Em entrevista exclusiva ao Jornal Opção, advogado criminalista diz que futuro ministro da Justiça e da Segurança Pública tem objetivos políticos claros e argumenta que o ex-presidente Lula deveria estar em prisão domiciliar
Antônio Carlos de Almeida Castro, mais conhecido como Kakay — “se me chamarem de Antônio Carlos na rua, eu nem olho” —, já defendeu presidentes, ministros, governadores, parlamentares, celebridades e, mais recentemente, passou a defender o médium João de Deus, acusado de abuso sexual por centenas de mulheres.
“Advogo muito contra a opinião pública”, frisou o renomado advogado criminalista durante entrevista exclusiva ao Jornal Opção, quando comentou, entre outros assuntos, sobre o ex-presidente Lula e a sua expectativa em relação ao futuro governo. “Torço para dar certo, mas tenho muita preocupação com o grupo que está assumindo o poder. São pessoas despreparadas.”
Qual é a origem do seu apelido?
Kakay foi a primeira palavra que eu falei. Perguntavam qual era o meu nome e, sabe-se lá o porquê, eu falava Kakay. Até uma certa idade, escrevia Cacai, tanto é que a mãe dos meus filhos até hoje escreve Cacai. Mas, depois de um tempo, comecei a escrever com a grafia atual por uma questão visual. Acho mais interessante assim. Este foi um apelido que escolhi e realmente pegou. Há quem diga que eu até deveria incorporá-lo ao meu nome. Quando estou na tribuna do Supremo, os ministros se dirigem a mim como Dr. Kakay. Acho que, se me chamarem de Antônio Carlos na rua, eu nem olho.
Um dos principais assuntos deste final de ano foi a decisão do ministro Marco Aurélio de libertar os presos condenados em segunda instância, revogada, posteriormente, pelopresidente do STF [Supremo Tribunal Federal], ministro Dias Toffoli. Como o sr. viu esta situação?
Fico muito a cavaleiro para falar desta história porque eu assinei a ADC [Ação Declaratória de Constitucionalidade] 43, a primeira que tratou deste assunto. Sustentei a ADC na tribuna do Supremo quando teve o julgamento da liminar. Em primeiro lugar, o que defendemos é o cumprimento da Constituição. Pode parecer complicado, mas é muito simples. A Constituição tem um cláusula pétrea onde diz que uma pessoa só pode ser presa após o trânsito em julgado e que claramente prevê a presunção de inocência. O STF, em um processo de defesa sem advogado presente, inverteu este princípio. Quando ficamos sabemos disso e resolvemos entrar com a Ação Direta de Constitucionalidade, o Lula sequer era denunciado. Ao contrário do que a imprensa fez parecer, isso não tem nenhuma relação com o Lula. Naquele momento, por uma questão midiática em que as pessoas queriam prender empresários e políticos famosos, fiz um alerta que ainda hoje acho atual: se você dá ao Supremo o direito de afastar uma cláusula pétrea da Constituição, você está dando direito ao Supremo de afastar amanhã, por exemplo, a liberdade de expressão ou a propriedade privada, que são causas do mesmo patamar constitucional. Isso é um risco muito grande. Falei, da tribuna do STF, que o Supremo pode muito, mas não pode tudo. Felizmente, nenhum Poder pode tudo.
No julgamento da liminar na ADC 43, o placar ficou em 6 a 5, mas não foi julgado o mérito. Houve uma pressão midiática muito grande e, infelizmente, houve a prisão do Lula neste meio tempo. Em setembro do ano passado, fui à ministra Carmen Lúcia, que era a presidente do STF. Há um regra de que quem determina a pauta do Supremo é o presidente, mas sou contrário a isso. A maioria dos ministros é quem deveria determinar a pauta. Conversei com o ministro Marco Aurélio, que era o relator, e ele me disse para conversar com a Carmen Lúcia e dizer à presidente que ele estava apto a levar a matéria de mérito. Ao contrário do que disse a mídia e, inclusive, a Carmen Lúcia, que usou a expressão “não posso apequenar o Supremo”, é comum que se julgue a liminar e, depois, o mérito. Comum, não. É necessário julgar o mérito. Infelizmente, a ministra não levou o processo a julgamento. Quando começou o ano, houve a condenação do Lula em segunda instância e eu disse a ela para não fulanizar, porque não tem nada a ver com o ex presidente. O Brasil inteiro fala que sou advogado do Lula, mas nunca fui advogado dele.
