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Não há alternativas para as penas aplicadas aos golpistas de 8 de janeiro

Não há alternativas para as penas aplicadas aos golpistas de 8 de janeiro

Crimes são graves, não se trata de invasão de domicílio ou furto; por pouco, essa discussão nem aconteceria: bastaria que a intentona tivesse dado certo

O jurista Davi Tangerino escreveu artigo na Folha (“Alternativas ao espantalho da anistia”, 16/4) criticando o montante das penas aplicadas aos golpistas de 8 de janeiro. Propõe alternativas para esvaziar o “espantalho da anistia“, a partir da redução das penas, indulto parcial e até mesmo alteração da Lei de Defesa do Estado Democrático.

Tangerino diz que a premissa usada para não ser preciso apontar em detalhes as condutas individuais da massa do 8 de janeiro —o fato de ter sido cometido em turba— é intrinsecamente contraditória com a condenação por associação criminosa; além disso, as decisões do Supremo Tribunal Federal (STF) ignoraram o evidente incentivo dado pelo Estado (Forças Armadas e alto escalão do governo federal à época) aos que clamavam por uma intervenção militar. Propõe até mesmo um indulto parcial.

Não é possível concordar com o articulista. A par do problema político, há problemas jurídicos nas propostas. A questão do indulto é opção política e há precedente do STF sobre isso no caso Daniel Silveira, dizendo não caber graça ou indulto para esse tipo de crime por existir vedação implícita. Afinal, nenhuma democracia pode cometer haraquiri perdoando quem lhe quis destruir. É uma contradição insuperável e desvio de finalidade do instituto.

E o autor erra ao dizer que seria contraditório condenar por associação criminosa quando se trata de turba. Até porque, no caso concreto, a ação dos golpistas não se desenvolve apenas no dia 8; há um ajuste prévio naqueles acampamentos que clamavam por intervenção militar. Portanto, havia uma programação. Não há espontaneidade.

É claro que a associação criminosa exige uma certa permanência, mas —atenção— pelo tempo de duração dos acampamentos já se pode ver que havia uma (longa) permanência. Não foi um acampamento de um ou dois dias. Não foi algo de passagem para os golpistas.

A solução do problema apresentada por Tangerino acaba sendo o problema da solução. O conceito de associação criminosa não é incompatível com crime cometido por multidão. Aliás, os autores não foram condenados aos crimes de tentativa de golpe e abolição violenta pelo fato de estarem em multidão. Isso foi utilizado para os crimes de dano. Uma coisa importante: pessoas podem se associar e nem mesmo virem a cometer o crime.

As penas —tidas por elevadas— foram aplicadas no modus operandi com que são aplicadas penas todos os dias no Brasil. Na verdade, aplicadas no mínimo. Brasil afora os juízes pegam mais pesado. Ficaram altas porque as penas dos crimes são elevadas, aprovadas pelo legislador e sancionadas pelo então presidente Jair Bolsonaro. E veja-se: trata-se de tentativa de golpe e abolição da democracia. As penas não poderiam ser do quilate de uma invasão de domicílio ou furto. São crimes graves.

Como não é possível anistiar ou indultar, porque inconstitucional, o máximo que pode ser feito, não pelas razões apontadas por Tangerino, é, em cada caso, se ainda não transitou em julgado, via embargos de declaração, fazer pequenos ajustes. Nada mais do que isso. O resto é casuísmo. Afinal, temos mais 800 mil presos para atender.

E a propósito: por pouco esta sadia discussão nem aconteceria. Bastaria que o golpe tivesse dado certo.

Artigo publicado originalmente na Folha de S.Paulo.

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