Ao que parece, não dispomos de uma burguesia com projeto de nação
Existe uma burguesia industrial brasileira? Ela se comporta como classe, tem um projeto para o país?
As notícias para a indústria não têm sido das melhores. A participação da indústria de transformação no PIB brasileiro é a menor desde 1947.
O saldo comercial brasileiro foi o pior dos últimos cinco anos, sendo que as exportações de bens primários responderam por 52,8% da pauta, em detrimento dos produtos manufaturados.
Mas não resta dúvida que a participação da indústria brasileira na produção industrial mundial perdeu espaço, o que, no mínimo, significa menor dinamismo relativo.
Para alguns economistas, isso tem pouca importância, desde que se produzam “chips”: não importa se batata chips ou microchips; mas os trabalhadores que não pensam assim são alvos fáceis dos que pregam protecionismo e xenofobia nas “nações liberais” de Donald Trump e Boris Johnson.
Nos anos 1930, a burguesia industrial brasileira parecia ter algo em mente. Aliou-se a Getúlio Vargas. Várias circunstâncias, sobretudo a Guerra, impunham novos desafios. A produção de aço, por exemplo, interessava tanto aos militares quanto aos industriais. O guru dos industriais à época era um fascista romeno, Mihaïl Manoïlescu, que teve dois livros traduzidos: “O século do corporativismo” e “Teoria do protecionismo”, respectivamente um programa político e um programa econômico.
Entre 1930 e 1980, houve grande esforço de industrialização, que atingiu seu apogeu em 1985, seguido de pronunciado declínio, desdobramento da crise da dívida externa —que tinha financiado a expansão— e da abertura econômica conjugada à sobrevalorização cambial.
A maxidesvalorização cambial de 1999 deu, por uma década, novo alento à indústria, mas a crise internacional de 2008 e as crises domésticas, econômica e política (2015-16), empurraram-na ladeira abaixo.
Nos anos 1960, a tese de FHC sobre o empresário industrial trazia duas reflexões atuais, a julgar pelo noticiário recente sobre as movimentações de Paulo Skaf: 1) os órgãos de classe dos industriais “só cuidam dos interesses particulares dos dirigentes quando falam em nome da classe”; 2) aos industriais, individualmente, “a ação política possível consiste na participação pessoal no jogo patrimonialista”.
Até hoje, ao que parece, não dispomos de uma burguesia com projeto de nação.
Artigo publicado originalmente na Folha de S. Paulo.
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