Uma homenagem à Ministra Daniela Teixeira
Por Juliana Rodrigues Malafaia
Antes do retorno do recesso do Judiciário, fomos todos pegos de surpresa com a notícia da saída da ministra Daniela Teixeira da 5ª Turma Criminal do Superior Tribunal de Justiça. A partir de 1º de março, a ministra passa a integrar a 3ª Turma, responsável pelo julgamento de matérias de Direito Privado. Sua passagem pela 3ª Seção foi curta, mas extremamente relevante, o que motiva esta homenagem.
Tendo proferido cerca de 25 mil decisões em processos em apenas um ano e baixado o acervo do gabinete em mais de 60%, suas decisões se destacam pela perspectiva plural e pelo equilíbrio entre a técnica jurídica e a sensibilidade humana. Em julgados que vão desde a revogação de prisões preventivas por pequena quantidade de drogas ou em razão da aplicação do princípio da insignificância, passando por anulações de júris devido à violação de direitos dos réus, incluindo anulação de sessão de julgamento em que o advogado foi impedido de realizar sustentação oral devido à ausência de beca – acarretando claro prejuízo à defesa[1], suas decisões refletem seu compromisso com a proteção dos direitos fundamentais e o devido processo legal, contribuindo para o fortalecimento da justiça penal brasileira.
No Habeas Corpus 869.756, por exemplo, a ministra anulou, de ofício, provas colhidas contra uma acusada que foi interrogada em delegacia sem a presença de um advogado ou ciência do direito ao silêncio. A decisão destacou a importância da garantia dos direitos constitucionais dos investigados durante o processo penal, além de ter anulado também a apreensão do celular da mulher, que foi realizada sem mandado judicial e fora do contexto de flagrante delito[2].
Em outro julgado de grande relevância, a ministra Daniela Teixeira invalidou busca domiciliar realizada sem mandado judicial, sem qualquer registro por parte dos policiais quanto a autorização dos moradores para a entrada no domicílio. Para a julgadora do HC 918.821, a palavra dos policiais, por si só, não comprova o consentimento necessário para legitimar a entrada, determinando então a anulação da ação penal correspondente[3].
Vanguardista, antes mesmo de o Supremo Tribunal Federal ter decidido pela descriminalização das drogas, em caso que envolvia tráfico, a ministra fez duras críticas ao Ministério Público, para quem o órgão perdeu a “conexão com a realidade” quando opta por recorrer de decisões em 1ª instância pleiteando pelo aumento de pena dos presos. A ministra afirmou ainda que “Ele [o Ministério Público] não está cumprindo o papel dele de ressocializar o preso, ele não está cumprindo o papel dele de colaborar com a Justiça”[4].
Não foi diferente no julgamento do HC 916.894, quando a ministra determinou a reabertura de prazo para alegações finais em caso de tráfico de drogas tendo em vista a apresentação do prazo ter ocorrido em 212 dias pelo MP e em 47 para a defesa, que foi penalizada com multa por desrespeito ao prazo legal de cinco dias. Em sua decisão, a ministra destacou o desrespeito a paridade de armas no processo penal, essencial para o contraditório e a imparcialidade do juiz, reforçando que a defesa técnica é garantia indispensável e dever ter condições iguais às da acusação[5].
Entre tantos julgados relevantes, destaca-se também o trancamento de ação penal fundada exclusivamente em provas obtidas por violação do sigilo médico. No caso, o médico que atendeu a recorrente comunicou à autoridade policial fatos relacionados a suposto aborto, configurando quebra de sigilo profissional sem justa causa, tornando a denúncia inadmissível[6].
Ou ainda, situação em que houve por bem anular as provas colhidas em desfavor de uma mulher acusada pelo crime de homicídio após a defesa juntar ao processo vídeo de um podcast em que uma policial civil, que participou das investigações do caso, narra ter pressionado a acusada para extrair a confissão da ré[7].
A ministra, dentre outros, entendeu ainda que a reiteração delitiva não confere tipicidade a condutas irrelevantes para o direito penal, como o furto de itens insignificantes[8], manteve anulação de julgamento realizado pelo Tribunal do Júri em que o réu ficou sentado de costas para os jurados durante a sessão de julgamento[9], anulou júri em que não foi oportunizado ao réu sua apresentação com roupas civis em plenário[10] e determinou a soltura de homem preso preventivamente em razão de conclusões peremptórias a partir do seu estereótipo de morador de rua: “sem endereço fixo, sem trabalho – logo, só pode viver do crime”[11].
Fácil notar que a lista de julgados que merecem destaque é extensa e que a ministra muito contribuiu no último ano. Além da singela homenagem, contamos com o compromisso público feito pela ministra de que pretende fazer campanha para que outras mulheres assumam vagas no STJ – o que esperamos fortemente se torne realidade. Desejamos muito sucesso nos novos desafios! Ganha a 3ª Turma!
[1] STJ, HC 909.274/PR, Rel. Min. Daniela Teixeira, 5ª Turma, DJ 1.7.2024.
[2] STJ, HC 869.756/SP, Rel. Min. Daniela Teixeira, 5ª Turma, DJe 9.8.2024.
[3] STJ, HC 918.821/RJ, Rel. Min. Daniela Teixeira, 5ª Turma, DJe 6.6.2024.
[4] Disponível em: https://www.poder360.com.br/justica/ministra-do-stj-critica-ministerio-publico-por-casos-sobre-drogas/ Acesso em: 22 de janeiro de 2025.
[5] STJ, HC 916.894/MT, Rel. Min. Daniela Teixeira, 5ª Turma, DJe 3.7.2024.
[6] STJ, AgRg no RHC 181.907/MG, Rel. Min. Daniela Teixeira, 5ª Turma, DJe 9.12.2024.
[7] STJ, AgRg no HC 898.724, Rel. Min. Daniela Teixeira, 5ª Turma, DJe 8.5.2024.
[8] STJ, AgRg no HC 834.558/GO, Rel. Min. Messod Azulay Neto, Rel. para acórdão Min. Daniela Teixeira, 5ª Turma, DJe 20.12.2023.
[9] STJ, AgRg no HC 768.422/SP, Rel. Min. Daniela Teixeira, 5ª Turma, DJe 13.9.2024.
[10] STJ, HC 778.503/MG, Rel. Min. Daniela Teixeira, 5ª Turma, DJe 19.3.2024.
[11] STJ, HC 889.138/SP, Rel. Min. Daniela Teixeira, 5ª Turma, DJe 19.2.2024.
Artigo publicado originalmente no blog Amigas da Corte.
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