Neste caso da ADC, tivemos uma alegria muito grande porque vieram como amicus curiaevárias entidades e advogados de direitos humanos e, principalmente, as defensorias públicas, que defendem aquele que é o cliente tradicional no processo penal brasileiro: o negro, o pobre e o que não tem voz. Talvez a raiz de todo esse descontentamento e tensão que existe no Supremo seja este processo. Se a Carmen Lúcia tivesse levado a julgamento, isso não teria acontecido. Em 31 de janeiro, fiz uma petição ao ministro Marco Aurélio dizendo que não era correto não levar a liminar a julgamento porque milhares de presos estão sendo prejudicados. Mas ele não concedeu a liminar. Se tivesse concedido àquela época, este assunto estaria resolvido. Quando o ministro Dias Toffoli assumiu a presidência do Supremo, fui a ele e disse que estava na hora de julgar o processo. Ele me disse que não julgaria antes das eleições porque poderia ser um fator desestabilizante. Achei razoável esperar as eleições porque o Lula ainda era um potencial candidato. Mas é incrível como a polarização em torno do Lula está prejudicando mais de 100 mil pessoas que poderiam ser beneficiadas com esta decisão.
Neste fim de ano, o ministro Marco Aurélio resolveu dar a liminar em função de o julgamento ter ficado só para o dia 10 de abril. Falei com o Toffoli depois que a liminar foi revogada e o ministro me disse que precisava dar segurança para o STF, porque, segundo ele, esta liminar daria uma insegurança muito grande. O ministro Toffoli é um presidente que tem muita preocupação institucional. Acho que ele será um grande presidente do Supremo. Inclusive, falou uma frase muito importante recentemente. Ele disse ser necessário que o Judiciário deixe de ser protagonista da cena política nacional.
O sr. acredita que o Lula possa ser solto em breve, ou seja, ser solto enquanto Jair Bolsonaro for presidente?
Não sou advogado do Lula. Acho que o Poder Judiciário tende a ser mais repressor na gestão do Bolsonaro, mas não a ponto de influenciar neste caso concreto. Acho que o que o Bolsonaro pode fazer de negativo para o Poder Judiciário é indicar ministros e desembargadores que tenham uma visão mais punitiva, sem interferir diretamente na questão do Lula.
Prisão domiciliar seria algo mais factível ao Lula neste momento?
Achei um erro muito grande o ex-ministro Sepúlveda Pertence ter sido criticado publicamente pelos outros advogados do Lula quando ele falou em prisão domiciliar. A prisão domiciliar deveria ter sido pedida desde o início. Evidentemente, um pessoa que foi presidente da República por tanto tempo, tem uma idade avançada e está preso em um local que causa enorme problema para a Polícia Federal, já que ali não é lugar para prisão, mereceria estar em prisão domiciliar ou em alguma outra mais adequada. Não tenho dúvida disso. Ele e todos os ex-presidentes que possam ter problemas.
Como o sr. avalia a possibilidade de o presidente Michel Temer conceder indulto de Natal?
