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Mortes em Paraisópolis: não foi acidente!

Mortes em Paraisópolis: não foi acidente!

Por Priscila Pamela, Flávia Rahal, Hugo Leonardo e Davi Tangerino

A morte de nove adolescentes pela Polícia Militar em um baile funk na favela de Paraisópolis, no dia 1º de dezembro de 2019, na zona sul de São Paulo, não foi um acidente. Foi sim fruto da atuação ilegal da tropa paulista, que rotineiramente não observa os protocolos definidos pela própria instituição em operações em bairros periféricos. E, sim, há locais determinados para que essas ações ocorram —e elas não se dão em territórios ocupados pela elite e pela classe média alta.

As discussões cabíveis ao caso sobre desigualdade social, racismo estrutural e letalidade policial são intensas e tão profundas que merecem ser tratadas em outro espaço. Trata-se aqui de refletir sobre o resultado da operação em Paraisópolis, que não pode nem deve ser esquecido.

Não se pode aceitar como natural a morte da juventude negra e periférica. É inadmissível que, nas circunstâncias do caso em questão, a atuação da polícia tenha sido considerada legítima, como quis fazer crer a conclusão prematura apresentada no relatório final do IPM (Inquérito Policial Militar), que tramitou perante a Corregedoria da Polícia Militar.

O relatório pareceu ter desconsiderado os elementos produzidos por outros órgãos investigativos de Estado, no qual já constam diversos depoimentos, áudios, vídeos e laudos periciais que colocam em xeque a versão apresentada pela Corregedoria de que os policiais seguiram o protocolo de atuação. Se não bastassem as provas já contidas em investigações formais, o documento ignora também dados públicos desvendados pela imprensa nos dias que se seguiram à tragédia, como o inadequado atendimento de primeiros socorros às vítimas e mais inúmeros vídeos de abusos por policiais no baile funk.

Até mesmo dentro da própria PM foram trazidas informações que rejeitam as conclusões da Corregedoria. Nesse sentido, são extremamente relevantes as evidências vindas do ex-ouvidor da Polícia de São Paulo Benedito Mariano —primeiro colocado na lista tríplice e não reconduzido ao cargo às vésperas da publicação do relatório—, que também apontaram para a violação de protocolo de controle de distúrbios civis. A Ouvidoria classificou a operação como “improvisada, precipitada e desastrosa”.

O lançamento de bombas, as agressões com cassetetes, os gritos de “vai morrer, vai morrer todo mundo”, seguidos da movimentação tática que fechou todas as rotas de saída, indicam que os policiais não só não adotaram as melhores práticas como, ao contrário, assumiram o risco de provocar mortes e lesões graves. O corporativismo de instituições —no caso, da Polícia Militar— não pode prevalecer sobre a realidade posta.

Não foi acidente!

Ignorar esses fatos é ignorar o valor do direito à vida das populações periféricas, é tripudiar sobre a dor de cada familiar que perdeu um ente querido, é desrespeitar o pacto social estabelecido, em virtude do qual todo e qualquer agente infrator merece responsabilização. É ludibriar cada cidadão e cada cidadã sobre a atuação policial e, com isso, potencializar o descrédito das instituições e da Justiça junto à sociedade.

Em outras palavras, é necessário dizer que a luta por responsabilização e reparação no caso de Paraisópolis não atinge apenas as famílias envolvidas, mas deve ser um símbolo relevante para toda a sociedade. Brasileiros precisam ter na polícia uma instituição em quem confiar para garantir-lhes paz e segurança, e não algo que simbolize medo, violência e arbitrariedade.

Não há saldo positivo resultante da ação ilegal em Paraisópolis. Nove vidas foram subtraídas e com elas sonhos, alegrias, realizações e esperanças. Nove famílias estão há meses em luto profundo, sendo sua dor agravada pela falta de horizonte de respostas sobre a responsabilização e reparação pela morte de seus filhos, irmãos e irmã. Apuração isenta é o mínimo que a sociedade brasileira espera.

Artigo publicado originalmente na Folha de S.Paulo.

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