Fevereiro de 1933. Goering, presidente do Reichstag, está falando. As eleições se aproximam. É preciso acabar com a instabilidade do regime. Atividade econômica exige calma e firmeza. Vencer significa que não haverá mais eleições em 10 anos ou nunca mais. Os ouvintes, em uma sala do Reichstag, assentem. Chamam-se BASF, Bayer, AGFA, Opel, IG Farben, Siemens, Allianz, Telefunken. Depois fala Hitler por meia hora: eliminar a ameaça comunista e extinguir os sindicatos. É preciso dinheiro. Ele jorra ali. A cena está descrita em A Ordem do Dia, de Éric Vuillard.
Saber o que é fascismo é a questão mais importante desde os anos 20 do século passado, até hoje e até quando houver capitalismo. Porque ele é a maior ameaça à civilização e ameaça de extermínio de uma parte da humanidade. Ou ele perece ou uma parte de nós perecerá. Mas quantas vezes se procurar, em tudo que se escreveu ou falou sobre fascismo, seu conceito, tantas encontrará respostas diversas. O fenômeno é complexo. Fácil deslizar para uma enganosa metonímia epistemológica, tomar a parte pelo todo e algumas características como definitivas: aspectos culturais, psicológicos, sexuais, culto da tradição, etc. Estão no fascismo, mas não são o fascismo.
Umberto Eco listou 14 características, algumas, afirmava, identificáveis no final do helenismo, o culto à tradição. Este e outros elementos do fascismo estão sempre presentes, mas ter a resposta certa exige a pergunta certa. Se características do fascismo são historicamente identificáveis, em todos os tempos, por que regimes fascistas surgiram em certo momento do século XX?
A resposta está no relato de Vuillard. Em pensadores que pesquisaram o fenômeno sob a ótica da luta de classes, como o dirigente do PCI, Togliatti. Um regime fascista, agrupando características irracionais presentes em todas as sociedades e fazendo delas uma base social, aparece no capitalismo sob a tensão da luta de classes. No momento em que a classe dominante se vê ameaçada ou no momento em que um regime democrático é um problema para o capital. O fascismo, dizia Brecht, não é um desastre natural que pode ser entendido em termos de natureza humana. É responsabilidade das “classes possuidoras para controlar o grande número de trabalhadores que não possuem os meios de produção”.
As trevas de hoje têm circunstâncias e causas. Compreender a ameaça presente do fascismo e a razão de se ter um presidente fascista detendo-se na facada, fake news, manipulação das redes sociais, é como conhecer o oceano pela espuma das ondas. Essas são as circunstâncias. Poderiam ser inócuas, como inócuos foram tantos que apareceram como figuras esdrúxulas ou fascistas.
A causa, o nome da besta, é capitalismo. Sem a orquestração das classes dominantes, controle dos meios de comunicação, máquina do Judiciário, não teríamos um fascista na presidência e elementos do fascismo tão presentes. Enquanto houver capitalismo, lembrando mais uma vez Brecht, a cadela do fascismo estará no cio. Enquanto houver capitalismo, a barbárie será uma possibilidade.
Artigo publicado originalmente na Revista Cult.
Deixe um comentário
Seu endereço de e-mail não será publicado. Os campos obrigatórios estão marcados com *