Quando a Carmen Lúcia deu uma liminar e depois o ministro Luís Roberto Barroso deu outra pedindo o indulto no ano passado, me manifestei muito sobre isso e, inclusive, o IGP [Instituto de Garantias Penais], que eu represento, entrou como amicus curiae no processo no Supremo. É evidente que isso é uma atribuição do presidente da República. Portanto, as liminares da Carmen Lúcia e do Barroso são claramente inconstitucionais. É uma usurpação da competência privativa do presidente da República. Se houvesse um erro formal, o Poder Judiciário poderia ter entrado. Mas o que acontece no Brasil é um momento trágico. As principais lideranças do Legislativo estão sendo investigadas, e têm que ser, só que as investigações no Brasil não terminam nunca. O Ministério Público fica com um grande poder, porque denuncia quem quer e arrasta a investigação por três, quatro anos. O Poder Legislativo está absolutamente fragilizado. E, com o Poder Executivo sem legitimidade e representatividade, há um superpoder Judiciário, com um ministro com coragem para impedir a edição de um indulto. Pior, o ministro Barroso reescreveu o indulto. Se você permitir que um ministro do Supremo reescreva o indulto cortando os direitos, você tem que permitir que um outro ministro do Supremo libere todos os presos no Brasil. A atribuição não é dele. O ministro Barrosos disse que a indiscricionalidade do presidente da República não pode ser absoluta. Daí o ministro Alexandre de Moraes perguntou se a indiscricionalidade de um ministro do Supremo pode. O indulto é uma tradição brasileira.
Há dois erros: primeiro, a liminar e, depois, a demora em julgá-la. Quando estava em 6 a 2, o ministro Luiz Fux pediu vista sabendo que aquela era uma das últimas sessões do ano e, com isso, esgotaria o prazo. Esse é um problema grave do Poder Judiciário. Um pedido de vista de um processo que já está decidido e que sabe que vai perder a validade no final do ano é um abuso do Tribunal. Espero que o Temer conceda o indulto, que é uma tradição brasileira. O Brasil precisa parar de achar que tudo é a Lava Jato. Tudo passou a ser a Lava Jato e, por causa de dois ou três que, em tese, poderiam ser beneficiados, impede-se que dezenas e dezenas de pessoas, presas sem relação com a Lava Jato, tenham o benefício. Ao contrário do que disse o ministro Barroso, o ministro Alexandre comprovou que, dos presos da Lava Jato, apenas um seria beneficiado. O Brasil é o país com a terceira maior população carcerária. Temos 750 mil presos e 300 mil mandados de prisão, que, se forem cumpridos, teríamos mais de 1 milhão de presos. E as condições dos presídios brasileiros são absolutamente sub-humanas. Três meses atrás, ganhei um habeas corpus no Tribunal Europeu dos Direitos Humanos para impedir que um cidadão viesse para o Brasil por causa das condições sub-humanas dos presídios. Olha que vergonha. A discussão da questão carcerária é gravíssima. Recentemente, o STF condenou o governo brasileiro pela fragilidade e miserabilidade dos presídios brasileiros.
O sr. já utilizou algumas vezes o termo “ditadura do Judiciário”. Na sua opinião, quando esta realidade mudará?
Tenho muita esperança na gestão do ministro Toffoli quando ele começa dizendo que o Judiciário tem que perder o protagonismo. O Poder Judiciário não age sponte propria, apenas quando é provocado. Quando há espetacularização do processo penal e protagonismo do Judiciário é porque o País está ruim. Triste do país que precisa que precisa de heróis. O Brasil não precisa de heróis, mas sim de serenidade na aplicação da Constituição. Falei da tribuna do Supremo que esperava que, quando tivesse 35 anos de formado, estaria defendendo a descriminalização de algumas condutas ou abolicionismo penal para que a cadeia fosse realmente única e exclusivamente para aquelas pessoas que têm necessidade absoluta. Infelizmente, estou defendendo a presunção de inocência. Quando era estudante e membro do Centro Acadêmico, eu queria cada vez mais avançar cima da Constituição, como se isso fosse o que interessava. Hoje, sinceramente, acho que ser revolucionário é cumprir a Constituição. Se cumpríssemos a Constituição, daríamos um grande avanço institucional.
Como o sr. avalia o episódio em que um advogado encontrou o ministro Ricardo Lewandowski em um avião, disse que o STF é uma vergonha e o ministro ameaçou prendê-lo?
