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Entre desafios e avanços, a representação negra na política cresce, e a violência política também

Entre desafios e avanços, a representação negra na política cresce, e a violência política também

Por Sheila de Carvalho e Beatriz Lourenço

A jornalista Suéllen Rosim, 32 anos, que foi eleita prefeita de Bauru

Elaine Mineiro, Erika Hilton, Tainá de Paula, Dani Portela, Thais Ferreira, Carol Dartora, Laura Sito, Edna Sampaio, Livia Duarte foram nomes de destaques no processo eleitoral de 2020 para a disputa das prefeituras e câmaras municipais: mulheres negras que estiveram entre as candidaturas mais votadas por todo o país. Porém, o que as fez se destacar é exatamente o fato de que suas existências políticas são a exceção em um país marcado pelo racismo.

Em um ano que certamente entrará na história como um período de efervescentes protestos e debates ao redor do mundo sobre o racismo e a importância de se desenvolver práticas antirracistas é certo que essas mobilizações lideradas pelo movimento negro tiveram impacto também nos resultados eleitorais.

São Paulo, a maior cidade do país, que teve em sua história apenas uma vereadora negra na sua Câmara Municipal, terá três a partir de 2021. Essa transformação também acontece em outras cidades. Segundo levantamento da Folha, 652 mulheres foram eleitas para os Executivos municipais, o que representa 12% do total de prefeitos eleitos. Desse número, 32% são negras, sendo 199 pardas e 10 pretas.

Uma conquista importante para tornar essa realidade possível foi a disputa corajosa iniciada pela deputada Benedita da Silva no Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Por meio de uma consulta, a deputada pleiteou que fossem garantidas políticas de ação afirmativa para negras e negros nas eleições de 2020, requerendo que fossem reservados fundo partidário e tempo de televisão para candidaturas negras.

O TSE foi parcialmente favorável à proposta, mas não quiseram aplicar as políticas imediatamente para a eleição de 2020. Assim, foi necessária a intervenção do Supremo Tribunal Federal que, através do voto relator do ministro Ricardo Lewandowski, garantiu às candidaturas negras condições mínimas para prosperarem já nas eleições deste ano. Esse embate teve a participação fundamental da Uneafro Brasil e Instituto Marielle Franco, organizações que integram a Ação Brasileira de Combate às Desigualdades (ABCD), e da Coalizão Negra por Direitos, que atuaram para pautar e pressionar o judiciário brasileiro para essa decisão.

No entanto, segundo dados da plataforma 72 horas, negros e negras receberam 36,8% do total dos valores repassados pelo fundo especial de financiamento de campanhas, enquanto as pessoas autodeclaradas brancas ficaram com 62,5%. Ou seja, ainda há um favorecimento partidário para incentivar a disparidade étnico-racial nos processos eleitorais. Vejamos, mesmo após uma decisão judicial, os partidos políticos brasileiros se recusaram a garantir o mínimo para o avanço da democracia brasileira, qual seja: a paridade de negros e brancos no pleito eleitoral. Sobre isso, vale lembrar que em junho deste ano a Coalizão Negra Por Direitos lançou o Manifesto Político Radical que denunciava: “Enquanto houver racismo não haverá democracia”.

Os resultados também apontam a importância da construção coletiva em movimentos. Muitas dessas candidaturas vêm de longa trajetória no movimento negro e a eleição dessas para esses espaços implicam também levar os movimentos para o centro dos espaços de tomada de decisão. É um passo importante para a solidificação de uma democracia mais representativa e participativa.

Para além dos desafios que temos enfrentado para aumento da representatividade proporcional à população brasileira nos espaços de poder, temos que discutir como manter essas mulheres e pessoas negras vivas e seguras para o exercício dos seus mandatos. Ana Lúcia Martins, eleita a primeira vereadora negra da história de Joinville, e Suéllen Rosim eleita prefeita da cidade de Bauru, nem tiveram seus mandatos iniciados e já foram vítimas de racismo e ameaças.

A perseguição e violência política contra pessoas negras não é novidade deste novo cenário. Vale lembrar que nesse mês de dezembro fizeram mil dias sem que a pergunta “Quem mandou matar Marielle Franco?” fosse respondida. A deputada federal Taliria Petrone continua recebendo inúmeras ameaças à sua segurança e à de sua família. Sobre esse tema, a plataforma violenciapolitica.org traz uma pesquisa sobre as violências políticas sofridas por mulheres negras. Segundo a plataforma, o medo, insegurança e falta de canais e órgãos públicos do Estado capazes de atenderem suas denúncias resultam em um grave cenário de subnotificação das violências vividas por essas mulheres.

Precisamos criar formas institucionais de proteger essas pessoas que foram eleitas e vão ocupar a partir de janeiro câmaras e prefeituras para a construção de uma política em defesa de nossas vidas. E como disse Taliria Petrone em entrevista ao podcast Café da Manhã da Folha: “Não quero ser mártir, quero estar viva para fazer política”. E é isso que queremos para essas mulheres que vão ser empossadas no próximo mês.

Reconhecer os avanços é importante, mas sabemos que a garantia de um espaço político seguro para a atuação das mulheres negras segue sendo um desafio. O racismo e sexismo ainda são forças motoras da constituição da política brasileira. A representação e política que queremos não é apenas de presença negra, mas de mandatos comprometidos com a luta antirracista e enfrentamento do processo de genocídio ao povo negro, e sobretudo alinhados com às pautas carregadas há pelo menos um século pelo Movimento Negro Brasileiro. Uma representação de lutas e propósitos. Ainda temos um longo caminho para alcançar de fato essa representação efetiva, mas as eleições de 2020 são um pequeno sopro de esperança de que isso possa um dia tornar-se realidade.

Publicado originalmente na Folha de S.Paulo.

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