O Projeto Anticrime traz avanço para a segurança pública? Essa foi a pergunta que me motivou a escrever esse artigo e, para mim, a resposta não dá margem a qualquer dúvida: Não.
Isso porque o “Pacotão” apresentado pelo Ministério da Justiça é um claro exemplo de proposta populista, criada para, aparentemente, atender aos anseios de parte da sociedade, mas que nada mais faz do que piorar o que já está ruim.
Longe de trazer avanços ou efetividade à segurança pública, esse Projeto de Lei propõe apenas um recrudescimento penal que não apresenta alternativas de cunho social ou de melhoria do trabalho
dos agentes estatais.
Aqui, aliás, cabe uma ponderação sobre a mudança relativa à legítima defesa: por qual motivo se acredita que generalizar é melhor que restringir? De acordo com o art. 25 do Código Penal, atua em legítima defesa quem, usando moderadamente dos meios necessários, repele injusta agressão, atual ou iminente, a direito seu ou de outrem”. Vejam que o texto da Lei em vigor não exclui os policiais das hipóteses de legítima defesa. Se eles matarem, utilizando de maneira moderada seus instrumentos, nada impede a incidência da excludente.
Sob o manto de “cuidado com a segurança pública”, contudo, o PL do Ministério da Justiça quer alterar esse dispositivo, incluindo um parágrafo único, pelo qual “observados os requisitos do caput, considera-se em legítima defesa: I – o agente policial ou de segurança pública que, em conflito armado ou em risco iminente de conflito armado, previne injusta e iminente agressão a direito seu ou de outrem; e II – o agente policial ou de segurança pública que previne agressão ou risco de agressão a vítima mantida refém durante a prática de crimes”. Mas a norma já não previa legítima defesa para esses agentes?
A ideia de que os policiais estarão mais protegidos com o novo texto é traiçoeira, porque uma norma supérflua como essa não traz nada além de insegurança. Afinal, como será possível identificar o “risco iminente de conflito armado”? De que maneira uma expressão tão genérica é capaz de assegurar alguma coisa a quem quer que seja?
A falsa sensação de proteção desse dispositivo é, na verdade, a legitimação da matança generalizada, especialmente dos jovens negros, pobres e periféricos, alvos preferenciais da já conhecida violência policial brasileira.
Por outro lado, alterações de pena, de regime inicial para cumprimento dela e da prescrição não farão com que indivíduos deixem de cometer crimes, mas apenas que haja um exponencial aumento da população carcerária, dominada pelas facções criminosas, e que hoje atinge a marca recorde de 812 mil presos, de acordo com os últimos dados apresentados pelo Banco de Monitoramento de Prisões ao Conselho Nacional de Justiça, a 3ª maior do mundo!
É importante reforçar que o que impede alguém de cometer um crime é a certeza de que um dia será punido e não uma lei penal mais rigorosa. Fosse diferente, o Brasil não ostentaria, quase trinta anos após a introdução da Lei dos Crimes Hediondos, a vergonhosa taxa de menos de 10% dos crimes de homicídio dolosos solucionados, segundo pesquisa do Atlas da Violência de maio de 2018.
Todos esses números são desanimadores e não tendem a melhorar se o PL for aprovado. Assim, para que o Estado consiga reprimir a violência que tanto nos assola, deve, antes de mais nada, realizar profundo e consistente trabalho em desenvolvimento social e educação, além de proporcionar aos agentes de segurança as devidas condições de laboro, com salários condizentes com suas atividades e investimentos pesados em bem-estar, inteligência e tecnologia.
Carta branca para matar não é, definitivamente, do que estes policiais precisam, mas é, somada ao aumento da população prisional, tudo o que o projeto tem de mais concreto a nos oferecer.
Artigo publicado originalmente na OAB-SP.
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