Fizemos até uma nota em nome do IGP sobre isso. Aquele advogado nitidamente não estava como advogado. Um advogado tem a obrigação da humanidade. Ele agia como um agente provocador, até porque estava filmando e dentro de um avião, o que eleva o problema porque gera insegurança generalizada. Acho que o ministro Lewandowski agiu muito bem ao responder. O País está dividido e, se deixarmos que as pessoas passem a agredir as outras nas ruas, ainda que eventualmente, o País vai se dividir ainda mais. Acho que foi uma atitude digna do ministro e que aquele cidadão não agiu como advogado, tanto é que eu conversei com o presidente da OAB [Ordem dos Advogados] e, se aquele cidadão tivesse pedido o desagravo, não o teria. Ele estava filmando na tentativa de humilhar. Ora, temos que ter um pingo de civilidade. Discordo frontalmente da posição de várias pessoas que atuam no Judiciário e discordo frontalmente inclusive de ministros do Supremo, mas eu jamais os ofenderia, principalmente em público. Portanto, acho que a atitude do Lewandowski foi de dignidade, inclusive porque, naquele caso, foi ofendido o STF. Ele tinha a obrigação, sim, de dar uma resposta.
Como o sr. analisa a frase do filho do presidente eleito e deputado federal reeleito, Eduardo Bolsonaro, dita ainda durante a pré-campanha, que, para fechar o STF, bastaria um jipe, um cabo e um soldado?
Tenho muita preocupação com o grupo que está assumindo o poder. São pessoas despreparadas e que não têm muita noção da realidade. Eles ganharam e quero que façam um bom governo. Todo brasileiro tem que querer que eles façam um bom governo porque o Brasil não aguenta mais tanta instabilidade.
Se esta frase viesse de um menino de 12 anos de idade, já seria grave. Mas, vindo de uma pessoa que vai ter um poder e foi eleito com muitos votos, é lamentável. São pessoas que não têm muita noção da questão institucional e são de uma fragilidade tão grande sob o aspecto intelectual. Estive recentemente em dois países da Europa e, em alguns restaurantes e bibliotecas que entrei, as pessoas me davam pêsames pelo o que está ocorrendo no Brasil. Imagina só, perguntaram à Marine Le Pen [líder do partido francês Frente Nacional, considerado de extrema-direita] a opinião dela sobre o Bolsonaro e ela falou que ele é muito à direita. Torço para dar certo, mas tenho uma preocupação real. Acho que falta a eles uma noção institucional.
O que o sr. espera do Sergio Moro como ministro da Justiça e da Segurança Pública?
Espero que dê certo. Julgo que o Moro seguramente tem competência específica para ser ministro da Justiça. Mas ele sempre foi um juiz político. O Moro disse uma frase interessante durante uma entrevista, que jamais assumiria um cargo político porque senão estaria assumindo que é parcial. A primeira coisa que um juiz deve ser é imparcial. Ele tirou a máscara e resolveu assumir o político que sempre foi. O Moro não tem muita noção do que é um ministério. Ele acha que é possível fazer uma grande delegacia de polícia e combater a corrupção. Não é assim que funciona. Por exemplo, o Renan Calheiros provavelmente vai ser presidente do Senado. Sergio Moro vai ter que conversar institucionalmente com o presidente do Senado. E não vai ser no Ministério da Justiça. Vai ser no gabinete da presidência do Senado. Acho que o grande problema do Moro foi ter aceitado ser ministro enquanto ainda era juiz. Aquilo foi um tapa na cara do Judiciário. Porque ele interferiu diretamente na eleição. O Moro prendeu o principal opositor do presidente que ganhou. Ele não poderia ter aceitado que alguém conversasse com ele sobre ser ministro enquanto ainda era juiz. Por outro lado, é bom que ele assuma logo o que é, um político.
Acho que o mal que o Moro pode fazer é na instrumentalização do Poder Judiciário. Ele vai ajudar a nomear ministros e juízes e, com isso, pode vir o recrudescimento, porque a visão que eles têm do processo penal é absolutamente retrógrada, punitiva. Em país nenhum do mundo há um movimento institucionalizado para aumentar o encarceramento. Hoje, se você falar em impunidade no Brasil, é falta de visão da realidade. Temos um ex-presidente da República, o mais popular, que está preso, além de ex-governadores e um ex-presidente da Câmara dos Deputados. Cadê a impunidade? Isso é um jogo de marketing. Costumo dizer que a estrutura de marketing da Lava Jato é melhor que a estrutura jurídica.
