferência como regra, segunda instância e ‘plea bargain’. Esses cinco pontos foram derrotados.”
Aliados de Moro na Câmara tentaram contemporizar a derrota, dizendo que pontos importantes do pacote foram preservados. O líder do Novo na Câmara, deputado Marcel Van Hattem (RS), disse considerar uma vitória da sociedade e do ministro, que encaminhou o projeto.
“Com o acordo, de alguma forma, todo mundo sai ganhando. Há perdas de lado a lado, óbvio, mas o resultado é sempre satisfatório quando se chega a um acordo”, disse. “E quem realmente ganha é a sociedade brasileira, com um projeto que acaba inibindo o crime organizado, reduzindo os crimes violentos e ampliando o combate à corrupção.”
A proposta final endurece alguns pontos da legislação, como o aumento para 40 anos do tempo máximo de cumprimento de pena. O texto aprovado constava do projeto de Moraes, assim como o acordo de não persecução penal, que deve ser homologado por um juiz.
Moro conseguiu aprovar dispositivo que permite a venda de bens apreendidos por órgãos de segurança pública e o banco nacional de perfil balístico, que pode facilitar a identificação de armas usadas para cometer crimes no país.
Os deputados do grupo de trabalho também deixaram sua marca e incluíram alguns pontos no projeto, como mudança no prazo para progressão de regime que endurece o acesso ao benefício, as regras para delação premiada e a figura do juiz de garantias.
ENTENDA O VAI E VEM DOS PONTOS DO PACOTE
Legítima defesa
Onde muda: Código Penal
Como era o texto: Entende-se por legítima defesa casos de quem, usando moderadamente dos meios necessários, repele injusta agressão, atual ou iminente, a direito seu ou de outrem
Como ficou: Os deputados acrescentaram parágrafo único para incluir dispositivo que considera legítima defesa, respeitando os requisitos do artigo, o agente de segurança pública que repele agressão ou risco de agressão a vítima mantida refém durante a prática de crimes
Excludente de ilicitude
Onde muda: Código Penal
Como era o texto: A legislação atual diz que não há crime quando o agente pratica o fato em estado de necessidade; em legítima defesa; e em estrito cumprimento de dever legal ou no exercício regular de direito. O agente responderia pelo excesso doloso ou culposo
Como ficou: Moro queria incluir a possibilidade de o juiz poder reduzir a pena até a metade ou deixar de aplicá-la se o excesso cometido pelo agente decorresse de escusável medo, surpresa ou violenta emoção. Os deputados rejeitaram o item
Aumento do tempo máximo de cumprimento de pena
Onde muda: Código Penal
Como era o texto: Conforme a regra atual, o tempo máximo de cumprimento de pena é de 30 anos. Quem for condenado a penas cuja soma supere 30 anos terá as penas unificadas para atender a esse limite
Como ficou: Moro não fez sugestão sobre isso. Os deputados acataram o texto de Alexandre de Moraes, que amplia o tempo máximo de cumprimento da pena para 40 anos. Penas com somatório superior a isso devem ser unificadas em 40 anos
‘Plea bargain’
Onde muda: Código de Processo Penal
Como era o texto: Pela proposta de Moro, um acusado que assumisse antecipadamente a culpa pelo crime poderia receber em troca uma pena menor –como acontece nos Estados Unidos
Como ficou: O grupo de trabalho rejeitou o texto de Moro e aprovou, com modificações, o acordo de não persecução penal proposto por Alexandre de Moraes, aplicado a infrações penais sem violência e com pena mínima inferior a quatro anos. A possibilidade não poderá ser oferecida a quem cometer violência doméstica, familiar ou contra a mulher
Prisão em segunda instância
Onde muda: Código de Processo Penal
Como era o texto: A lei atual prevê que ninguém pode ser preso senão em flagrante delito ou por ordem de autoridade judiciária, em decorrência de sentença condenatória transitada em julgado –ou seja, quando se esgotam as possibilidades de recursos– ou, no curso da investigação ou do processo, em virtude de prisão temporária ou preventiva
Como ficou: Moro queria ampliar o escopo para prisão cautelar ou em virtude de condenação por órgão colegiado (caso do TRF-4, que decidiu a condenação em segunda instância de Lula no caso do tríplex em Guarujá, SP). Os deputados removeram o item do pacote, por entenderem que o assunto precisa ser tratado por meio de uma proposta de emenda constitucional, que já está tramitando na Câmara
Reportagem publicada originalmente na Folha de S.Paulo.
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