Sergio Moro é um ministro “indemitível”?
Tancredo Neves falava em nunca nomear alguém que não se possa demitir, mas não existe ministro “indemitível”. No dia em que o Bolsonaro foi ao Congresso Nacional após ter sido eleito, o Moro inabilmente deu, ao mesmo tempo, uma entrevista de duas horas para a GloboNews. O “Jornal Nacional” deu cinco minutos para o Bolsonaro e 15 para o Moro. Tive a informação de que o Bolsonaro ficou indignado. O futuro ministro já está enfrentando algumas políticas de campanha do Bolsonaro, que falou que ia liberar as armas. Já o Moro ressaltou a diferença entre porte e posse. Em relação à maioridade penal, Bolsonaro fala em reduzir para 14 anos e o Moro diz que tem que ser 16 para crimes hediondos. Acho que, em muito pouco tempo, haverá um encontro de ideias entre eles.
A questão da maioridade penal tem que passar pelo Congresso como PEC [Proposta de Emenda à Constituição]. Não é um vontade do ministro. E nós estamos na contramão da história. Nos Estados Unidos, que é um país duro, Donald Trump está fazendo um grande trabalho para aumentar a maioridade penal. Tem Estado que já aumentou para 20 anos e, no Brasil, fala-se em diminuir para 14. Comprovadamente, a política de encarceramento a qualquer custo não deu certo nos Estados Unidos, onde há quase 3 milhões de presos. Mas não me preocupo com isso porque tem que passar pelo Congresso.
O sr. acha que o Sergio Moro aspira uma indicação para ser ministro do STF?
Acho que o Sergio Moro quer ser presidente da República. Não tenho a menor dúvida disso. Se ele pensasse só no STF, continuaria fazendo essa espetacularização que ele faz tão bem com o apoio da grande mídia e a primeira vaga que surgisse seria dele. O Moro saiu do Judiciário e foi para o Executivo. Eu jamais aceitaria algum cargo público. Sempre brinquei que só aceitaria ser ex-ministro do Supremo. Não tenho vontade de fazer política. Se ele aceitou sair do Judiciário, onde era um semideus pelo apoio popular e da mídia e não por qualidade técnica, e foi para o Ministério da Justiça, é óbvio que almeja ser presidente da República.
Em entrevista ao jornal português “Diário de Notícias”, o sr. disse que Jair Bolsonaro foi ajudado pelos efeitos da Lava Jato. Quais outras consequências, tanto positivas quanto negativas, a Lava Jato trouxe ao Brasil?
A Lava Jato é uma operação importante. Sou muito criticado por falar isso, mas acho que ela conseguiu desnudar um grau de corrupção institucionalizada que ninguém poderia imaginar. Isso é importante. Eu não sabia, você não sabia e outros jornalistas também não sabiam. Mas [os membros da força-tarefa da Lava Jato] acreditaram que eram semideuses e começaram a querer ser heróis e cometeram excessos. Há uma cultura punitivista que foi muito direcionada, implementada e impulsionada pela Lava Jato. Há um excesso de prisão preventiva. Enquanto todo o mundo só prende em casos extremos, a prisão foi banalizada no Brasil. Destruíram o instituto da deleção premiada, que é importantíssima. A base da deleção premiada é sempre a espontaneidade. Há processos que, de 15 denunciados, 14 são delatores. É claro que eles instrumentalizaram a delação. Um procurador falou que a prisão é, sim, feita para delatar. Isso é um escárnio, uma imoralidade. São muitos os prejuízos. Eles conseguiram essa banalização, essa cultura do punitivismo. Isso, para mim, é grave.
Comecei a ver esses excessos crescerem há mais ou menos três anos e passei a aceitar convites para falar pelo Brasil. Faço duas, três palestrar por mês e não falo só para três mil pessoas porque tenho acesso à imprensa. Assim, consigo discutir esse assunto. Houve uma espetacularização do processo penal. Costumo dizer que não permito que juiz, procurador ou delegado nenhuma diga que combate a corrupção mais do que eu ou do que qualquer leitor seu. Mas quero esse combate dentro do respeito e dos princípios constitucionais. Não aceito esse combate espetacularizado.
Como o sr. vê o caso do ex-assessor de Flávio Bolsonaro que não compareceu para depor ao Ministério Público e, além disso, como evitar a prática tão comum no Legislativo Brasil afora de assessores devolverem parte de seus altos salários?
Se foi isso mesmo que aconteceu, uma boa forma de impedir seria processando esse cidadão e o seu chefe. O fato de esse cidadão estar há quase um mês desdenhando do Ministério Público sem que nada ocorra com ele já demonstra o grau de instabilidade desse momento. Há uma coisa muito grave, o depósito na conta da futura primeira-dama. Se fosse o Moro o juiz, este cidadão estava preso. Vamos nos divertir muito em alguns aspectos nesse governo. O Moro já teve que falar sobre o Onyx Lorenzoni, seu futuro companheiro de ministério, que pediu desculpas. Ele criou uma extinção de punibilidade pelo pedido de desculpas. Se o Moro fosse o juiz da causa dessa cidadão, já teria mandado prender. Este caso é típico de como esse grupo está, de certa forma, imune do poder de investigação. Não tenho a menor dúvida de que se isso fosse na 13ª Vara Federal de Curitiba, os procuradores já teriam pedido a prisão dele e o Moro teria determinado a prisão. Veja bem, eu não estou dizendo que ele deveria ser preso. Não acho que seja caso de prisão. Mas são dois pesos e duas medidas.
O sr. já conversou com Sergio Moro depois que ele foi anunciado como ministro?
Eu nunca conversei com o Sergio Moro. Ao contrário do que as pessoas pensam, os poucos processos que tive em Curitiba eu ganhei. Nunca fiz uma audiência com o Moro porque a grande maioria dos meus clientes está no STJ [Superior Tribunal de Justiça] e no STF. Tive um caso contra o Moro que, até então, era o mais clamoroso, o caso Sandal, que nós ganhamos. E um outro caso que eu também ganhei foi o do Raul Schmidt, que está lá em Portugal. Não tenho nada pessoal contra o Moro. Tenho uma discordância da forma como ele vê o Direito e da forma que ele vê o mundo. Tenho uma formação humanista e ele é um clássico punitivista.
O jornalista, historiador e professor Marco Antonio Villa disse uma vez na Rádio Jovem Pan que advogados que defendem investigados por corrupção não são defensores, mas sim comparsas. Como o sr. recebe este tipo de crítica de quem diz que os honorários pagos a advogados que defendem investigados por corrupção são altos demais?
Eu não responderia ao Marco Antonio Villa porque ele não merece resposta. Uma vez eu estava ao vivo na Jovem Pan e ele fez uma crítica parecida. Eu respondi o seguinte: “Se eu tivesse preocupação em defender investigados por corrupção, não seria advogado criminal. Poderia ser jornalista para ser irresponsável como você, que não sabe o que está falando”. Ele ficou calado. Prefiro não responder ao Marconi Antônio Villa diretamente.
Então vamos tirar o Marco Antonio Villa da pergunta.
Em qualquer país civilizado, a presunção é que o cidadão é inocente e tem direito a ter um advogado. Eu tenho critério para pegar causar. Tenho que ter um defesa técnica. Se eu tiver uma defesa técnica e eu achar que posso fazer valer a aplicação do Direito na causa, eu pego. Não tenho por que perguntar ao cidadão de onde vem o dinheiro que ele me paga. Emito nota e tenho meu compromisso com o Fisco brasileiro.
Escrevi um artigo em uma revista muitos anos atrás que ainda é atual. Um cidadão que está em casa, vendo televisão, com problema de saúde e de dinheiro, torce para o Atlético Mineiro, quer dizer, ele está infeliz da vida, e vê um poderoso sendo preso, veste uma máscara da hipocrisia e não quer saber se àquele cidadão foram dados os direitos e garantias constitucionais. Mas um dia esse cara é preso ou é preso alguém ligado a ele e daí quer que todos os direitos sejam dados. Eu sou advogado na expressão da palavra. Tenho o DNA da liberdade no meu sangue. Eu nunca tive um caso que me arrependi de pegar. Houve até casos que me arrependi de não pegar quando vi que o advogado que pegou está fazendo um caminho diferente do que eu faria.
Normalmente, quem faz este tipo de crítica são pessoas que não têm a visão do que é o processo penal. O processo penal por si só já é uma pré condenação. As pessoas quando entram no meu escritório para contar os problemas que têm estão geralmente destruídas. Eu advogo muito contra a opinião pública, tanto é que agora peguei o caso do João de Deus. Este tipo de pergunta eu respondo por educação, mas são pessoas que não têm profundidade do que é o flagelo de um processo penal para vir com este tipo de leviandade.
Como vai ser o trabalho para tentar libertar o João de Deus?
Fui procurado pelo [Alberto Zacharias] Toron, um grande advogado que é o responsável pela causa, para fazer um enfrentamento da negociação da liberdade. Não vou advogar para o João de Deus nos processos que ele está respondendo e vai responder. Eu trato da liberdade. Li o decreto de prisão e ele é afrontosamente ilegal e inconstitucional. O decreto de prisão parte do pressuposto do clamor público. É óbvio que qualquer país que tenha um Poder Judiciário independente não pode aceitar o argumento do clamor público. Porque, senão, bastava ter a televisão contra uma pessoa para essa pessoa ser presa. O STF já afasta o clamar público há muito tempo. O segundo ponto seria uma possível ameaça, que, na verdade, não é relatada. É uma pessoa que fez um BO [Boletim de Ocorrência] e que, ao comunicar que fez o BO, escuta de um amigo que o João de Deus pode ser perigoso. Mas a pessoa não escutou isso de ninguém ligado ao João de Deus. Isso, para mim, é teratológico. E o outro argumento foi uma indução ao erro, no meu ponto de vista, de dizer que ele teria movimentado R$ 35 milhões, como se ele quisesse fugir. Primeiro, ele se entregou. Se quisesse fugir, não teria se entregado. Tenho os extratos dele para enfrentar esta tese. Ele tirou uma quantia x, infinitamente menor, para poder fazer jus a um pagamento específico que ele tinha que fazer.
Vou ver com Dra. Raquel [Dodge, procuradora-geral da República] para que possamos conseguir a liminar o mais rápido possível. O processo criminal só justifica a prisão em casos muito rigorosos e técnicos. Não se pode começar um processo com uma prisão pelo fato de haver um clamor público. Começar um processo com prisão é uma inversão absoluta dos valores constitucionais. Tenho bastante convicção que nós vamos conseguir a liminar. E não estamos nem pedindo a liberdade. Estamos pedindo a prisão domiciliar, até por causa da questão de saúde dele.
O sr. é um dos advogados do ex-governador de Goiás Marconi Perillo, que chegou a ser preso dias após as eleições. Há possibilidade de uma nova prisão em breve?
A prisão dele era a tal ponto teratológica que conseguimos revogar em 15 horas. Foi uma prisão espantosa, fruto de um momento de espetacularização do processo penal brasileiro. Um dos males da Lava Jato é este excesso de punitivismo e a banalização da prisão. Não temos nenhuma preocupação com a questão técnica deste processo. Vamos enfrentá-lo com tranquilidade. Em um processo penal, é o acusador quem tem que fazer a prova, mas nós vamos mostrar a prova da inocência dele. A única coisa que eu espero é que nós possamos fazer a defesa técnica e que a análise dos fatos e da prova seja feita de uma forma também técnica. Para mim, o caso do Marconi é muito simples. Acho que esse processo foi, infelizmente, usado politicamente. Marconi perdeu a eleição para senador com aquela busca a apreensão. Houve um uso indevido do processo penal para outros fins.
Texto publicado originalmente no Jornal Opção.
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